Time da NFL usava cheerleaders em sessões de fotos e festas privadas

Dançarinas do Washington Redskins afirmam que foram exploradas na Costa Rica

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Juliet Macur
Nova York | The New York Times

Quando o Washington Redskins enviou sua equipe de cheerleaders em uma visita à Costa Rica em 2013, para sessões de fotos destinadas a um calendário, a primeira causa de preocupação para as animadoras de torcida foi que dirigentes do clube de futebol americano recolheram seus passaportes assim que o grupo chegou ao resort, privando-as de seus documentos oficiais.

Para a sessão de fotos, no Occidental Grand Papagayo, em Culebra Bay, um resort só para adultos, algumas das cheerleaders disseram ter sido forçadas a posar topless, ainda que as fotos usadas no calendário não mostrassem nudez. Outras posaram nuas, com os corpos pintados. Dada a localização isolada do resort, poses reveladoras como essas provavelmente não teriam sido causa de preocupação para as modelos - mas o Redskins levou espectadores,

Um contingente de patrocinadores e de detentores de camarotes no FedExField, o estádio do clube, todos homens, teve acesso direto às sessões fotográficas.

Certa noite, ao final de 14 horas de trabalho que incluíram poses e treinos de dança, a diretora da equipe de cheerleaders disse a nove das 36 animadoras de torcida que elas ainda tinham trabalho a fazer, uma missão especial para aquela noite. Alguns dos patrocinadores as haviam escolhido para acompanhá-los a uma casa noturna.

"Voltem aos seus quartos e se arrumem", disse a diretora. Diversas das cheerleaders começaram a chorar. "Ninguém apontou um revólver contra nós, mas o trabalho era obrigatório", disse uma das cheerleaders.

"Não nos convidaram a ir: ordenaram que fôssemos. Outras das meninas ficaram arrasadas, porque sabíamos exatamente o que ela [a diretora] estava fazendo".

A participação na noitada não envolvia sexo, disseram as cheerleaders, mas a sensação para elas era a de que estavam trabalhando para um cafetão. O que as incomodou foi que a diretora da equipe tivesse exigido que elas fossem vestidas como símbolos sexuais, para satisfazer patrocinadores homens, o que não viam como parte de seu trabalho.

A viagem de uma semana do Redskins à Costa Rica em 2013 - pela qual as cheerleaders não receberam pagamento exceto os custos de transporte, refeições e alojamento, elas disseram - oferece uma ilustração vívida da maneira pela qual os times da NFL empregam as cheerleaders, como muito mais do que dançarinas para animar a torcida na beira do gramado, durante os jogos. O tratamento que elas recebem atraiu imensa atenção nas últimas semanas, desde que duas ex-cheerleaders apresentaram queixas por discriminação e descreveram um ambiente de trabalho hostil no qual muitas vezes eram usadas como objetos sexuais para divertir os torcedores homens, em situações que nada tinham a ver com os jogos.

Entrevistas com dezenas de atuais e antigas cheerleaders da NFL revelaram uma perspectiva comum: elas gostavam de dançar nos jogos, de desenvolver amizades com outras cheerleaders e de participar de trabalhos assistenciais, como visitas a hospitais e viagens ao exterior para entreter militares. Mas ficavam incomodadas com algumas das exigências extracurriculares, que as colocavam em situações que consideravam como pouco seguras.

O relato sobre as sessões fotográficas do Redskins no Occidental Grand Papagayo se baseia em entrevistas com cinco cheerleaders participantes, e muitos detalhes foram corroborados por pessoas que ouviram descrições sobre a viagem na época em que aconteceu. As cheerleaders falaram sob a condição de que seus nomes não fossem mencionados, porque assinaram contratos de confidencialidade ao serem empregadas pelo clube.

"Simplesmente não é certo enviar cheerleaders a encontros  com homens desconhecidos, especialmente quando algumas delas claramente não querem ir", disse uma das cheerleaders participantes. "Mas infelizmente sinto que isso não vai mudar até que algo de terrível aconteça, ou seja, uma menina seja agredida de alguma maneira, ou estuprada. Creio que os clubes só vão começar a prestar atenção nisso quando for tarde demais".

Dançarinas do Washington Redskins
As dançarinas do Washington Redskins durante apresentação na partida contra o Cincinnati Bengals, pela temporada 2017/2018 da NFL - Patrick Smith - 27.ago.2017/Getty Images/AFP

Stephanie Jojokian, há muito tempo diretora e coreógrafa da equipe de cheerleaders do Redskins, contestou boa parte da descrição que as mulheres fizeram sobre o acontecido na viagem à Costa Rica. Ela negou veementemente que a visita à casa noturna tenha sido obrigatória e disse que as cheerleaders que participaram não foram escolhidas pelos patrocinadores.

"Não forcei pessoa alguma a ir, de jeito nenhum", disse Jojokian. "Sou a mamãe ursa e realmente cuido de todo mundo, não só das cheerleaders. É uma grande família. Respeitamos uns aos outros, e às nossas funções. O ambiente é muito positivo para essas damas".

