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Ramon Dino fala sobre fama, crescimento do fisiculturismo e anabolizante: 'Infelizmente, a gente tem que fazer uso'

Vice-campeão do Mr. Olympia conta seus planos para o futuro e reafirma seu orgulho do Acre

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Ramon Dino durante o Mr. Olympia 2023 Divulgação / Supley

São Paulo

Ramon Dino, brasileiro que acaba de conquistar seu segundo vice-campeonato no Mr. Olympia –a copa do mundo do bodybuilding–, vive seu auge. Reverenciado no mundo fisiculturismo, ele experimenta uma fama rara para praticantes da modalidade no país. Ídolo em um esporte ainda pouco conhecido –e muito estigmatizado–, fala de temas delicados, como o uso de anabolizantes, com a franqueza e a naturalidade de quem, aos 28 anos, entende ser referência para jovens.

Dino conversou com a Folha após o conquistar o 2º lugar nos EUA. Ao comentar o fenômeno do meme "fake natty", criado em tom de brincadeira pelo youtuber Rodrigo Góes para descrever quem usa esteroides, o brasileiro deixou claro que a base do esporte é o treino, mas não fugiu do assunto. "Infelizmente, a gente tem que fazer uso dos anabolizantes. Todo atleta, para chegar naquela performance, tem que ter o uso do anabolizante como ajuda", afirma.

Ele também reforçou a importância do debate sobre o tema, para trazer mais segurança aos iniciantes no esporte. "A gente sempre usa ali conforme a nossa prescrição médica, acompanhamento médico. Então, a gente anda bastante na linha, porque, querendo ou não, mexe com a nossa vida."

Anabolizantes são derivados do hormônio masculino testosterona. No geral, são receitados em casos de deficiência hormonal. Seu uso sem controle pode levar a alterações no sangue e resultar em diversos problemas de saúde.

Nascido em Rio Branco, no Acre, o fisiculturista adotou o apelido Dino como uma brincadeira sobre suas origens, mas também se tornou uma bandeira de orgulho. "O Acre é totalmente o que eu demonstro ser", disse.

Ele participou neste ano da sua terceira edição do Mr. Olympia. Era uma das principais apostas para ganhar a competição na categoria Classic Physique –modalidade que remete à era de ouro do fisiculturismo, com corpos com volume muscular moderado e boa definição. Para isso, ao subir no palco e exibir as poses para os jurados, eles devem mostrar elegância, domínio e sofisticação.

O brasileiro Ramon Dino (à esq.) e o canadense Chris Bumstead, o Cbum, aguardam divulgação do resultado do Mr. Olympia 2023; atleta do Acre ficou em segundo lugar - @wingsofstrength no Instagram

Apesar da evolução desde sua estreia, ainda não foi o suficiente para o brasileiro assumir o topo do pódio. O posto ficou com Chris Bumstead, canadense que já havia ganhado nos quatro anos anteriores. "Sentimos que a gente botou uma pressão e que quase pegamos, mas não foi esse ano. Mas, no próximo ano, a gente vê que consegue tirar de letra esse título."

A edição deste ano do Mr Olympia gerou bastante repercussão. A live no YouTube do Renato Cariani ultrapassou 4 milhões de visualizações, fãs ficaram emocionados ao te encontrar depois do campeonato. Você esperava essa popularidade?

A gente sabia que ia fazer um show legal, que ia trazer uma evolução legal no palco. Essas coisas que ocorreram depois me surpreenderam bastante. Ver a comoção dos fãs com o nosso trabalho, encontrando a gente pessoalmente, sabe? Todo aquele carinho, toda aquela energia, são muito gratificantes. Saber que tem pessoas que realmente torcem por você, que te acompanham de verdade e querem que você ganhe. Estão ali com você, lado a lado, na emoção. Isso é muito da hora.

Você sentiu que essa foi a edição do Mr. Olympia que mais repercutiu aqui no Brasil?

