Descrição de chapéu drogas internet WhatsApp

Venda de anabolizantes na internet tem anúncio no Google, entrega nacional e brindes

Anvisa removeu mais de 174 mil anúncios de produtos vendidos irregularmente na internet desde 2021

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

As restrições sobre esteroides androgênicos anabolizantes (EAA) no Brasil datam do ano 2000. Desde então, a venda para uso humano só acontece com apresentação e retenção de receita médica. Em 2023, o CFM (Conselho Federal de Medicina) proibiu sua prescrição para fins estéticos. Mas a compra na internet não sofreu alterações.

Quem consome os produtos ilegalmente tem acesso a anúncios patrocinados no Google, grupos de compras nas redes sociais, brindes a partir de 100 caixas de anabolizantes, regatas com nome das farmacêuticas não registradas, entrega em estações de metrô e até entrega pelos Correios em todo o país.

Bodybuilder injeta vitaminas - Adobe Stock

"Rapaziada... sou da Mooca. Tô querendo pegar dura, deca ... 50cx [caixas] de cada. Se tiver, vem de DM [mensagem privada]", diz membro de um grupo no Facebook. "Dura" é Durateston e "deca" é Deca-Durabolin —os dois medicamentos EAA registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

A mensagem publicada em outubro teve 17 respostas. "Eu tenho, entrego em estações de São Paulo", respondeu um vendedor.

A Anvisa removeu mais de 174 mil anúncios de produtos que são vendidos de forma irregular na internet desde dezembro de 2021. Ao menos 5.000 destes eram de hormônios, substâncias que compõem os anabolizantes.

O comércio ilegal de esteroides —quando não há prescrição médica por motivos de saúde— pode caracterizar crime contra a saúde pública. A pena é de 10 a 15 anos de prisão e multa. Em 2021, porém, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou a pena desproporcional e estabeleceu duração de 1 a 3 anos.

Ainda assim, o grupo no Facebook reúne mais de mil pessoas e não é o único em que é possível comprar os produtos ilegalmente. No Telegram, os dois grupos mais populares somam quase 6.000 membros.

As comunidades são organizadas por moderadores que avisam antecipadamente quando vão sair de férias, pedem cuidado com "vendedores golpistas" e dão dicas aos usuários sobre qual medicamento usar.

"Comecei agora na academia, que drogas vcs [vocês] recomendam, peso 49 kg", pergunta um membro no Telegram.

Ao pesquisar por anabolizantes, portais online especializados na venda sem receita aparecem em anúncios patrocinados na primeira página do Google. Um deles, "Pharma Fit", tem espaço para que os clientes avaliem os produtos e a entrega. "Chegou tudo certo, agora é só focar nos treinos", diz uma compradora.

Outro anúncio oferece "deca e dura" com envio imediato. "Ciclos de oxandrolona, produtos 100% original, stano oral deca e dura disponível. Entregamos para todo Brasil, confira os feedbacks de clientes. Compre com desconto", diz conteúdo patrocinado no Google.

Três têm o mesmo nome de uma marca paraguaia, que tem o site oficial em espanhol. No Brasil, porém, vendedores irregulares adotam o nome com diferentes variações. Os portais encaminham para um número no Whatsapp —por onde a maioria das vendas acontecem.

Alguns portais oferecem envios em até 48 horas, seguro grátis e uma regata de brinde para compras acima de R$ 200.

O Google afirma, em nota, ter políticas robustas que restringem a forma como pessoas e empresas podem anunciar medicamentos ou serviços relacionados à saúde no Google Ads. Quando identificada uma violação, diz nota, anúncios são suspensos, e também é possível fazer denúncias.

Nos grupos em diferentes redes sociais, os membros também se organizam para conversas motivacionais no Whatsapp. Páginas no Facebook que publicam especialmente para o público que quer ficar "maromba" também incentivam o uso.

"Nossa página tem como objetivo trocar informações sobre treinos, dietas, suplementos, e muito mais" diz uma. Abaixo de cada publicação, tem uma mensagem com o "contato das paradinhas" no Whatsapp.

A Meta, responsável pelo Facebook e pelo Whatsapp, diz que proíbe a venda de drogas nas plataformas, sejam elas não medicinais ou medicamentos e removem os conteúdos assim que identificados. "Usamos uma combinação de denúncias da nossa comunidade, tecnologia e revisão humana para aplicar nossas políticas", afirma porta-voz em nota.

O grupo do Facebook analisado na matéria foi criado em junho deste ano e não havia sido removido até o momento de publicação desta matéria.

O Whatsapp, especificamente, informa que nos Termos de Serviço e na Política de Privacidade do aplicativo, não permite o uso do seu serviço para fins ilícitos ou que instigue ou encoraje condutas que sejam ilícitas ou inadequadas. Nos casos de violação destes termos, afirma o porta-voz, são tomadas medidas como desativar ou suspender as contas.

A Polícia Federal afirma que, de 2020 até o momento, foram realizadas oito operações para combater o comércio online de anabolizantes que resultaram em oito prisões em flagrante e na emissão de 47 mandados de busca e apreensão.

O total de apreensões de anabolizantes neste período ultrapassa 25 mil, segundo dados enviados para a reportagem — incluindo operações fora do comércio online. Destes, mais de 6 mil foram encontrados em encomendas dos Correios.

O médico Frederico Maia, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia (Sbem) e especialista em esporte, afirma que a facilidade é enorme para o comércio dos produtos na internet.

A compra desenfreada, segundo ele, é um problema principalmente pelo uso indiscriminado, sem administração correta de doses, e pela qualidade duvidosa dos produtos vendidos.

"São feitos em indústrias de fundo de quintal com nenhuma regulamentação e não temos nenhum conhecimento da qualidade do produto. Uma pesquisa realizada na Dinamarca diz que de 30 a 40% dos anabolizantes vendidos pela internet tinham alteração ou não tinham a dose que diziam ter", afirma Maia.

Quando um paciente chega com problemas devido ao uso irregular de anabolizantes, é feita uma redução de danos, diz o médico. "Se vem usando, vamos tentar orientar e fazer uma transição para um tratamento adequado. Se for uma pessoa que já usou várias vezes, talvez seja elegível para uma reposição hormonal."

"A maioria das pessoas não fala que usa. A gente recebe os que vêm buscar ajuda, mas o corpo total desses usuários a gente desconhece", afirma o endocrinologista.

O uso de anabolizantes é restrito à prescrição médica porque pode prejudicar a saúde de diversas formas. Algumas delas são risco de atrofia testicular, aumento das mamas no homem, aumento da próstata, risco de queda de cabelo, acne, risco cardíaco com maior chance de infarto e AVC, arritmia, morte súbita, doença hepática, além do risco de dependência e uso de outras drogas associadas.

Nos grupos acompanhados pela Folha, não há comentários sobre os perigos do uso. No máximo, falam sobre efeitos colaterais. "É normal dor de ouvido com uso de Oxondrolona?", pergunta um membro. O vendedor responde que nunca recebeu relatos dos clientes.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.