Descrição de chapéu jornalismo

Sou um jornalista que sempre teve ficha de telefone no bolso, dizia Edgard Alves

Colunista da Folha, que morreu nesta sexta (4), cobriu o incêndio do edifício Joelma

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São Paulo

Em texto publicado na Folha em 2011, o jornalista e colunista do jornal Edgard Alves, morto nesta sexta-feira (4) aos 73 anos, relatou a cobertura que fez do incêndio no Edifício Joelma. A tragédia, ocorrida em 1º de fevereiro de 1974, no centro de São Paulo, teve um saldo de 188 mortos. É até hoje a maior desse gênero na capital paulista.

Confira abaixo, na íntegra, o texto de Edgard, que teve acesso ao prédio no dia do incêndio.

Foi um dia tenebroso e, quando aquelas imagens retornam à minha cabeça, fico arrepiado.

Alertado por colegas que tinham ouvido pelo rádio o início do incêndio, saí direto de casa para o local.
Quando cheguei, o prédio em chamas, gritos, muitos gritos. Lembro de uma voz desesperada: "Estão pulando".

Caos, sirenes da polícia, bombeiros e ambulâncias, mais barulho de helicópteros.

Consegui um telefone público e avisei a redação que já estava na cobertura.

Repórteres sempre tinham fichas de telefone no bolso.

Incêndio no edifício Joelma, na avenida Nove de Julho, ao lado da praça das Bandeiras
Incêndio no edifício Joelma, na avenida Nove de Julho, ao lado da praça das Bandeiras - Eivind Molberg - 1.fev.74/Folhapress

Após também ter acompanhado a catástrofe do Andraus, dois anos antes, naquele dia fiquei convencido de que, se havia heróis no mundo, eles eram bombeiros.

Os caras entravam naquele inferno para tentar alguma coisa, muitos voltavam carregados, desmaiados. Um PM voltou cambaleando. Tirou a toalha que cobria o rosto, imediatamente o reconheci: Luís Faustino Pires, campeão sul-americano dos pesos-pesados, que tinha no cartel um combate contra George Foreman, uma derrota, mas nos bons tempos de Foreman.

Com uma colega do Grupo Folha, consegui convencer um funcionário do prédio ao lado, entramos e subimos até o último andar.

Aí eu senti, de fato, a dor de uma catástrofe: corpos carbonizados sobre o parapeito de uma ala do Joelma e, no outro telhado, não alcançado diretamente pelo fogo, corpos de vítimas de asfixia, aproximadamente 30.

Minha colega entrou em parafuso, discursou contra políticos, autoridades, militares. Os bombeiros a levaram ao andar de baixo, para que se recuperasse.

Pouco depois, quebravam telhas para retirar dezenas de cidadãos que tentaram escapar por lá, sem êxito.
Hoje me pedem para escrever sobre aquele dia triste. Resisto, mas não recuso. Afinal, apesar dos novos tempos, sou um jornalista que sempre teve ficha de telefone no bolso.

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