Busca por talento do futebol equatoriano expõe armadilhas do mercado

Moisés Caicedo, do Independiente del Valle, atraiu gigantes do futebol europeu

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Rory Smith
The New York Times

No futebol, nada fica em segredo por muito tempo. A busca do esporte por talentos é tão abrangente, e sua fome de jogadores tão vasta, que nenhum território passa despercebido, nenhuma oportunidade passa inexplorada, nenhum novo talento passa sem ser visto. A distância não é obstáculo. Os holofotes brilham tanto que já não existe obscuridade.

E assim, ao longo dos últimos 12 meses, os mais poderosos clubes das grandes ligas europeias voltaram sua atenção a Sangolqui, um subúrbio ao sul de Quito, a capital do Equador. Estavam de olho em um clube que mal usa seu acanhado estádio, e em um meio-campista adolescentes que mal tinha chegado à segunda temporada de sua carreira no time principal.

Moisés Caicedo não estava ciente –pelo menos não até pouco tempo atrás—, mas seu nome vinha ocupando as conversas de olheiros e diretores de futebol de equipes europeias havia meses.

Moisés Caicedo comemora seu gol pela seleção do Equador contra o Uruguai, pelas Eliminatórias para a Copa 2022
Moisés Caicedo comemora seu gol pela seleção do Equador contra o Uruguai, pelas Eliminatórias para a Copa 2022 - Jose Jacome - 13.out.20/AFP

Poucos, se algum, dos grandes clubes do velho mundo têm olheiros permanentes em ligas como a do Equador. Os jogadores emergentes nesses lugares são vistos primeiro nas competições continentais da América do Sul –a Copa Libertadores e a Copa Sul-Americana—, ou rastreados nos torneios internacionais de juvenis.

Quando um jogador que interessa é identificado, os membros da equipe de recrutamento assistem a vídeos de suas apresentações em torneios nacionais e analisam seus dados estatísticos em plataformas como Wyscout, InStat e Scout7.

Só então, caso os números confirmem a observação, um olheiro –seja empregado do clube interessado, seja um freelancer de confiança que cobre aquele mercado– será enviado para assistir ao jogador em pessoa.

Caicedo, 19, é um meio-campista enérgico e compenetrado, e passou em todos os testes. O olheiro do Manchester United alertou seu empregador sobre a habilidade do atleta. O Milan descobriu que as observações de seus olheiros e os dados estatísticos batiam. O Club Bruges, campeão belga, também reparou nele. E o mesmo se aplica a uma falange de times da Inglaterra –entre os quais Brighton e Chelsea. Afinal, nada permanece em segredo por muito tempo.

Todos, cada qual por sua conta, determinaram que Caicedo era uma proposição interessante. Muitos começaram a realizar consultas discretas, conduzindo as pesquisas necessárias sobre o jogador e seu clube –o Independiente del Valle– a fim de determinar de que maneira era possível fechar negócio. E todos ouviram exatamente o mesmo aviso: encontrar Caicedo era a parte fácil. Determinar como, exatamente, assiná-lo, seria muito mais difícil.

Uma rápida ascensão

Mesmo no Independiente del Valle havia alguma surpresa quanto à rapidez do desenvolvimento do jovem que o clube descobriu jogando em Santo Domingo, uma cidadezinha algumas horas a oeste de Quito.

Quando se mudou para Sangolqui, Caicedo não era um dos destaques do time sub-16 para o qual passou a jogar, mas era quieto, determinado e aprendia rápido. A equipe continha diversos jogadores que viriam a jogar pelo Equador em torneios juvenis, mas Caicedo havia superado a todos eles, pelo final de 2019.

Ele estreou no Campeonato Equatoriano pelo Independiente em outubro daquele ano, vindo do banco em uma partida contra a LDU. Pelo final do mês, já tinha se tornado titular. Em fevereiro de 2020, capitaneou a equipe juvenil de seu clube na conquista do título da Copa Libertadores Sub-20. Ao voltar, ele subiu direto para o time principal, e em abril fez sua primeira partida pela Copa Libertadores adulta.

Ainda que a a velocidade do sucesso fosse um tanto inesperada, o Independiente a tratou como confirmação do modelo do clube. Embora fundado em 1958, a sua moderna encarnação surgiu apenas em 2007, quando o controle sobre ele foi assumido por um grupo de empresários liderado por Michel Deller, que transformou o clube em empresa privada.

“Havia uma visão clara”, disse Luis Roggiero, o diretor esportivo. “No Equador, existem muitos talentos que não encontram oportunidade de se desenvolver. Os jogadores que se destacaram o fizeram por mérito pessoal, e não porque os clubes ou a federação os tenham ajudado. A ideia era criar um clube capaz de competir em nível nacional e internacional por meio da descoberta de talentos: encontrá-los cedo e desenvolvê-los ao nosso modo."

