A Covid voltou nos EUA, mas cientistas veem perigo menor

Na semana encerrada em 23 de dezembro, as internações aumentaram quase 17% em relação à semana anterior; doença ainda mata 1.200 por semana no país

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Apoorva Mandavilli
The New York Times

As férias no hemisfério norte já passaram e, mais uma vez, os norte-americanos enfrentam uma onda de doenças respiratórias, incluindo a Covid-19. Mas até agora o aumento da doença neste inverno parece menos mortal do que no ano passado, e muito menor do que em 2022, quando o surto da variante ômicron paralisou o país.

"Não estamos vendo sinais que me façam pensar que estamos caminhando para outra onda severa", disse Caitlin Rivers, epidemiologista do Centro Johns Hopkins para Segurança Sanitária. "Até agora, estamos relativamente em boa forma."

Ainda assim, há poucas máscaras à vista, e apenas uma fração das pessoas mais vulneráveis recebeu as últimas vacinas contra Covid, observou ela.

"Não é tarde demais", acrescentou Rivers. "Ainda não atingimos o pico da Covid e, quando se atinge o pico, ainda é preciso descer do outro lado." Isso deixa bastante tempo para que a vacina forneça certa proteção.

Adam é um homem branco e levanta a manga da camiseta preta para ser vacinado pela médica Michelle Chester, uma mulher negra
Adam Berman, vice-presidente de medicina de emergência do Long Island Jewish Medical Center, que foi um dos primeiros americanos a receber a vacina da Covid-19, é imunizado com a vacina atualizada - Brendan McDermid - 13.set.2023/Reuters

As autoridades federais dependem de dados limitados para medir a propagação deste ano. Após o fim da emergência de saúde pública, em maio, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC na sigla em inglês) pararam de monitorar o número de infecções por Covid. A agência tem agora apenas acesso parcial às informações dos estados sobre os índices de vacinação.

Mas as tendências nos dados de águas residuais, testes positivos, visitas aos serviços de emergência, taxas de internação e mortes apontam aumento das infecções em todas as regiões dos Estados Unidos, de acordo com o CDC. Estes padrões levaram muitos hospitais a restabelecer o uso de máscaras, depois de inicialmente resistirem a um regresso a elas neste outono.

Assim como nos anos anteriores, os números vêm aumentando constantemente durante o inverno e espera-se que cresçam ainda mais após as viagens e confraternizações de férias. Muitas infecções são causadas por uma nova variante, a JN.1, que se espalhou rapidamente pelo mundo nas últimas semanas.

"Acho que não há dúvida de que está ajudando a impulsionar, de forma bastante substancial, esta onda de inverno", disse Katelyn Jetelina, especialista em saúde pública e autora de um boletim informativo amplamente lido, "Your Local Epidemiologist". "Infelizmente, isso está chegando ao mesmo tempo em que ampliamos nossos contatos sociais devido aos feriados", disse ela, "então há uma espécie de tempestade perfeita acontecendo".

Alguns cientistas apontaram os níveis crescentes do vírus em amostras de esgoto como um indicador de que as infecções estão pelo menos tão altas neste ano quanto nesta época do ano passado. Mas Rivers pediu cautela na interpretação dos dados de águas residuais como um indicador de infecções e disse que as hospitalizações são uma métrica mais confiável.

Na semana encerrada em 23 de dezembro, as internações aumentaram quase 17% em relação à semana anterior. Houve cerca de 29 mil novas internações hospitalares, em comparação com 39 mil na mesma semana do ano passado e 61 mil em 2021. E as hospitalizações semanais estão aumentando mais lentamente do que nos anos anteriores, disse Rivers.

A Covid ainda está ceifando pelo menos 1.200 vidas por semana. Mas esse número é cerca de um terço do número de vítimas registrado no ano passado e um oitavo do registrado em 2021.

"Temos neste momento um grande aumento de infecções, mas o que é realmente interessante é como as hospitalizações se dissociaram e continuam a se dissociar das infecções", disse Jetelina.

Ela disse que se preocupa mais com o fato de os hospitais cederem sob o peso de diversas epidemias ao mesmo tempo. Mesmo nos anos anteriores à pandemia, surtos apenas de gripe e vírus sincicial respiratório podiam sobrecarregar os hospitais; as taxas crescentes de Covid agora se sobrepõem às duas doenças, aumentando o fardo.

