Fifa pede US$ 1 bilhão para renovar com jogo de futebol que leva sua marca

Entidade quer receber mais que o dobro do atual contrato com a EA Sports, seu acordo mais valioso

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Tariq Panja
Nova York | The New York Times

Estamos falando de um dos relacionamentos mais longos e lucrativos da história do esporte. Quase três décadas depois que a organização que comanda o futebol mundial licenciou o uso de seu nome por uma produtora de videogames da Califórnia que estava buscando expandir sua linha de produtos, a série de videogames Fifa que nasceu dessa parceria se tornou, mais que um jogo, um fenômeno cultural.

Para milhões de pessoas em todo o planeta, as letras FIFA representam hoje não o futebol em si, mas em lugar disso uma abreviação conveniente para a imensamente popular série de videogames, que se tornou presença permanente na vida de figuras tão diversas quanto futebolistas da Premier League, fãs casuais e até mesmo “gamers” sem qualquer relação com o futebol.

As vendas do jogo, que lança uma versão atualizada a cada ano, já ultrapassaram os US$ 20 bilhões (R$ 110 bilhões, na cotação atual), em duas décadas, para a produtora, a Electronic Arts. Mas a Fifa também faturou: seu acordo de licença subiu de valor e veio a se tornar o contrato comercial mais valioso da organização, valendo-lhe hoje mais de US$ 150 milhões (R$ 825 milhões) anuais.

Imagem do jogador Mbappé, no game Fifa 22, da EA Sports
O jogador Mbappé, do PSG, no game Fifa 22 - Divulgação

E agora todo esse dinheiro está em jogo.

As negociações sobre a renovação do contrato que permite que a Electronic Arts, por intermédio de sua divisão EA Sports, utilize o nome da organização chegaram a um impasse, depois de ao menos dois anos de discussões, de acordo com diversas pessoas informadas sobre o assunto.

A possibilidade de uma dissolução da parceria depois da Copa do Mundo do Qatar no ano que vem –quando o acordo atual de dez anos chega ao final– foi explicitada em uma carta divulgada na semana passada por Cam Weber, presidente-executivo da EA Sports. No texto, ele menciona o impensável: um jogo Fifa sem a Fifa.

“Contemplando o futuro”, escreveu Weber ao discutir o futuro da série, “estamos também explorando a ideia de mudar a marca mundial dos jogos de futebol da EA Sports”.

O cerne da disputa é financeiro. A Fifa quer receber mais que o dobro do que vem recebendo atualmente da EA Sports, de acordo com pessoas informadas sobre as conversações, um aumento que elevaria os pagamentos pela série de videogames a mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,5 bilhões) por cada ciclo quatrienal de Copa do Mundo.

A disputa não é só sobre dinheiro, porém. As negociações travaram também porque a Fifa e a EA Sports não conseguem chegar a um acordo sobre quais deveriam ser os direitos exclusivos da produtora de jogos.

A Fifa preferiria limitar os direitos exclusivos da EA Sports a parâmetros estreitos, definidos em torno do uso de seu nome no videogame, provavelmente como parte de um esforço para arrecadar receita adicional com os demais direitos que reteria.

Já a EA Sports afirma que a companhia deveria ser autorizada a explorar outros empreendimentos dentro do ecossistema do videogame Fifa, o que incluiria exibir melhores momentos de partidas reais, promover torneios de videogames em arenas e comercializar produtos digitais como NFTs.

É provável que uma decisão seja tomada antes do final do ano, mas dirigentes da EA Sports já estão planejando para um futuro pós-Fifa. No começo do mês, a empresa registrou duas marcas, uma na União Europeia e uma no Reino Unido, com a expressão EA Sports FC.

Tanto a Fifa quanto a EA Sports se recusaram a comentar publicamente sobre as negociações. Mas a disputa surpreendeu observadores do setor como Peter Moore, que deteve postos importantes na Electronic Arts por uma década antes de se tornar presidente-executivo do Liverpool, da Premier League. Moore agora é executivo sênior da Unity Technologies, uma empresa de software para videogames.

“Não me lembro de eles alguma vez terem feito uma declaração de que estávamos negociando a renovação da licença”, disse Moore, em entrevista por telefone. “Isso claramente é uma forma de enviar um sinal.”