O Redskins afirmou em comunicado que "o programa de cheerleaders do Redskins é um dos melhores da NFL em termos de participação, profissionalismo e serviço à comunidade, O trabalho que nossas cheerleaders fazem em nossa comunidade, visitando soldados no exterior, e apoiando nossa equipe em campo, é algo que traz grande orgulho à organização do Redskins e aos nossos torcedores".

"Descreva seu encontro perfeito"

Depois que Daniel Snyder comprou o Redskins, em 1999, o programa de cheerleaders passou por uma reformulação. Ele decidiu que o clube mesmo o administraria - antes, era terceirizado -, e o estilo das coreografias se tornou cada vez mais ousado.

Snyder "está cada vez mais transformando o trabalho das animadoras de torcida em um palco de strip-tease, a cada temporada", afirmava uma coluna do jornal Washington City Paper, mencionando um anúncio veiculado na rádio esportiva WTEM-AM, de Snyder, em 2009. No comercial, vozes masculinas ofegantes descrevem um concurso para ouvintes cujos "cinco felizardos vencedores" teriam seus carros lavados por cheerleaders do Redskins. Uma das vozes pergunta se o interlocutor gostaria de ser "lavado e ensaboado" por uma cheerleader.

Uma seção interativa para torcedores, em um site do Redskins, permitia que os visitantes jogassem uma versão do jogo "gostosa ou não", clicando para escolher sua preferida entre as fotos de duas cheerleaders. Em entrevistas gravadas para o site do clube alguns anos atrás, as cheerleaders foram convidadas a "descrever seu encontro perfeito" e "qual é a primeira coisa em que você repara em um homem" (Depois que este artigo foi publicado, o jogo do "gostosa ou não" foi removido do site do time.)

Muitas cheerleaders do Redskins compreendem a abordagem do clube - sexo vende - e continuam a torcer entusiasticamente pelo time. Mas dizem que se sentiam incomodadas quando sua segurança não era tratada com seriedade. A NFL não tem normas universais de segurança, e as cheerleaders não têm um sindicato que as proteja.

Diversas cheerleaders do Redskins disseram que Jojokian parecia especialmente determinada a preservar as relações entre o clube e empresários, que apoiavam o Redskins e sua companhia de dança, uma organização sem fins lucrativos chamada Capitol Movement.

"Havia muita pressão da parte da diretora para que vivêssemos em atmosfera de festa com os patrocinadores, porque sabíamos que era assim que ela escolhia as cheerleaders favorecidas", disse uma das cheerleaders sobre Jojokian. Segundo uma reportagem da WJLA-TV, uma estação de televisão de Washington, Jojokian disse a mulheres que estavam participando de uma seleção para a equipe, em 20121 que "não cobrissem demais a área do peito. Isso nos leva a presumir que vocês têm algo a esconder".

Em entrevista na terça-feira, Jojokian ficou com a voz embargada ao refletir que algumas das cheerleaders talvez não a vissem como um apoio."Isso parte meu coração, porque sou mãe e trabalho com isso há muito tempo", ela disse. "De onde vem essa atitude? Eu jamais colocaria uma mulher em uma situação assim, Na verdade, as oriento para que sejam fortes e se posicionem, e ouvir o contrário me faz muito mal".

O Redskins, que informou que apenas seis patrocinadores, entre os quais dois casais, participaram da viagem à Costa Rica, autorizou entrevistas com duas cheerleaders que eram capitãs da equipe em 2013.

Um modelo recente de contrato do Redskins com suas cheerleaders estipula que o trabalho extracampo que elas farão consiste de "eventos comunitários e de caridade, acampamentos de jovens etc." Não há menção a entreter homens que apoiam o clube financeiramente, e esse tipo de ocasião costuma representar um sinal de alerta para muitas cheerleaders.

Em 2012, Jojokian, antiga diretora e coreógrafa da equipe de cheerleaders do Washington Wizards, da NBA, anunciou uma viagem de barco obrigatória, para promover o espírito de equipe entre as cheerleaders do Redskins. Em um píer de Georgetown, cidade vizinha a Washington, que seria usado para o embarque das cheerleaders, elas descobriram que não fariam um passeio em um barco turístico, como imaginavam, mas sim em um iate no qual já havia diversos homens embarcados, entre os quais um rosto conhecido, William Teel Jr.Teel, 52, um empresário local cujas conexões com o time eram fortes, foi dono de um camarote no estádio do Redskins por muito tempo. Em 2009, ele emprestou US$ 125 mil a Carlos Rogers, um jogador da linha defensiva do Redskins, e depois o processou para obter pagamento.

Ele também tinha um relacionamento estreito com o programa de cheerleaders. Por cerca de uma década, uma das empresas de Teel, a Energy Enterprise Solutions and 1 Source Consulting, patrocinou as cheerleaders e, por alguns anos, a companhia de dança de Jojokian, Capitol Movement. Veterano do exército, ele declarava que seu motivo para patrocinar as cheerleaders era as muitas viagens que elas faziam para entreter soldados americanos estacionados fora do país.

