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Pacientes que buscam tratamento para obesidade enfrentam desigualdade no SUS

Opção de cirurgia bariátrica é a única disponível no SUS, enquanto planos devem cobrir também outras terapias

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Ana Bottallo Danielle Sanches
São Paulo e Osasco (SP)

Os tratamentos disponíveis para obesidade são desiguais nos serviços de saúde suplementar e no SUS (Sistema Único de Saúde), em que pacientes enfrentam filas de anos para realizar a cirurgia bariátrica.

Única terapia atualmente indicada contra obesidade no serviço público, a cirurgia bariátrica consiste em reduzir o estômago para o paciente diminuir o consumo de alimentos e aumentar a sensação de saciedade.

A indicação do procedimento, porém, é para casos graves de obesidade. Para outros estágios, os médicos recomendam terapias multidisciplinares, como redução de peso com dieta e exercícios físicos, reeducação alimentar e até tratamento psicológico.

A cirurgia bariátrica é reconhecida como tratamento para obesidade pelo rol de procedimentos com autorização da ANS (Agência Nacional da Saúde Suplementar). No caso do atendimento em hospitais públicos, os pacientes que recebem indicação enfrentam filas e esperam anos até realizar o procedimento, o que pode piorar o quadro físico e mental associado à obesidade, explica Márcio Mancini, vice-presidente do Departamento de Obesidade da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).

Fotografia colorida mostra Camila, uma mulher branca de cabelos lisos e loiros; ela sorri para a foto e usa uma blusa com estampa de oncinha
A professora e influenciadora digital Camila Cruz Bandieri, 40, fez a cirurgia bariátrica pelo plano de saúde - Gabriel Cabral/Folhapress

"O que acontece é que a cirurgia é aprovada, mas a procura é muito maior, então a pessoa entra numa fila e aí entra em uma saga que pode durar vários anos. Às vezes, aquele paciente nunca chega a fazer a cirurgia bariátrica", afirma ele.

De acordo com o médico, não há alternativas terapêuticas para as pessoas obesas na rede pública.

Recentemente, os planos de saúde passaram a ser obrigados a cobrir também os novos medicamentos usados contra diabetes tipo 2 e obesidade para perda de peso.

"No SUS, o que temos é só a bariátrica e faltam medicações para tratamento de casos leves. No geral, você tem terapias integrativas [também chamadas de PICs, ou práticas integrativas e complementares], como ioga, meditação, coisas que não têm comprovação nenhuma de que funcionam. E, eventualmente, pode ter um nutricionista em uma unidade básica de saúde (UBS), mas é algo muito difuso", diz.

Por essa razão, muitos pacientes acabam optando por fazer os exames pré-cirúrgicos pelo SUS, mas buscam os planos de saúde ou pagam do próprio bolso o procedimento.

A professora e influenciadora digital Camila Cruz Bandieri, 40, fez a cirurgia há onze meses pelo plano de saúde. Em sua vida, carregou momentos em que perdia e outros em que ganhava peso e, de 2021 para cá, com o nascimento da sua primeira filha, acabou atingindo um limite em que a sua própria saúde estava em risco.

"Eu comecei a apresentar comorbidades, como dislipidemia [alteração no colesterol], síndrome do ovário policístico, e meu ciclo era todo desregulado, resistência à insulina e até apneia do sono. Então estava realmente me limitando, tirando alguns prazeres da vida, e foi aí que percebi que era hora de fazer alguma mudança", afirma ela.

Entre os pacientes com obesidade, é comum reclamarem de estigma e de caracterização como pessoas descontroladas, que não têm controle do próprio impulso. "Eu não tinha uma compulsão por comida, não era isso, mas eu percebia que minha autoestima estava lá embaixo, eu tinha vergonha, não encontrava roupas adequadas e isso me desmotivava ainda mais a fazer academia, por exemplo", diz.

De acordo com diversos estudos, crianças e adolescentes com obesidade são o terceiro grupo que mais sofre com bullying nas escolas, atrás de gênero e raça. "Isso tem que ser interrompido, porque as pessoas com obesidade têm baixa autoestima, maiores índices de depressão e alguns estudos sugerem até maior taxa de suicídios em função dessa discriminação relacionada ao peso", lembra Mancini, da Sbem.

O acompanhamento psicológico já fazia parte da vida de Bandieri, mas o medo era o principal motivo que a afastava da ideia de fazer a cirurgia bariátrica. "Cheguei ao IMC (índice de massa corporal) de 36 e tinha o mesmo peso e a mesma altura que minha irmã, que também fez a cirurgia, e vi que a recuperação dela foi tranquila. Então decidi fazer também, mas não foi fácil."

Existem vários estudos que comprovam o benefício da cirurgia bariátrica para reduzir, por exemplo, a incidência de doença renal crônica em pacientes com diabetes tipo 2 e obesidade. No caso dos pacientes com obesidade, estudos mostram uma eficácia que varia de 70% a 75% dos pacientes, indicando que cerca de um quarto deles apresenta o reganho de peso após a cirurgia.

Há, ainda, uma elevada eficácia na sensação dos pacientes e aceitação do corpo, embora isto deva ser avaliado com cautela, uma vez que o procedimento deve ser indicado apenas em casos graves, e não como saída para redução de peso sem risco de vida.

Os dois tipos mais comuns de cirurgia bariátrica são o bypass gástrico e o sleeve gástrico. O primeiro utiliza grampos ou cortes para reduzir o estômago e alterar o intestino, ligando-o à parte funcional do estômago (criando um formato de "Y", por isso é chamado também de bypass "roux-en-Y"). A capacidade do estômago passa de cerca de 1,5 L para até 200 ml.

Já o sleeve ou anel gástrico consiste em colocar uma banda que reduz a boca do estômago, fazendo com que o conteúdo que pode passar seja reduzido. Nesta técnica, não há alteração no intestino. Há ainda técnicas como a gastrectomia vertical, que transforma o estômago em um tubo, e o duodenal switch, que também reduz parte do estômago, mas preserva sua anatomia e fisiologia básicas. Uma pequena porção do duodeno, que é a primeira porção do intestino delgado, também é preservada.

"É importante não gerar uma visão romântica da cirurgia, porque ela deve ser considerada como um recurso, mas não o único. Antes de pensar em tratamento, a prevenção é muito importante, e isso é multifatorial, envolve não só os hábitos de vida do paciente mas também a oferta de uma vida mais saudável nas cidades", diz Mancini.

Para Bandieri, a perda de mais de 30 kg em pouco menos de um ano é uma satisfação, mas não vê só a cirurgia como aliada. Ela compartilha conteúdos de recuperação, alimentação e estilo de vida em sua página nas redes sociais (@camilacruzband). "Hoje, me sinto bem de novo, mas quando as pessoas me dizem ‘como você está bonita, emagreceu’ eu respondo: é um processo, não é só emagrecimento, mas de autoestima", finaliza.

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