Descrição de chapéu Eleições no Reino Unido

Reino Unido vai às urnas com Partido Conservador em ruínas e brexit inominável

Dúvidas sobre resultados de votação desta quinta (4) se referem apenas ao tamanho da derrota da sigla no poder

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Vandson Lima
Londres

Ao melhor estilo do humor britânico, a plataforma de streaming falsa "Conflix" (uma paródia, claro, da Netflix) anuncia uma série de cinco episódios chamada "Chaos & Decline’"(caos e declínio). Cada episódio é dedicado a um dos cinco primeiros-ministros conservadores que estiveram no poder do Reino Unido nos últimos 14 anos. Na mesma página, lê-se: "Pare o caos: doe £10,99 [cerca de R$ 78] para evitar outra temporada".

"Pare o caos" é o slogan da campanha do líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer, favorito para acabar com o recente domínio do Partido Conservador nas eleições gerais que ocorrem no Reino Unido nesta quinta-feira (4).

Keir Starmer é um homem branco de cabelos grisalhos e óculos, vestindo um blazer e camisa social azul. Ele está sorrindo ao cumprimentar apoiadores do partido, que estão vestidos de vermelho e carregam bandeiras do Reino Unido.
O líder do partido trabalhista, Keir Starmer, participa de um evento de campanha em Redditch, no Reino Unido - Phil Noble - 3.jul.24/Reuters

A plataforma fake traz ainda outros "fracassos de público" como "Recession" (paródia de "Succession"). Ao clicar para assistir, surge a mensagem "ninguém realmente quer esse conteúdo" e o link para ler o plano de governo dos trabalhistas.

É o que de mais ousado existe na campanha do ex-socialista Starmer, marcada pela absoluta cautela de quem sabe que a eleição está quase ganha diante do enorme desgaste dos rivais no poder.

Milionários que eram grandes doadores conservadores migraram para os trabalhistas; o músico Elton John, em vídeo ao lado de seu marido, David Furnish, foi uma entre várias celebridades que declararam apoio; e até os jornais Sunday Times e The Sun, de propriedade de Rupert Murdoch e com longo histórico de apoio aos conservadores, agora estão do outro lado. Antes, Daily Mirror, Guardian e Independent já haviam anunciado apoio a Starmer.

"É uma campanha essencialmente defensiva, tentando não ceder nenhum terreno. Isso explica a posição pouco incisiva em temas como brexit e imigração", diz à Folha o professor de política Liam Stanley, da Universidade de Sheffield.

A saída do Reino Unido da União Europeia, aprovada em 2016, drenou a maior parte dos esforços dos governos do premiê anterior, Boris Johnson, e do atual, Rishi Sunak, com resultados desastrosos para a economia britânica.

Apesar disso, o brexit não foi um assunto nesta eleição. "O brexit é como Voldemort, o bruxo malvado da série Harry Potter: ambos são horríveis e não devemos dizer seu nome", afirma Patrick Dunleavy, professor emérito de ciência política da London School of Economics (LSE).

As principais promessas de conservadores e trabalhistas

Eleição acontece nesta quinta-feira (4); pesquisas apontam vitória da oposição

  • Saúde

    Sunak propõe aumentar os gastos do NHS acima da inflação a cada ano, com entrega de 40 novos hospitais até 2030, enquanto Starmer quer reduzir a espera no NHS com mais 40 mil consultas noturnas e aos fins de semana

  • Ambiente

    Sunak é a favor de uma política pragmática de ambiente, diminuindo taxas verdes em contas domésticas e submetendo novas metas ao Parlamento. Já Starmer promete tornar o Reino Unido uma superpotência de energia limpa, com a criação da estatal Great British Energy

  • Educação

    Sunak quer a volta do serviço militar obrigatório a jovens, passando um ano no Exército ou fazendo trabalho voluntário nos fins de semana, e Starmer fala em contratar 6.500 novos professores, que serão pagos com o fim das isenções fiscais para escolas particulares

  • Segurança

    Sunak promete quatro novas prisões até 2030, criando 20 mil vagas adicionais nas penitenciárias, enquanto Starmer é a favor de policiamento de rua e regras para impedir vendas online de armas brancas, visando conter os crimes com faca nas ruas

  • Migração

    Sunak defende fazer funcionar a lei para enviar imigrantes em situação irregular para Ruanda e impor limite anual para a imigração. Starmer quer remover a Lei de Ruanda, criar uma nova unidade policial transfronteiriça e colocar mais mil assistentes sociais para reduzir atraso em solicitações de asilo

Na campanha, Starmer disse apenas que reabrir o debate sobre o brexit traria turbulência. As pesquisas de opinião indicam que 60% dos britânicos poderiam ser a favor da reintegração à UE, e 38% seriam contrários —uma maioria ainda considerada pouco convincente para revisitar o assunto.

Diante da derrota aparentemente inevitável, Sunak passou a dedicar mais tempo de sua campanha a alertar sobre os perigos de uma supermaioria dos trabalhistas no Parlamento, o que os tornaria irresponsáveis, em sua visão —o premiê tentou negar que já tivesse desistido da disputa, ainda que outros nomes conservadores já estejam de olho em substituí-lo na liderança do partido.

O Partido Trabalhista tem feito o prognóstico de obter até 350 das 650 cadeiras da Câmara dos Comuns, o que lhes daria uma margem confortável para controlar a Casa. Mas, como o voto não é obrigatório, um dos pontos de atenção é o comparecimento às urnas. Em eleições anteriores, uma tendência verificada foi a de que o apoio aos trabalhistas parecia maior nas pesquisas e não se concretizava no dia da votação.

Um exemplo são os jovens, fortemente contra o atual governo —os conservadores têm menos de 10% de apoio entre aqueles de 18 a 24 anos. Mas esse é também um dos grupos de menor comparecimento às urnas. "Se você quer a mudança, você tem que votar para isso", insistiu Starmer nos últimos dias de campanha.

Assim, a questão, segundo analistas, será o tamanho da vitória trabalhista. Algumas das pesquisas sugerem até uma maioria recorde, que excederia a histórica eleição trabalhista de 1997, com Tony Blair, quando os trabalhistas obtiveram 418 cadeiras.

Starmer adaptou seu discurso ao centro para alcançar eleitores indecisos e tem feito promessas pouco ou nada polêmicas, como regras fiscais mais rígidas, melhora na saúde e segurança pública e a criação de uma estatal para energia limpa.

O sistema de votação do Reino Unido é distrital —assim, o território é dividido em 650 distritos, cada um escolhendo um parlamentar. Starmer representa o distrito de Holborn & St Pancras, enquanto Sunak, o de Richmond. É possível que o líder de um partido não se eleja em seu distrito e ainda assim se torne primeiro-ministro, mas isso nunca aconteceu.

Atrás de trabalhistas e conservadores e à frente dos liberais-democratas está o ultradireitista Reform UK, do falastrão Nigel Farage, com uma agenda radical anti-imigração e que tem crescido nas pesquisas, chegando a 16,1% das intenções, ante 20,5% dos conservadores.

No entanto, devido ao modelo eleitoral, que não leva em conta o total de votos na divisão de cadeiras, é improvável que Farage consiga um número expressivo de assentos.

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