Sim, até mais que a primeira vez [em 2021]. Porque, como a gente veio em escala de subida, de quinto lugar [Mr. Olympia 2021], segundo lugar no Arnold [Arnold Fitness Weekend 2022], depois segundo lugar no Olympia [Mr. Olympia 2022], depois campeão do Arnold [Arnold Fitness Weekend 2023]. O que esperariam do próximo ano, né? Com toda essa evolução positiva que a gente teve, a gente ficou na expectativa de ganhar o primeiro lugar [no Mr. Olympia 2023]. Batalhamos, como sempre, pelo primeiro lugar. Sentimos que a gente botou uma pressão e que quase pegamos, mas não foi esse ano. Mas, para o próximo ano, a gente vê que consegue tirar de letra esse título.

As pessoas falavam que você apresentava um bom físico, mas que demonstrava timidez no palco. Acha que está ganhando confiança?

Sim. A gente foi mais focado na gente mesmo. Nas primeiras vezes, como fã, não tem como não ficar empolgado, feliz e extasiado vendo todo mundo ali que você acompanhava ao seu lado e que daqui a pouco vai subir contigo no palco. É uma realização pessoal, sabe? E, às vezes, não tem como controlar essa emoção. Às vezes, o maior palco do mundo também te traz esse tipo de reação, sabe? Você fica bem feliz, bem... Mas, dessa vez, a gente foi mais profissional, mais sério. Porque, a gente já sentiu um gosto, algumas preparações atrás, de como é estar no palco do [Mr.] Olympia. Então, dessa vez, a gente foi mais concentrado em mostrar todo o nosso trabalho e toda a nossa evolução.

O público fala bastante sobre sua interação com o Cbum [Chris Bumstead, campeão] e com o Urs [Kalecinski, terceiro colocado]. Como é a sua relação com eles?

A minha relação com eles é muito boa, muito amigável. A questão [de competitividade] no palco é só ali. Cada um tem que mostrar o seu mesmo, né? Nos bastidores é uma brincadeira, é um pouco de interação, também a nossa concentração. Mas, é mais para mostrar que o nosso trabalho, fora ali, tem as nossas amizades que a gente constitui durante algumas competições. E leva isso para a vida, para fora do palco também.

Também chamou bastante atenção a sua decisão de não mostrar seu corpo nas redes sociais. Como isso te impactou ao longo da preparação?

Isso foi uma decisão bem do início da preparação. "Ah, vou esconder meu shape [o termo ‘shape’, em tradução literal do inglês, significa ‘forma’ e é usado no fisiculturismo para falar do corpo]". Mas é mais pela questão de trabalhar, focar mesmo em fazer meus treinos e fazer a minha dieta. Todo o meu trabalho que tem que ser feito como atleta. E não ficar mostrando o shape. Mostrar só no dia do palco, que foi o que a gente fez. E não mostrar gerou um pouco de curiosidade, né? Até dos meus oponentes. Isso foi legal, foi positivo para caramba, porque eles queriam saber se eu tinha evoluído ou não e eu fiquei bastante feliz com isso também. Decidi levar isso até o final para deixar o pessoal mais curioso ainda, e foi legal, gostei pra caramba. Talvez eu faça esse ano ou o próximo ano também.

Então, ano que vem, vamos ficar curiosos novamente para acompanhar sua evolução?

Desculpa, mas talvez sim [risos].

Entrando na parte pessoal, você costuma falar bastante sobre a sua família. Sua esposa, seus filhos, seus pais. Qual a importância deles no seu sucesso?

Minha esposa é minha base. Desde o início, quando eu cheguei em São Paulo. Eu vim uma vez para São Paulo, fiquei uma temporada, na primeira temporada da Mansão [Maromba, canal de YouTube do influenciador Toguro]. Depois, voltei para o Acre.

Quando eu voltei para São Paulo de novo, eu conheci a Vitória e, desde então, a gente atou a nossa relação. Passamos por altos e baixos, mas, graças a Deus, a gente só subiu junto. Com muita batalha, a gente conseguiu constituir algumas coisas. A gente tem a nossa casa, a gente teve nossos filhos, que são as bençãos nas nossas vidas, que ajudaram muito a gente a se alinhar mais nos nossos propósitos. E meus filhos também me trouxeram mais centralidade para o que eu devo fazer daqui para frente, um pouco mais de responsabilidade e seriedade. Agora é por eles. Em preparações, eu costumo me manter um pouco mais isolado. Por questões da nossa restrição de dieta, a gente acaba tendo um humor diferente na preparação. Mas, mesmo assim, a gente tenta dar o nosso melhor em casa.

