Aranha vê mudança em comportamento de torcedores, mas cobra maior punição a racistas

Agora escritor, ex-goleiro lembra ter sido chamado de 'mimizento' por falar de racismo

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São Paulo

Vítima de gritos de conteúdo racista em uma partida de 2014 —e em muitas outras—, Aranha, 41, observou uma mudança de comportamento nos torcedores de lá para cá. Segundo o ex-goleiro, no entanto, há muito a evoluir, e uma verdadeira transformação só ocorrerá quando houver punições mais duras aos infratores.

Nesta segunda-feira (21), é celebrado o Dia Internacional contra a Discriminação Racial. No Brasil, o racismo é crime inafiançável e imprescritível. A lei nº 7.716, de 1989, estabelece pena que varia de um a cinco anos de prisão, além de multa. Outro crime, previsto no artigo 140 do Código Penal, é a injúria racial, com pena de reclusão de um a três anos e multa.

Mesmo com as punições estabelecidas na legislação, o embate com a discriminação racial no país é constante. É o que mostra a própria trajetória de Aranha, Mario Lucio Duarte Costa, que defendeu clubes como Santos, Palmeiras, Atlético-MG e Ponte Preta.

No caso que marcou sua carreira, em 28 de agosto de 2014, quando atuava pelo Santos, ele foi vítima de berros e gestos racistas por parte da torcida do Grêmio e pediu ao árbitro que interrompesse o jogo, válido pela Copa do Brasil. O caso foi encaminhado ao Ministério Público, e, na esfera esportiva, a equipe gaúcha foi eliminada do torneio.

Aranha treina em uma de suas passagens pela Ponte Preta - Marcelo Justo - 13.abr.17/Folhapress

Desde então, o atleta passou a ser convidado a participar de programas esportivos com maior frequência, mas, no lugar do futebol, o racismo passou a dominar a pauta. Ele virou alvo de críticas e afirma ter sido prejudicado profissionalmente por seu ativismo.

"Fui julgado por outros jogadores. Diziam que estava usando a situação para me promover. De modo geral, passei a ser visto não como um jogador, mas como alguém que estava dando uma de vítima, de mimizento. Tudo isso porque estava falando de um assunto que incomodava", diz.

De lá para cá, Aranha não só fala como passou também a escrever sobre racismo. Publicou um livro, "Brasil Tumbeiro", em julho de 2021, e prepara um segundo para este ano, que terá como personagem central José do Patrocínio, filho de um padre com uma mulher escravizada —farmacêutico, escritor e jornalista, foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e se tornou um dos nomes mais atuantes do movimento abolicionista

Aranha diz que, para suas pesquisas, conta com indicações de literatura de amigos engajados no movimento negro, além de busca em canais sobre o tema.

Capa do livro "Brasil Tumbeiro", do ex-jogador Aranha - Reprodução

Os chamados tumbeiros, navios que transportavam os escravizados e nos quais muitos morriam, vitimados por doenças e maus-tratos, dão nome ao primeiro livro. A obra aborda as causas da escravidão, os interesses políticos e econômicos para mantê-la e o preconceito arraigado na sociedade até os dias atuais, algo refletido também nos estádios de futebol.

Voltado sobretudo para o público infantojuvenil, o livro traz personagens como o marinheiro João Cândido Felisberto, que em 1910 liderou a Revolta da Chibata e foi perseguido até o fim da vida, e o escritor Machado de Assis, muitas vezes não reconhecido como uma pessoa negra.

Dentro dos estádios, após o episódio em Porto Alegre, relatos de racismo continuam ocorrendo. Mas Aranha vê mudança considerável no comportamento dos torcedores, uma vez que hoje punições estão sendo aplicadas. "O estádio era quase um território sem lei. Em nome do amor pelo time, tudo era justificável, como xingar ou entoar cantos racistas."

Para Aranha, a mudança cultural ocorrerá com maior robustez por meio de punições mais severas. "O racismo deve deixar de ser algo comum. A pessoa que decidir cometer uma injúria ou ato racista deverá estar ciente de que responderá legalmente e que racismo é crime, não apenas ficar seis meses sem ir ao estádio e tudo bem. Hoje é possível com um celular gravar alguma situação e ter provas. É preciso provar todo o tempo que é racismo", diz.

"O brasileiro não falava sobre racismo, não havia debate. Hoje, há um avanço nesse sentido de discutir, de querer resolver, melhorar. As pessoas não aceitam mais, demonstram sua insatisfação. Antes aguentávamos piadas em situações corriqueiras, sobre o cabelo, por exemplo, como se fosse normal."

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BRASIL TUMBEIRO

Autor: Mario Aranha

Ilustrador: Eduardo Vetillo

Preço: R$ 34,90 (120 páginas)

Editora: Mostarda

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