Parte do cálculo da EA Sports é que –mesmo que seja forçada a mudar a marca de uma das séries de videogames mais populares de todos os tempos–, parece improvável que qualquer concorrente seja capaz de desafiar seu domínio do mercado.

A posição da EA Sports cresceu até o ponto de um domínio quase absoluto sobre os jogos de futebol nos videogames, graças a mais de 300 acordos semelhantes de licenciamento com organizações como a Uefa, que administra a Champions League, e ligas nacionais e torneios em todo o mundo.

Esses acordos permitem que a EA Sports use os nomes e figuras de jogadores, de clubes famosos de todo o planeta e de ligas proeminentes, em seu videogame. Na terça-feira, a empresa assinou a renovação de um desses acordos, com o FIFPro, sindicato mundial dos jogadores de futebol.

Imagem do jogador Alexander-Arnold no game Fifa 22
EA Sports tem acordos de licenciamento com organizações como a Uefa - Divulgação

Porque sua licença da Fifa só lhe confere o direito de usar o nome da organização e o da Copa do Mundo, um torneio de um mês de duração que acontece uma vez a cada quatro anos, a produtora de videogames parece ter chegado à conclusão de que perder esse relacionamento não seria uma ameaça à sua existência, diferentemente do que aconteceria caso ela perdesse suas licenças para outra série de videogames de esporte altamente popular, Madden NFL.

Diferentemente da série Fifa, o videogame da NFL depende de apenas duas licenças cruciais: a da NFL e a do sindicato dos jogadores da liga.

O vasto número de outras licenças que a EA Sports detém no futebol significa que, mesmo que fosse forçada a mudar o nome de seu jogo Fifa, os jogadores que cresceram com uma dieta de futebol digital não veriam grande mudança em sua experiência de jogo.

Mas, ainda assim, qualquer ruptura teria consequências. A série Fifa é imensamente lucrativa, disse Gareth Sutcliffe, analista sênior e especialista em videogames da Enders Analysis, porque a EA Sports pode realizar apenas mudanças cosméticas no jogo a cada ano e ainda assim desfrutar de milhões em faturamento com a venda de cada nova edição.

A lucratividade do jogo cresceu por meio de inovações como pacotes de jogadores, semelhantes a cartas para troca, que requerem que os “gamers” paguem a mais para tentar melhorar os elencos de seus times. Piers Harding-Rolls, analista do setor de videogames na Ampere Analysis, estimou que o Ultimate Team, um recurso interno do jogo, valeu pelo menos US$ 1,2 bilhão (R$ 6,6 bilhões) em faturamento para a EA Sports no ano passado.

É para essa nova economia que a EA Sports está olhando como parte de sua nova estratégia de crescimento. Mas esse é também o tipo de recurso que a Fifa gostaria de isentar do acordo de licença e talvez vender em uma transação separada –e lucrativa.

Para a Fifa, romper com a EA Sports, e perder os pagamentos de centenas de milhões de dólares anuais que recebe, poderia ameaçar algumas das inovações propostas por seu presidente, Gianni Infantino. Ele quer levantar pelo menos US$ 2 bilhões (R$ 11 bilhões), por exemplo, para financiar uma nova Copa do Mundo Interclubes, expandida. Ao mesmo tempo, está tentando persuadir os países membros a apoiar seu plano para aumentar a frequência da Copa do Mundo, que passaria a ser realizada a cada dois anos.

Para desenvolver essas novas receitas, dirigentes da Fifa estudaram a possibilidade de vender licenças para videogames e produtos digitais não relacionados ao futebol. Uma parceria com outra empresa, como a Epic Games, responsável pelo sucesso Fortnite, aumentaria o alcance da Fifa, mas diluiria a exclusividade pela qual a EA Sports paga um adicional. Esse, de acordo com pessoas conhecedoras do setor de videogames como Moore, pode ser o motivo para que sua antiga empresa esteja pensando em abandonar a parceria.

“Eles vão pensar que investiram literalmente centenas de milhões de dólares para construir aquilo e agora alguém diz que a Epic Games pode chegar e obter uma licença para o nome que eles fortaleceram e que eles colocaram em destaque, e se tornou sinônimo de videogame?”, disse Moore. “Tudo bem, então. Estamos negociando, e não vamos aceitar isso.”

Tradução de Paulo Migliacci

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