A variante JN.1 é responsável por quase metade de todos os casos de Covid nos Estados Unidos, quase seis vezes a prevalência de apenas um mês atrás. A variante tem uma mutação que lhe confere uma maior capacidade de contornar a imunidade do que sua progenitora, BA.2.86, cuja propagação foi limitada.

A JN.1 pode, de fato, ser menos transmissível do que as variantes anteriores. Mas sua evasão imunológica, juntamente com o desaparecimento de medidas preventivas, incluindo máscaras, pode explicar seu crescimento exponencial em todo o mundo, disse o doutor Abraar Karan, médico de doenças infecciosas e pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Stanford.

Ainda assim, a JN.1 não parece causar doenças mais graves do que as variantes anteriores, e as vacinas, testes e tratamentos atuais funcionam bem contra todas as variantes atuais.

Os especialistas instaram todos os americanos —incluindo os que não correm alto risco de doença grave— a optarem por vacinas contra a Covid e a gripe, a usarem máscaras e purificadores de ar para prevenir infecções, a serem testados e tratados e a ficarem em casa se adoecerem.

Mesmo aqueles que não ficam gravemente doentes correm o risco de complicações em longo prazo a cada nova infecção viral, observaram os pesquisadores.

"Para ser honesto, não corro alto risco –sou jovem e estou vacinado", disse Rivers. "Mas continuo tomando precauções na minha vida pessoal porque não quero lidar com essa perturbação e com o risco de desenvolver uma doença de longo prazo."

Mas poucos americanos estão seguindo esse conselho. Em 23 de dezembro, apenas 19% dos adultos tinham recebido a última vacina contra a Covid e cerca de 44% tinham optado pela vacina anual contra a gripe. Pouco mais de 17% dos adultos com 60 anos ou mais receberam a vacina contra o VSR.

Mesmo entre aqueles com 75 anos ou mais, que correm maior risco de contrair Covid, apenas cerca de um em cada três recebeu a última dose, de acordo com o CDC.

Muitas pessoas não percebem que estão disponíveis vacinas que protegem contra as variantes mais recentes, ou que devem ser vacinadas mesmo que não corram alto risco, disse Gigi Gronvall, especialista em biossegurança do Centro de Segurança Sanitária Johns Hopkins.

Mesmo que a vacina contra a Covid não previna a infecção, pode encurtar a duração e a gravidade da doença e minimizar o risco de sintomas em longo prazo, como confusão mental, fadiga, problemas de movimentação e tonturas –conhecidos coletivamente como Covid longa.

"Tenho certeza de que também há muitas pessoas que são ativamente contra a ideia, mas a maioria das pessoas que encontro simplesmente nem sabem disso", disse Gronvall.

A baixa disponibilidade de vacinas, especialmente para crianças e adultos mais velhos, também limitou as taxas de vacinação.

Gronvall lutou para encontrar uma vacina de Covid para seu filho adolescente. Jetelina ainda não encontrou nenhuma para seus filhos pequenos. Ela disse que seus avós, ambos com mais de 90 anos, também passaram por "momentos incrivelmente desafiadores".

Um deles está numa casa de repouso e ainda não foi imunizado porque estava doente no dia em que as vacinas foram aplicadas.

Muitos residentes e funcionários de lares de idosos permanecem não vacinados porque os funcionários não compreendem os benefícios, disse Karan, que trabalhou em centros de enfermagem no condado de Los Angeles.

Os incentivos financeiros podem melhorar a cobertura vacinal, mas a falta de consciência sobre os benefícios "é um grande problema", disse ele.

Os especialistas também recomendam às pessoas que desenvolverem sintomas que façam um teste e peçam medicamentos antivirais —Tamiflu para gripe, Paxlovid para Covid—, especialmente se apresentarem alto risco de complicações.

O Paxlovid ainda está disponível gratuitamente para a maioria das pessoas, mas muitos pacientes e até médicos o evitam por acreditarem –erroneamente– que causa o reaparecimento dos sintomas de Covid, disseram especialistas. Estudos recentes não encontraram relação entre medicamentos antivirais e reaparecimento dos sintomas.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.