Descrição de chapéu Copa do Mundo

Turista da Copa 'invade' restaurante por clássica versão de estrogonofe

Receita russa, diferente da versão brasileira, é atração entre torcedores

Carlos Maranhão
Moscou

Há 45 anos, em junho de 1973, uma ruidosa caravana brasileira invadiu a capital soviética. Eram os 109 jornalistas esportivos que cobriam as nove partidas amistosas que a seleção tricampeã mundial jogou no norte da África e na Europa. Entre eles, estava este repórter em início de carreira.

Na época, só se entrava na URSS com um pacote de viagem fechado. Assim, quase todos nós ficamos hospedados no descomunal Hotel Rossiya, ao lado da Praça Vermelha. Tinha 3.445 quartos e era o segundo maior do planeta (só perdia para um de Las Vegas).

Estrogonofe procurado por turistas no Cafe Pushkin, em Moscou
Estrogonofe procurado por turistas no Café Pushkin, em Moscou - Divulgação

Com a estrutura abalada por um incêndio e já decadente, o mastodonte que mais parecia um gigantesco conjunto habitacional seria demolido em 2007.

Fazíamos nossas refeições no próprio hotel, em um salão fechado para o grupo. No primeiro jantar, como seria previsível, foi servida a receita mais famosa da cozinha russa: o estrogonofe. Muitos torceram o nariz. O prato, na aparência e no sabor, mal lembrava aquele onipresente no Brasil em festas de casamento e jantares de aniversário.

Mal deu uma garfada, Geraldo José de Almeida, narrador da Rede Globo --o Galvão Bueno da Copa do Mundo de 1970, que na hora do gol soltava o bordão "olha lá, olha lá, olha lá, no placar..."--, fez cara feia e anunciou com vozeirão: "Pessoal, esses russos não sabem fazer um estrogonofe como o nosso!"

Vários representantes do que se chamava de imprensa escrita, falada e televisada concordaram. De certa forma, tinham razão. O estrogonofe original não era --e não é-- igual ao que nos habituamos a comer. Hoje popularizado nos restaurantes por quilo, deixou de ser visto como uma iguaria chique que, décadas atrás, era tratado de "picadinho metido a besta".

Justamente aí começam as diferenças. O corte correto da carne é em lascas, não em cubinhos. "Lascas do tamanho dos dedinhos de uma criança", especifica o jornalista e gastrônomo Silvio Lancellotti em seu livro "Cozinha Clássica".

Ele relaciona os ingredientes indispensáveis no preparo: páprica picante, duas colheres de conhaque, molho inglês, mostarda forte, molho rôti (do cozimento da carne), cogumelos frescos, pepinos em conserva, creme de leite azedo e, claro, filé mignon.

Na Rússia, não existe estrogonofe de frango ou camarão. Muito menos com ketchup. Nem acompanhamento de arroz e batata palha. Guarnições variam, em geral incluem batata (em purê ou cozida e cortada em nacos), picles de pepino e, às vezes, tomates cereja levemente assados.

Há tantas versões da receita quanto de sua origem. A "Larousse Gastronomique", uma das bíblias da culinária, atribui a invenção ao chef francês Charles Briere, que trabalhou em São Petersburgo para a rica família Stroganov no final do século 19. Embora seja a autoria mais aceita, existem outras.

Entre elas, a de certa condessa portuguesa casada com um nobre russo, também Stroganov, que tinha poucos dentes. Por isso, ela pediu que seu cozinheiro lhe preparasse uma comida fina que não exigisse grande esforço na mastigação.

Depois de provar versão ruinzinha e pesada no hotel Holiday Inn, envolta em massa folhada, resolvi experimentar o estrogonofe mais conhecido de Moscou: o do Café Pushkin, citado por praticamente todos os guias da cidade.

Nestes dias de Copa, o restaurante, que em tempos normais já é uma atração turística, vem sendo invadido por bandos de torcedores, em especial latino-americanos uniformizados que falam alto, e chinesas com bolsas Louis Vuitton que passam mais tempo fotografando o que chega à mesa do que comendo.

Aberto em 1999 com o nome do primeiro grande poeta russo, o Pushkin tem dois ambientes criados como cenário: a farmácia e a biblioteca, esta com altas estantes recheadas de velhos livros encadernados que parecem ter sido comprados a metro. Tudo meio artificial, a começar pelos relógios com pêndulo que não funcionam (o maior deles, na biblioteca, ficou parado nas 9 horas).

A origem da casa é curiosa. Em 1964, o cantor francês Gilbert Bécaud lançou um de seus maiores sucessos, a canção "Nathalie", em que fala de uma bonita jovem que lhe serviu de guia de viagem e o levou, depois da visita ao túmulo de Lênin, para beber um chocolate no Café Pushkin.

Muitos estrangeiros em visita a Moscou, sobretudo franceses, tentaram por anos a fio conhecer o tal café --e descobriram que o lugar simplesmente não existia, salvo na licença poética da música, até que, há 19 anos, foi aberto um estabelecimento com esse nome no bulevar Tverskoy. Bécaud cantou na inauguração, dois anos antes de morrer.

Desde então, o restaurante oferece uma comida de qualidade, bem apresentada em porcelanas alemãs. Garçons com colete bordô, avental branco e foulard verde dão rápidas explicações em inglês sobre os pratos.

O estrogonofe vem em uma travessa redonda com três divisões. Na maior, fica a carne mergulhada no tradicional molho, junto de fatias laminadas de cogumelos frescos; nas outras duas, amontoam-se o picles de pepino e as batatas. Custa 1.690 rublos (cerca de R$ 105), preço razoável em uma cidade cara como Moscou.

Estava bom. Muito melhor do que aquele do Hotel Rossiya, engordurado e enjoativo, segundo o que guardei na memória. O velho Geraldo José de Almeida não estava totalmente enganado.

Onde comer o prato (brasileiro) em SP

Para dois
A tradicional rede Camelo é conhecida pelas pizzas de massa fina, mas tem bem-servido estrogonofe acompanhado de arroz e batata palha, por R$ 120.
São cinco unidades, uma delas na avenida Presidente Juscelino Kubitschek, 151, Vila Nova Conceição.

Almoço e jantar
Ici Brasserie, descontraída casa de sotaque francês, serve sua versão da receita por R$ 46. Há boas cervejas para acompanhar o prato.
São quatro unidades, uma delas na rua Bela Cintra, 2.203, Consolação.

Gostinho caseiro
Esse picadinho com cogumelos frescos é um dos sucessos do Lá da Venda. Vem com arroz e batata frita, por R$ 45 (sábados e domingos). Durante a semana, R$ 48 com entrada e sobremesa.
Rua Harmonia, 161, Vila Madalena

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.