Assistentes sociais superam preconceito para atuar em times de futebol

Apenas 42 clubes brasileiros possuem pelo menos um profissional no quadro de funcionários

Alex Sabino
São Paulo

Durval chegou ao Santos no início de 2010 para formar com Edu Dracena dupla de zaga que seria campeã paulista, da Copa do Brasil e da Copa Libertadores.

Poderia não ter sido assim. A família não se adaptou à cidade. A filha do jogador estava acostumada a almoçar todos os dias na casa da avó, no Recife. A mulher não conhecia ninguém na cidade. Durval pensou em ir embora antes mesmo de estrear.

“A menina se recusava a comer. Fomos ver qual a situação da família. Fizemos plano de saúde para todos porque o clube só oferecia o benefício para o jogador. O médico viu que a menina havia perdido muito peso. Depois fomos organizando a vida da mãe. Levamos ao dentista, mostramos onde estava o shopping mais próximo, onde fazer compra...”, diz Silvana Trevisan, hoje assistente social do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo.

Durval ficou três anos no Santos, clube que, depois disso, chamou mais de uma vez de “sua casa”.

À direita, a assistente social Silvana Trevisan, com jogadores da base do Santos em 2010
À direita, a assistente social Silvana Trevisan, com jogadores da base do Santos em 2010 - Moacyr Lopes Junior - 23.jul.2010/Folhapress

Apenas 42 times e a Federação Pernambucana possuem pelo menos um assistente social no quadro de funcionários. Nas seleções brasileiras das categorias de base, não há nenhum. Isso apesar de Vanderlei Luxemburgo, ao ser contratado para comandar a equipe principal, em 1999, ter dito que esta era uma lacuna que tinha de ser preenchida.

Entre os grandes de São Paulo, apenas o Palmeiras tem um assistente social para cada categoria na base.

Uma explicação pode ser que este é o único integrante da comissão técnica que não tem como prioridade o desempenho esportivo do garoto da base ou do atleta profissional. Jogar bem ou não é uma consequência.

“O nosso papel é garantir o direito da criança e do adolescente. É entender que esse jovem está no processo de formação esportiva. Se a família dele e o clube não tiverem essa noção, vão prejudicá-lo. Nossa função é garantir que ele vá à escola, ver se está indo visitar a família, se há negligência familiar”, afirma Fernando Trutys Fernandes, assistente social do Santos.

Funcionários da área de clubes de São Paulo e do Rio de Janeiro disseram à Folha que ainda são vistos com desconfiança dentro das agremiações por causa da função que não é apenas esportiva.

“O atleta não tem o discernimento. Os pais muitas vezes acabam por pressionar a criança, cobrar muito. É o caso clássico de ter o futebol como arrimo, como esperança da família de fugir de uma situação sócio-econômica”, completa Fernandes, um dos que afirmam receber apoio de seu clube (Santos) para desenvolver o trabalho.

Os que não têm esse respaldo, pedem para não serem identificados.

Há histórias de dirigentes que fazem de conta que os assistentes sociais não existem. Ou não levam em consideração o que dizem. Especialmente se pode influir no resultado da equipe em campo.

Como no caso do garoto do sub-17 de um time do Rio de Janeiro que passou dias cabisbaixo e desinteressado nos treinos, até que o assistente social percebeu haver algo errado. Chamou-o para conversar e descobriu que o pai havia agredido a mãe.

Ele tentou conversar com os pais, mas só a mãe atendeu ao chamado.

O assistente levou o caso aos dirigentes do clube, mas a única pergunta que o diretor de futebol fez foi: “mas ele vai jogar no sábado, não?”

“O assistente social é aquele que fala para os pais não abandonarem as atividades laborais e não fiquem nas costas de um empresário. Porque a criança identifica que a responsabilidade é dela e o futebol deixa de ser uma coisa lúdica”, analisa Silvana.

Hoje, Silvana é assistente social do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo
Hoje, Silvana é assistente social do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo - Moacyr Lopes Junior/Folhapress

O assistente social tem o papel de cuidar do bem-estar do atleta, mesmo que esteja no elenco profissional (como o caso de Durval), e da família dele. Se está na base, tem como guias as legislações, casos do Estatuto da Criança e do Adolescente e o artigo 227 da Constituição Federal, que fala dos direitos da criança, adolescente e jovem.

Uma das reivindicações do Seminário Nacional do Serviço Social no Mundo do Futebol, realizado em outubro, em São Paulo, foi a mudança da Lei Pelé para que os clubes sejam obrigados a ter pelo menos um assistente social.

Dos 42 profissionais contratados por equipes, a maioria (20) está no Sudeste. São nove no Sul, cinco no Nordeste e dois no Centro-Oeste.

Apenas nas categorias de base dos clubes inscritos na Federação Paulista de Futebol estão 2.600 jovens.

A constatação geral é que menos garotos que estão abaixo da linha da pobreza chegam a grandes clubes. Antes, este número era maior porque hoje a classe média investe na formação do filho que tem potencial para ser jogador.

Mas há ainda história como a do menino de 11 anos que foi aprovado em testes em um grande clube paulista e, na avaliação psicossocial, disse que residia apenas com o pai. A assistente social descobriu que era verdade. Ele morava com o pai e irmãos na rua, porque a mãe era usuária de drogas.

A família foi encaminhada para o Cras (Centro de Referência de Assistência Social), que os inseriu em projetos sociais da prefeitura.

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