Como patrocinador, ele ajudava a julgar os testes de candidatas a cheerleader, e ocasionalmente era convidado a comprar pacotes que permitiam que assistisse a sessões fotográficas. Teel também pagava ingressos para que as cheerleaders do Redskins fossem ao Super Bowl.Jojokian disse que Teel sempre lidava "por conta própria" com as cheerleaders para as viagens ao Super Bowl, e que essas viagens não eram responsabilidade do Redskins. Já Teel afirma que sempre trabalhou por intermédio de Jojokian para determinar que cheerleaders participariam das viagens, e sempre providenciou seguranças para elas.

Jojokian disse que ela tampouco esperava ver homens desconhecidos no barco de Teel, naquele dia. "Não senti que aquilo estivesse promovendo o espírito de equipe de que precisaríamos para toda a temporada", ela disse.

Cinco cheerleaders descreveram o passeio de barco como um momento louco, com homens despejando bebidas nas bocas das cheerleaders, usando grandes seringas. Nos conveses inferiores, os homens distribuíam prêmios em dinheiro pelas melhores danças sensuais. Nenhuma cheerleader afirmou ter sido tocada indevidamente, e as duas capitãs da equipe disseram que o passeio foi agradável.Uma delas acrescentou que "todos os participantes eram adultos e tiraram da experiência o que esperavam tirar".

Alguns anos mais tarde, uma cheerleader foi instruída sobre o que esperar em um evento anual. "Fui avisada de que iríamos ao iate de um cara, e que ele tinha muito dinheiro - e que eu poderia ganhar muito dinheiro, se quisesse", em referência aos prêmios em dinheiro pelos concursos de dança. "Mas aquilo não era para mim, e muitas de nós sentíamos a mesma coisa. Mas estávamos assustadas demais e não nos queixamos. Sentíamos que nosso lugar na equipe seria comprometido se reclamássemos".

Teel, cujo nome continua pintado em duas vagas bem localizadas de estacionamento no FedExField, ainda que ele já não tenha um camarote no estádio, insistiu em que nada de inapropriado havia acontecido em seu barco, e que sempre tratou as cheerleaders com respeito."Tenho cinco irmãs", ele disse, acrescentando que nas festas em seu barco "não permitíamos que pessoa alguma fosse desrespeitada".

Ele acrescentou que o Redskins havia pedido para usar seu iate no evento de cheerleaders em 2012.

"Não era só álcool, foi um evento com comida, tudo bancado por mim, aliás, em agradecimento pelo trabalho que elas fazem", ele disse. "As pessoas que quiseram descer, desceram. As que quiseram ficar, ficaram. Não creio que qualquer pessoa tenha sido pressionada por dirigentes a participar de eventos ou ser boazinha com os patrocinadores. O encontro para desenvolver espírito de equipe era só para isso mesmo. Havia pessoas dançando? Claro. Mas não sei de nenhum concurso com prêmio em dinheiro".

"Como uma barricada humana"

Para a viagem à Costa Rica, as cheerleaders tinham um  código de vestimenta: tops brancos, saias cáqui e saltos altos. Chapéus de praia eram permitidos, mas sapatos baixos não.

As malas continham maiôs, que elas tiveram de comprar para as sessões de fotos, e comida. Distúrbios de alimentação eram comuns na equipe, disseram diversas cheerleaders. Muitos dos times da NFL, se não todos eles, têm limites de peso para as cheerleaders estipulados em seus contratos, e proíbem que elas ganhem mais que alguns quilos de peso. O Occidental Grand Papagayo é um resort de pensão completa, mas as cheerleaders não se sentiam livres para comer nos bufês. Além disso, era comum que estivessem ocupadas demais para fazer uma refeição decent.

Elas contaram que seus quartos de hotel se transformaram em mercados, com pilhas de barras de proteína e cereais, manteiga de amendoim e latas de atum.

Durante as sessões fotográficas, elas estavam ansiosamente conscientes de que os patrocinadores e outros hóspedes estavam assistindo.

"Na sessão de uma amiga, nos posicionamos em volta dela como uma barricada humana, porque ela estava basicamente nua, e assim impedimos que os caras a vissem", disse uma das cheerleaders. "Eu estava zangada porque via os caras que estavam conosco na viagem manobrando para nos ver, por trás do pano de fundo".

As nove cheerleaders selecionadas para acompanhar os patrocinadores a uma casa noturna foram transportadas por uma van do hotel, sem a companhia de dirigentes do Redskins. Quando chegaram ao clube, tudo estava escuro e a casa estava meio vazia, diversas delas disseram. Mas os homens que as solicitaram estavam lá.

As cheerleaders disseram que outra causa de incômodo era a presença de dirigentes do Redskins. Jojokian estava ausente, mas Lon Rosenberg, vice-presidente sênior de operações do clube, e Dennis Greene, presidente de operações de negócios, estavam lá. Uma ex-cheerleader do Redskins que trabalhava como assistente de campo durante os jogos do time estava encorajando as mulheres a beber e flertar, disseram as cheerleaders.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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