O Acre é totalmente o que eu demonstro ser. Todo mundo duvida da gente, duvida que o Acre existe, duvida do que eu vou fazer, duvida do que eu vou conquistar. É a mesma coisa. Eu e o Acre, a gente é a mesma coisa.

Ramon Dino

fisiculturista

Você veio do Acre e hoje é o segundo maior fisiculturista do mundo na categoria Classic Physique. E você abraçou o apelido "dinossauro do Acre". Como o Acre te influencia como atleta?

Cara, o Acre... O Acre é totalmente o que eu demonstro ser. Todo mundo duvida da gente, duvida que o Acre existe, duvida do que eu vou fazer, duvida do que eu vou conquistar. É a mesma coisa. Eu e o Acre, a gente é a mesma coisa. Ninguém bota fé na gente, falavam pouco da gente. Agora, falam bastante. Como a gente veio de uma parte humilde, de uma região humilde... A região na verdade é a capital [Rio Branco], mas a parte que eu venho é humilde. E várias outras pessoas [do Acre] também estão competindo, chegaram a ganhar um cartão profissional, para ir para o Mr. Olympia também. Tem um amigo meu, que é o Everson [Costta], também conseguiu a classificação dele para o Mr. Olympia.

E saber que o pessoal do Acre também está se orgulhando desse trabalho que a gente tem feito. Mostrando que a gente respeita de onde a gente veio, as nossas origens. A gente tenta manter isso sempre.

Falando um pouco mais sobre o público, o fisiculturismo tem saído cada vez mais da bolha e atingindo pessoas que nunca nem pensaram em acompanhar. Esses novos espectadores têm muita dúvida sobre alimentação. Como foi a sua alimentação nessas últimas semanas, especialmente nesses últimos sete dias antes da competição?

Olha, durante os sete dias, a gente está fazendo uma passagem regredida de alimentação. A gente vai diminuindo a quantidade de alimento, consumindo mais proteína limpa, que é a proteína da carne, do frango, do peixe. Também usamos menos carboidrato, que é o arroz, batata doce, pão, algo do tipo. A gente precisa bater o peso, a gente precisa regredir bastante, chegar a um peso limite dado para a gente bater [na categoria Classic Physique, os atletas têm um limite de peso de acordo com a altura]. Depois de você bater o peso, de bater a altura tudo certinho, você começa a ‘carbar’ [termo usado no fisiculturismo para o alto consumo de carboidratos na fase pós-pesagem, com o objetivo de aumentar o volume muscular no palco] e você pode aumentar a quantidade de arroz, diminuir um pouco mais a quantidade de carne, de proteína. Aí ele começa a liberar também algumas besteirinhas, que é tipo alguns cookies, alguns donuts. E nessa fase final a gente usou a estratégia de beber menos água e consumir alguns doces, que são alimentos calóricos. A quantidade calórica é mais alta do que uma quantidade em volume.

Quantos doces você comeu logo antes de entrar no palco?

Cara, acho que uns... Eu não lembro, foi uns... Cinco donuts e um cookie? Foi mais, pô, foi mais. [Ramon fala com seu assessor, que estava ao lado]. Na caixa tinha seis donuts? Então no dia foram... Uns doze, né? Uns nove, uns nove donuts e um cookie. Delícia! [risos]

Como foi a mudança da pesagem até você competir? O quanto seu peso variou?

Como eu bati 101 kg na pesagem [no dia 2.nov], a gente começou a ‘carbar’, a gente começou a ganhar peso. Um dia depois, eu já estava com uns seis quilos a mais. E no dia do evento [4.nov], eu já estava com oito quilos a mais.

Todo atleta, para chegar naquela performance, tem que ter o uso do anabolizante como ajuda. Mas, não é base, né? Nossa base é treino, dieta e descanso. O anabolizante é como se fosse um sal para toda aquela comida que você está consumindo.

