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Derrotado pelo Flamengo, Liverpool chegou bêbado ao Mundial de 1981

Ex-atletas da equipe inglesa relembram clima de certo descompromisso com o jogo

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Caio Carrieri
Liverpool

O técnico Bob Paisley entrou constrangido no vestiário do Estádio Nacional de Tóquio. Pediu desculpa aos jogadores do Liverpool e disse ter errado na preparação para o jogo. Estava preocupado com a imagem deixada aos patrocinadores do clube que foram assistir ao campeão europeu e viram "um time de pub", na definição do treinador.

Após apenas 45 minutos, o placar marcava 3 a 0 para o Flamengo no início da tarde na capital japonesa, em 13 de dezembro de 1981.
 
Dois anos antes, os ingleses, então bicampeões europeus, haviam se tornado o primeiro clube do país a ter uma marca de empresa estampada no uniforme. O embaraço de Paisley era consequência da atuação ruim e da derrota elástica justamente na cidade-sede da Hitachi, gigante japonesa de eletrônicos que patrocinava o time.
 
Nunes, duas vezes, e Adílio marcaram os gols que consagraram o Flamengo de Zico campeão mundial em jogo único. Trinta e oito anos depois, com o torneio em outro formato, chancelado pela Fifa, as equipes podem se reencontrar na decisão do próximo dia 21, em Doha, no Qatar, caso passem pelas semifinais.

O pedido de desculpas de Paisley foi relatado à Folha por atletas do Liverpool que estiveram na final de 1981. Morto em 1996, aos 77 anos, o técnico é o mais vencedor da história do clube, com 20 títulos em nove temporadas, entre 1974 e 1983.

A lenda de Anfield também ostenta a marca de ser um dos únicos três treinadores a conquistarem o tri da Copa da Europa, que deu origem à Champions League. Carlo Ancelotti e Zinedine Zidane se juntaram ao inglês posteriormente.

Para comemorar o que seria o centenário de vida do treinador no último mês de janeiro, o Liverpool veste na campanha atual um uniforme inspirado no último ano de Paisley no comando do clube. Além das listras brancas verticais sobre o tradicional vermelho do time, o uniforme tem uma assinatura do ídolo na parte interna da camisa. Eternizado na gloriosa história do Liverpool, Paisley não estava imune a falhas.

Terry McDermott (à esquerda) e David Johnson, que disputaram o Mundial de 1981, com camisa recente do Liverpool
Terry McDermott (à esquerda) e David Johnson, que disputaram o Mundial de 1981, com camisa atual do Liverpool - Caio Carrieri/Folhapress

“Nossa preparação para o jogo foi muito ruim”, relembra Phil Thompson, capitão daquele Liverpool. “O clima que existia entre nós era de amistoso, e não imaginávamos que o Flamengo levaria a partida tão a sério. Éramos, de longe, o melhor time da Europa."

Entre 1977 e 1981, a equipe se tornou tricampeã continental. No cenário doméstico, levantou seis ligas sob o comando de Paisley.

Da equipe titular que enfrentou o Flamengo, seis estariam na Copa do Mundo do ano seguinte com as suas respectivas seleções —três ingleses e três escoceses.

A partida contra os brasileiros e, principalmente, a viagem para o Japão eram vistos como inconvenientes para o calendário do clube, que tinha como prioridade as conquistas do Campeonato Inglês e a Copa da Europa.

"Antes do jogo, Paisley disse: 'vamos ao Japão, fazemos o que marcaram para nós e voltamos para Liverpool o mais rapidamente possível'", lembra Thompson, que vestiu a camisa do Liverpool em 477 partidas e foi campeão 22 vezes (sete ligas e três Copas da Europa).

No voo, o ambiente era de férias, com direito a bebidas alcoólicas.

“A viagem foi uma piada”, conta o ex-atacante David Johnson. “Hoje, para fazer o mesmo trajeto você viaja praticamente em um hotel móvel. Quando fomos, ficamos sentados por 24 horas. E o que te resta fazer nessas circunstâncias? Beber muita cerveja e jogar baralho durante todo o trajeto."

