Descrição de chapéu Tóquio 2020

Natação feminina do Brasil luta por espaço e quer dar respostas em Tóquio

Atletas do país miram finais em meio a renovação e busca por mais oportunidades de crescimento

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Tóquio

Um ano atrás, quando a pandemia da Covid-19 impedia a preparação de atletas em solo brasileiro e a equipe de natação do país embarcou para um período de treinamentos em Portugal, a convocação do grupo escancarou um debate.

Dos 15 atletas chamados para a Missão Europa do COB (Comitê Olímpico do Brasil), 14 eram homens. Nadadoras em atividade e aposentadas se manifestaram contra os critérios adotados pela CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) na ocasião, que beneficiavam apenas aqueles que já estavam no topo de suas provas, e algumas medidas concretas começaram a ser tomadas em decorrência disso.

O time da natação para os Jogos Olímpicos de Tóquio, que desembarcou nesta semana no Japão e já treina em Sagamihara, conta com 26 atletas, entre eles 10 mulheres. A proporção menos desigual do que a de 2020 se deve ao fato de que dois revezamentos femininos (4 x 100 m e 4 x 200 m livre) obtiveram classificação, além do revezamento 4 x 100 m medley misto.

Apenas três nadadoras alcançaram índice e participarão de disputas individuais: Viviane Jungblut e Beatriz Dizotti, nos 1.500 m livre, e Etiene Medeiros, nos 50 m livre.

As chances de medalha das brasileiras são pequenas na piscina —diferentemente do que ocorre na maratona aquática, que tem Ana Marcela Cunha como uma das favoritas—, mas um desempenho positivo pode contribuir para acelerar algumas iniciativas despertadas pelo episódio da Missão Europa.

Medalhista de bronze na maratona aquática em 2016, Poliana Okimoto foi a primeira a se manifestar nas redes sociais naquela ocasião. Ela se engajou nos debates e liderou a criação de um grupo de trabalho para desenvolver um programa voltado à natação feminina. O COB manifestou interesse em apoiar financeiramente a realização de ações definidas nesse programa, mas elas ainda não andaram —também por causa da pandemia.

Okimoto, 38, que se aposentou no fim de 2017 sem ter sido treinada por uma mulher ao longo da carreira, defende que um dos principais pilares seja a inserção de mulheres na gestão e no treinamento da natação.

“É importante ter um espelho feminino. Às vezes o homem não entende que a mulher passa por período pré-menstrual, que dentro da menstruação o rendimento pode cair, e às vezes a menina tem até vergonha de dizer que está menstruada. Se tivesse uma mulher na borda da piscina, poderia ser mais fácil”, ela afirma à Folha.

“Às vezes ouvimos até frases que poderiam nem existir mais. Por exemplo, numa série em que você foi muito bem, você nadou igual macho, ou então, se você está competindo com um menino, o treinador diz que ele vai perder para a menininha. Isso diminui a gente”, completa.

Não que os homens não possam dar treinos para mulheres, ela pondera, mas estar mais atento a atitudes e formas de falar já pode ajudar a mudar o cenário atual, em que muitas adolescentes desistem de tentar uma carreira no esporte quando alcançam a puberdade.

Stephanie Balduccini, revelação aos 16 anos e integrante do revezamento 4 x 100 m livre em Tóquio, testemunhou recentemente essa debandada.

Nadadora submersa na piscina
Stephanie Balduccini, atleta mais nova da equipe de natação aos 16 anos, treina na base de Sagamihara para os Jogos de Tóquio - Jonne Roriz/COB

“Eu já vi minhas melhores amigas irem embora porque não tinham muitas mulheres. Se os clubes as incentivassem e ajudassem a treinar, tudo seria diferente”, diz. “Elas vão embora porque não têm com quem ficar. Quando não vem uma menina, você fica sozinha. Tinha um grupo enorme de meninas que treinavam comigo, e hoje só tem três.”

Para Viviane Jungblut, 25, que viveu a mesma situação, estar sempre ao lado de garotos na piscina teve um fator positivo: fez com que ela trabalhasse ainda mais para tentar manter seus tempos e ritmo de treinamento similares aos deles. Ainda assim, a atleta reconhece que falta um “olhar diferenciado” para a natação feminina, principalmente na base.

“Fico bem feliz ao saber que número de mulheres vem aumentando, e não só de atletas, mas do estafe, dirigentes, até mesmo dentro do COB, fisioterapeutas e médicas”, afirma. “Mas não é só levar atleta tal porque é mulher. Quero ser reconhecida pelo que faço, pelo meu trabalho, não quero que me levem pensando que sou mulher, mas porque mereço e estou trabalhando para isso.”