Nos últimos anos, o Independiente vem conseguindo vender jogadores não só para ligas que têm alguma tradição de importar jogadores equatorianos –as da Argentina, México e Brasil—, mas também, cada vez mais, diretamente para clubes da Europa.

Jogadores do time foram transferidos ao Granada e Real Valladolid, da Espanha; ao Atalanta, da Itália; ao Brighton, da Inglaterra; ao Genk, da Bélgica, e ao Sporting Lisboa, de Portugal.

À medida que o prestígio de Caicedo crescia, se tornou claro que ele seria o próximo a fazer essa jornada.

Mas embora mais times europeus possam estar cientes da existência do Independiente –e do Equador em geral, depois de uma série de sucessos das equipes juvenis do país– como fonte de talentos, a nação continua a ser um mercado desconhecido para a maioria dos executivos de futebol.

Os clubes do Equador em geral preferem vender jogadores a outras ligas sul-americanas, em que o valor inicial de transferência em muitos casos pode ser mais alto. As agências mais poderosas do país tendem a ter vínculos bem estabelecidos com o Brasil, México e Estados Unidos. Poucos clubes europeus têm presença no país, ou acesso fácil ao mercado. Para eles, o Equador pode ser um território complicado e incerto.

A disputa

A maioria dos clubes europeus recebeu o mesmo retorno, quando eles começaram a pesquisar um pouco mais sobre a situação de Caicedo: não estava claro, de imediato, precisamente quem representava o jogador e tinha o poder de aceitar propostas em seu nome. Havia “agentes demais envolvidos”, de acordo com um bilhete enviado a um departamento de recrutamento.

Tão logo um jogador talentoso emerge, uma coleção de agentes tipicamente se abate sobre ele, oferecendo acesso exclusivo a um determinado time ou liga, ou simplesmente a capacidade de negociar um contrato melhor. Às vezes, jogadores assinam contratos com múltiplos agentes, com base em nada mais que promessas.

A maioria dos envolvidos em recrutamento aceita que é assim que as coisas funcionam, e sempre funcionaram, em todo o mundo, ainda que muita gente considere especialmente difícil desemaranhar contratos a fim de tirar jogadores da América do Sul.

O diretor esportivo de um grande clube europeu acredita, porém, que a situação tenha se tornado muito pior depois que a Fifa decidiu desregulamentar o trabalho dos agentes, em 2015. “Agora, um agente pode fazer basicamente qualquer coisa que deseje”, disse o diretor, que falou sob a condição de que seu nome não fosse revelado, porque não tinha autorização para discutir a questão publicamente.

Foi exatamente uma disputa aberta dessas que enredou Caicedo. Por boa parte de sua incipiente carreira profissional, ele foi representado pela Kancha, uma agência equatoriana com um elenco de jovens jogadores, diversos dos quais no Independiente.

À medida que crescia o interesse de clubes por ele, porém, o das agências também aumentava. Elas estavam ávidas por lucrar não só com o talento do jogador, mas com a inexperiência dos times estrangeiros com negociações no mercado equatoriano.

Membros da família de Caicedo –ele é o mais jovem entre 10 irmãos, e tem 25 primos– receberam numerosas ofertas de agentes que buscavam uma procuração para vendê-lo. Pessoas próximas às negociações, embora não tenham autorização para falar sobre arranjos privativos de negócios, disseram acreditar que os parentes do atleta tenham chegado a acordo com duas agências: A PSM Proformance, da Alemanha, e um grupo argentino. A PSM Proformance não respondeu a um pedido de comentário.

De repente, havia três agências –entre as quais a Kancha– afirmando representar Caicedo e ter o poder de firmar um acordo. O Independiente, o clube que o desenvolveu, foi para todos os efeitos tornado irrelevante nas negociações; o clube receberá mais ou menos o mesmo valor não importa que agente feche o contrato, e deve exercer uma cláusula que dá ao clube 30% do valor de futuras transferências do atleta.

Mas se a situação do clube não muda, o mesmo não pode ser dito necessariamente sobre a de Caicedo. Com múltiplos agentes não só tentando negociá-lo na Europa como bombardeando a mídia do Equador e a internacional com balões de ensaio sobre seu potencial destino, muitos dos clubes que estavam interessados no promissor atleta desistiram de contratá-lo. O Manchester United e o Milan optaram por não se envolver em uma situação que eles dizem que será complicada demais para deslindar.

Outros clubes continuam no páreo. O Brighton –atualmente visto como mais provável destino do atleta– tem a vantagem de um relacionamento já estabelecido com a Kancha e o Independiente, tendo contratado um jogador do clube representado pela agência em 2018. Caicedo vai sair, o talento dele garante isso.

O que preocupa aqueles que o viram florescer nos dois últimos anos é se essa é a decisão certa pelas razões certas. A ascensão de Caicedo foi até agora inesperada e quase impossivelmente suave. Ficar exposto aos perigos do mercado de transferências, porém, significa que a estrada que leva ao futuro está repleta de obstáculos. Ele foi descoberto. O risco agora é agora é de que se perca.

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