O clima de descompromisso permaneceu após o desembarque no Japão. Com dificuldade para dormir devido ao fuso horário de nove horas, os jogadores ingleses se divertiram e não descansaram. Nos arranha-céus de Tóquio, foram jogar golfe.

Durante a derrota, o técnico fez apenas uma substituição no time. Terry McDermott deixou o campo no início do segundo tempo, substituído por Johnson.

McDermott diz ter chegado ao Japão sem muito conhecimento do adversário.

“Nós não subestimamos o ‘Flamenco’”, diz, trocando o “g” pelo “c”, “até porque não sabíamos muito sobre eles. Eu nunca tinha ouvido falar do nosso rival, só conhecia o Santos. O nosso principal cuidado era não ter ninguém machucado."

Nunes vence o goleiro Gobbrelaar durante a final do Mundial de 1981
Nunes vence o goleiro Gobbrelaar durante a final do Mundial de 1981 - 13.dez.81/Agência O Globo

Se havia pouca informação antes da final, os ingleses nunca mais esqueceram alguns dos aprendizados sobre os cariocas no Japão.

“Só conhecíamos um fato sobre o Flamengo: Zico. Ele tinha muita técnica e ótima qualidade nas cobranças de falta. Mas não sabíamos quase nada sobre os outros jogadores”, afirma Phil Thompson. "Depois de 90 minutos, eu aprendi ainda mais sobre o Zico, mas também soube quem era o Nunes. Ele foi impressionante."

Maior artilheiro da história do Liverpool, com 346 gols em 660 apresentações, Ian Rush foi preservado do confronto com os brasileiros.

“Eu até poderia ter jogado, mas o Bob Paisley não queria que eu me desgastasse na viagem até o Japão. Eu disse que já estava recuperado e pronto depois de uma lesão, mas ele queria que eu focasse na rodada seguinte do Inglês”, diz Rush.

Na época da final, o Liverpool estava na 12ª colocação do Inglês. Na segunda metade da temporada, se recuperou e conquistou o título. Levou também a taça da Copa da Liga.

“O grupo estava muito mais interessado em voltar para a Inglaterra e jogar os torneios locais, então o resultado contra o Flamengo pouco importava para nós”, diz Rush.

Phil Thompson, capitão do Liverpool, com o troféu da Copa da Europa de 1981
Phil Thompson, capitão do Liverpool, com o troféu da Copa da Europa de 1981 - Dominique Faget - 27.mai.81/AFP

Para os flamenguistas, no entanto, o triunfo é considerado por muitos a maior conquista do clube. Foi, na época, o primeiro Mundial de um time brasileiro desde o Santos de Pelé, vencedor na década de 1960. 

O título virou cântico, hit dos rubro-negros nas arquibancadas durante a conquista da Libertadores de 2019. Uma adaptação com a melodia da música “Primeiros erros”, de Kiko Zambianchi, exalta a vitória contra os ingleses.

Os versos “em dezembro de 81/ Botou os ingleses na roda/ 3 a 0 no Liverpool/ Ficou marcado na história” foram recebidos de maneira simpática pelos ex-jogadores do Liverpool.

Thompson reagiu com uma risada cordial ao ser informado sobre a letra da música. “Os primeiros 20 minutos não foram um passeio, mas depois a vitória foi totalmente merecida”.

“Não encaramos o jogo do jeito que deveríamos e foi isso que aconteceu mesmo”, acrescenta McDermott. “É, eu só lembro de Zico-Nunes-gol”, brinca Johnson.

Ficha técnica:

Local: Estádio Nacional, em Tóquio (JAP)
Árbitro: Rúbio Vazques - México
Público: 62.000 pessoas
Gols: Nunes 13'/1ºT, Adílio 34'/1ºT e Nunes 41'/1ºT.
FLAMENGO: Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico. Técnico: Paulo César Carpegiani.
LIVERPOOL: Grobbelaar; Phil Neal, Phil Thompson, Alan Hansen e Mark Lawrenson; Sammy Lee, Graeme Souness, Terry McDermott (Johnson 6'/2ºT) e Ray Kennedy; Kenny Dalglish e Craig Johnson. Técnico: Bob Paisley.

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