No Japão, ela competirá em busca de uma participação na final dos 1.500 m, o que já seria um grande feito. As melhores colocações de uma nadadora do Brasil nos Jogos Olímpicos são os quintos lugares de Joanna Maranhão em Atenas-2004 e de Piedade Coutinho em Berlim-1936.

“Não é só a medalha que conta, pegar uma final olímpica já vai ser muito importante, um marco histórico. A gente pode não ser favorita, mas tem que ter espírito de chegar lá e melhorar. E deixar essa imagem para as meninas da base”, diz Jungblut.

Etiene Medeiros, 30, nadadora pioneira do país ao ser campeã mundial e pan-americana, também vê possibilidades de deixar uma mensagem para as próximas gerações em Tóquio: “Não desista. Terá obstáculos, coisa boa, coisa ruim, coisas bem pesadas, mas tente sempre estar vinculada a pessoas positivas”.

Ela, Gabrielle Roncatto e Larissa Oliveira participaram da Olimpíada do Rio-2016. As outras sete integrantes da delegação são estreantes em Jogos.

Nadadora submersa na piscina
A nadadora Ana Vieira, que faz parte do revezamento 4 x 100 m, durante treino em Sagamihara para a Olimpíada de Tóquio - Jonne Roriz/COB

Segundo o vice-presidente da CBDA, Renato Cordani, apesar de as ações do programa para a natação feminina estarem em modo de espera, há uma mudança de cultura já em curso.

A confederação retirou um índice interno que poderia ter impedido os revezamentos de se classificarem para o Japão, mesmo com a vaga garantida junto à federação internacional. Também aumentou o estafe feminino em competições recentes e estabeleceu que no Mundial de piscina curta, em dezembro, no mínimo 6 das 20 vagas do país serão de mulheres.

“Nunca fugimos da discussão, estamos dentro dela”, afirma. “Todas as meninas dessa seleção têm chance real de fazer uma final olímpica. O pensamento de ir para os Jogos, entrar na final e fazer história é o pensamento que quero que elas tenham. É um sonho, mas um sonho palpável, que pode se transformar em objetivo e depois em realidade.”

Classificações vieram após superação de dificuldades

Se obviamente não existem momentos bons para pegar Covid-19, Viviane Jungblut teve que lidar com a doença em um dos piores. Em abril, a gaúcha se infectou quando faltava uma semana para a seletiva olímpica e ela treinava no Rio de Janeiro para a única chance de obter a vaga.

A CBDA já havia determinado que nadadores contaminados perto do período da seletiva teriam a chance de fazer uma tomada de tempo em junho. Isso tranquilizou a atleta, mas apenas em parte.

“Eu via pela janela do hotel todo dia a piscina, os competidores chegando, e não podia nem sair do quarto. Foi uma semana bem difícil. No dia da minha prova, já tinha completado o isolamento e voltado para casa. Além de ver três meninas pegarem o índice olímpico, ainda teve a quebra do meu recorde brasileiro”, ela conta.

Como não teve sintomas, Jungblut aproveitou o isolamento para descansar e fazer aulas da faculdade de engenharia de alimentos. A recuperação da forma na piscina também não tardou. Faltava superar a barreira mental.

“Sabia que o que determinaria [a capacidade] para conseguir o tempo seria o meu psicológico. Tinha treino para isso, então era a maneira como eu me comportaria durante a prova. Nadei eu contra mim mesma e o relógio, mas já vinha treinando isso. Só repetia para mim mesma que eu sabia o que tinha que fazer e que tinha treinado bastante para isso.”

Deu certo. Com 16min14, ela obteve a vaga e recuperou o recorde que havia sido superado por Beatriz Dizotti anteriormente.

As vagas dos revezamentos foram confirmadas após uma espécie de repescagem mundial e representou um alívio para a participação feminina no Japão. Etiene, que nadou mal durante a seletiva e vai disputar a prova individual por causa da classificação coletiva, espera levar lições para sua segunda participação olímpica.

“Nem sempre, quando a gente entra na água em uma competição, sai da maneira como a gente planeja. Tive dias de muito choro, dias de felicidade. Dia em que eu via alguns amigos não tendo o resultado que gostariam e outros que conseguiram. Saí de lá mais uma vez sabendo que nem sempre é o que planejamos, mas que caí na água para fazer o meu melhor. Nesta reta final, as coisas estão mais leves”, afirma.

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