Novo projeto de combate ao racismo no futebol pretende ir além dos gestos

Programa nos EUA nasce da insatisfação com efeitos limitados de protestos

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Rory Smith
The New York Times

Tony Sanneh percebeu o padrão quando ainda era jogador. É exatamente o mesmo padrão que ele continua a ver agora, mais de uma década depois de deixar os gramados.

O futebol se dedica à batalha contra o racismo apenas esporadicamente. Abusos contra um jogador em campo, ofensas a um time vindas das arquibancadas, uma lembrança repentina da falta de oportunidades para treinadores ou executivos negros no esporte –tudo isso dá início a conversações, a campanhas, a promessas de melhorar.

“O assunto é discutido a cada vez”, disse Sanneh. “E depois sai da agenda de novo."

Diversas vozes negras importantes no esporte indicaram, nas últimas semanas, que não se pode permitir que a mesma coisa volte a acontecer. Depois de quase um ano de protestos inspirados pelas manifestações do movimento Black Lives Matter, que varreram o planeta depois que George Floyd foi morto pela polícia, diversos jogadores foram especialmente veementes em suas declarações de que gestos já não bastam.

“Isso se tornou só mais uma coisa que fazemos”, disse o atacante Wilfried Zaha, do Crystal Palace, sobre os jogadores se ajoelharem como sinal de protesto antes do início das partidas da Premier Legue. “Mas para mim não é o suficiente."

Os jogadores dizem que querem ação, e não gestos, e Sanneh –que jogou na Bundesliga e na Major League Soccer americana, e defendeu os Estados Unidos na Copa do Mundo de 2002– e outros esperam colaborar para acelerar esse esforço.

Sanneh se uniu ao Common Goal, um movimento social de alcance mundial liderado por jogadores de futebol; a clubes de três ligas importantes de futebol da América do Norte; e à American Outlaws, a maior torcida organizada da seleção americana de futebol, para lançar o Projeto Antirracista, um programa cujo objetivo é combater todos os aspectos dos problemas que o futebol tem com o racismo.

A escala do programa é ambiciosa. O objetivo é conquistar a adesão de 5.000 treinadores e de 60 mil jovens, em mais de 400 comunidades, no primeiro ano de atuação, usando um kit de recursos educativos de combate ao racismo criado e aperfeiçoado pela fundação pessoal de Sanneh, sediada em St. Paul, Minnesota, ao longo das duas últimas décadas.

Sanneh disse que sua esperança era de que os recursos fossem “refrescados e globalizados”, e passassem a ser usados fora dos Estados Unidos a partir do ano que vem.

Momentos de impaciência dos jogadores diante da lentidão das mudanças no esporte já estão começando a surgir. Na Inglaterra, onde ver os jogadores ajoelhados antes de cada partida agora se tornou parte do ritual do esporte, Ivan Toney, atacante do Brentford, deu a entender que o gesto se tornou “praticamente inútil”.

“Quando nos ajoelhamos, estamos permitindo que as pessoas no topo descansem um pouco”, ele disse.

A seleção feminina de futebol dos Estados Unidos não se ajoelhou durante a execução do hino americano, antes de sua partida contra o Brasil no domingo passado (21), uma decisão coletiva tomada pela equipe depois de quase um ano de protestos.

“O objetivo é sinalizar que agora estamos prontas para ir além da fase de protestos e para começar a transformar as palavras em ações”, disse a meio-campista Crystal Dunn a jornalistas, depois da partida.

Jogadoras vestidas de branco, azul e vermelho, algumas ajoelhadas e outras de pé
Antes de decidirem não se ajoelhar durante o hino, atletas da seleção americana já se dividiam a respeito do gesto de protesto - Reinhold Matay - 22.jan.21/USA Today Sports

Diversos jogadores, entre os quais o americano Zack Steffen, goleiro do Manchester City, apoiam o projeto, e sua maior vantagem, de acordo com Evan Whitfield, ex-jogador da Major League Soccer e hoje colaborador da Common Goal, é a amplitude da coalizão.

“Existe uma história rica de manifestações lideradas por jogadores”, disse Steffen. “Isso continuará, mas o que temos de único na situação atual é o senso de ação coletiva."

Por muito tempo, disse Whitfield, as entidades corporativas e os clubes buscaram usar "essa mensagem a fim de apaziguar as vozes dos jogadores". Existe uma sensação de que isso agora está mudando, não só porque os clubes estão preparados para "colocar em prática aquilo que eles dizem”, por meio de ações concretas, mas também porque líderes como Sanneh, Steffen e outros têm influência suficiente para “influenciar a balança”.

O Chicago Fire, da MLS, o Oakland Roots, da USL, uma liga americana de futebol de divisão inferior, e o Angel City, clube que vai ingressar na National Women’s Soccer League no ano que vem, deram seu apoio ao projeto.

“Não há como dizer o quanto é importante que nós entremos em ação antes mesmo de entrarmos em campo”, disse Cobi Jones, antiga jogadora da seleção americana e hoje uma das proprietárias do Angel City. “Isso mostra a todos que o clube compreende como se posicionar com relação ao racismo, e que estamos na vanguarda da luta. É algo inerente àquilo que defendemos."

A esperança é que esses sejam apenas os primeiros clubes a aderir ao projeto. Segundo Whitfield, a proposta é um “chamado à ação”, não só da parte de outros clubes mas “também da parte das ligas e torcedores”.

“Tivemos de ampliar nossos esforços e trabalhar coletivamente”, disse Sanneh. “Usar nosso acesso a fim de trabalharmos em benefício de outras pessoas em nosso setor. Temos todos de trabalhar juntos para encarar os desafios sociais."

Steffen foi um pouco mais sucinto, ecoando as opiniões de um coro crescente de jogadores.

“Falamos muito, nos últimos meses”, ele afirmou. “Agora é hora de entrar em ação, de ir à luta e mostrar às pessoas que somos sérios.

Tradução de Paulo Migliacci

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