Ramon Dino

fisiculturista

Uma das coisas que ajudou a estourar a bolha foram os memes. Um dos que mais viralizou foi o "fake natty", que incentivou o debate sobre anabolizantes. E, conforme o esporte populariza, o assunto é mais discutido. O que você acha disso?

É, isso aí [o meme "fake natty"] eu fiquei por fora. Enquanto eu estava na preparação, estavam falando para caramba. Cara, eu acho que são uma coisa que tem que ser debatida realmente. Para trazer um pouco mais de... Como é que eu posso dizer? Segurança, sabe? Para quem realmente quer começar a fazer o negócio, entrar para o esporte, saber que o negócio é bem sério mesmo. É uma coisa que, querendo ou não, mexe ali com a sua saúde, porque você leva o seu corpo ao limite. E, para isso, você tem que fazer certas coisas, treinar ao máximo, deixar de comer algumas coisas.

Infelizmente, a gente tem que fazer uso dos anabolizantes. Todo atleta, para chegar naquela performance, tem que ter o uso do anabolizante como ajuda. Mas, não é base, né? Nossa base é treino, dieta e descanso. O anabolizante é como se fosse um sal para toda aquela comida que você está consumindo. É um tempero. Se você acha necessário usar, use. Se não, não use. Entendeu? Mas, a gente sempre usa ali conforme a nossa prescrição médica, acompanhamento médico. Então, a gente anda bastante na linha, porque, querendo ou não, mexe com a nossa vida. A gente está colocando a nossa vida em jogo, sabe? E a gente faz isso da melhor forma, assim, o mais profissional possível.

Agora, falando um pouco mais do Cbum. Cada vez mais ele vem mencionando a aposentadoria. Mas, ao mesmo tempo, ele também falou que quer competir ano que vem, que quer a sexta medalha.

Eu quero que ele vá na melhor forma dele, porque eu vou chegar na minha melhor forma. E tipo, cara, competição é isso, é você combater com o melhor, sabe? Se não, qual vai ser ali o real sentido da parada? Pô, eu quero ganhar do campeão, eu quero mostrar que eu superei o campeão. E é isso que a gente vai fazer.

E os seus planos para o futuro?

No Arnold eu ainda não tenho certeza mesmo. Mas, é quase certo que eu vou. No Olympia sim, com certeza eu vou. E é isso, a gente vai continuar as nossas preparações como sempre. Eu vou tirar meu descanso, me concentrar um pouco mais em mim e na minha família, que eu deixei devendo bastante na preparação. Porque a gente foi bastante egoísta ali. Concentrado só na gente mesmo ali, no campeonato. E, agora, eu tenho que dar o meu tempo mais para a minha família, para mim, sabe? Um pouco para a vida fora do esporte, para depois voltar com tudo de novo.

Eu vou tentar fazer algum projeto que ajude esse tipo de pessoa que realmente quer a parada. A gente vai focar nessas pessoas, porque eu precisei disso um dia. E eu prometi para Deus que, quando eu atingisse um patamar que eu tivesse condições de poder ajudar, eu faria. E é isso que a gente vai fazer.

Ramon Dino

fisiculturista

Para os outros anos, quais são os seus planos?

Tenho muitos planos. Fazer minha marca, fazer minha academia. Fazer alguma coisa que possa ajudar quem tem a vontade de realmente vir para o esporte, trabalhar de verdade no esporte e não tem condições. Eu vou tentar fazer algum projeto que ajude esse tipo de pessoa que realmente quer a parada. A gente vai focar nessas pessoas, porque eu precisei disso um dia. E eu prometi para Deus que, quando eu atingisse um patamar que eu tivesse condições de poder ajudar, eu faria. E é isso que a gente vai fazer. São planos aí para o futuro.

RAIO-X | RAMON "DINO" ROCHA QUEIROZ, 28
Nascido em Rio Branco, no Acre, em 9 de fevereiro de 1995, o fisiculturista competiu pela primeira primeira aos 22 anos. Já participou de três edições do Mr. Olympia, a copa do mundo do fisiculturismo, sendo vice-campeão nas duas edições mais recentes, em 2022 e 2023, na categoria Classic Physique. É o atual campeão da Arnold Fitness Weekend, competição internacional que homenageia Arnold Schwarzenegger, pela categoria Arnold Classic.

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