Descrição de chapéu Copa do Mundo 2022

A Copa do Mundo chegou à periferia do Qatar

Asian Town, bairro de migrantes pobres em Doha, tem batucada, desfile e incentivo para Brasil e Argentina

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Doha (Qatar)

O indiano Mohamed Sazzad, 30, está ansioso. Com a sua camisa pirata e alviceleste da Argentina, nome de Messi às costas, ele anda de um lado para o outro no shopping Plaza Mall. A ansiedade é porque ele comprou um ingresso para ver a sua seleção preferida na Copa do Mundo enfrentar o México.

"Foi online. Ainda não chegou. Está vindo por esses dias", diz.

Sazzad trabalha em uma loja que vende sementes e chocolates. Seu irmão é o dono, e ele também veste uniforme da Argentina.

Não demora muito, e Syed Iltakher Uddin, 30, de Bangladesh, aproxima-se. Com camisa e boné da seleção brasileira, ele abraça Sazzad. Syed também é funcionário do Plaza Mall, em comércio de acessórios para celulares. Lá, há outros dois empregados. Ambos estão com o amarelo e o escudo da CBF no peito.

"Eu não consegui entradas para ver o Brasil. Triste demais isso. Vou ver os jogos na Fan Fest mesmo", lamenta Syed.

Mohamed Sazzad, da Índia, abraça Syed Iltakher Uddin, de Bangladesh em Asian Town; eles não torcem pelo anfitrião da Copa do Mundo - Gabriela Biló/Folhapress

Asian Town, o bairro que concentra os migrantes que se mudaram ao Qatar para trabalhar em obras de construção e infraestrutura, nunca viu nada igual. Aquele é um lugar em que os operários se reúnem para encontrar alguma distração, jogar conversa fora e falar mal dos patrões. Não deveria haver espaço para a Copa do Mundo nessa agenda.

Em questão de minutos, começa uma batucada, o que leva a desfile de dezenas pessoas com camisas e bandeiras do Qatar a bater bumbos e cantar pelos corredores do centro comercial. Quem ainda não havia notado a movimentação sai para ver.

"Isso jamais aconteceu aqui", disse Mohamed Anees, 27, que vive na região de Asian Town há cinco anos.

Este domingo (20) foi o momento em que a Copa do Mundo, o evento que deveria ser reservado à minoria endinheirada da nação árabe e a turistas, chegou à periferia do Qatar.

"Está todo o mundo animado com o começo do Mundial. Se você perguntar para as pessoas aqui, a maioria torce para Brasil ou Argentina. Eu sou de Bangladesh. Se você for para lá, vai descobrir que a torcida da seleção brasileira é imensa", afirma Ismayil (não quis dizer o sobrenome), 39, desde 2015 em Asian Town.

Ao fundo do desfile de torcedores a gritar e bater bumbos, está uma sequência de construções, todas iguais, que se confundem com o chão de terra branca. Os prédios são cercados por muros altos e com seguranças nas entradas. Um conjunto habitacional de 10 mil unidades reúne os moradores da área.

Afastada cerca de 15 quilômetros do centro de Doha, é a região que mais concentra os migrantes pobres do Qatar. Vivem no local cerca de 50 mil pessoas, quase todas empregadas da construção civil ou da área de serviços.

A massa é composta por expatriados de outras nações árabes, indianos, filipinos, nepaleses, bengaleses e cingaleses. Não por acaso, a região de Asian Town também é chamada de Labour City (cidade do trabalho, em inglês). Os nascidos no Qatar, um emirado absolutista governado pela mesma família desde o século 19, formam a elite financeira e social.

O nome original do projeto era West End Park. Foi alterado para Asian Town para refletir a origem das empresas que o governo queria atrair para essa zona, considerada a mais industrial de Doha.

Apesar da torcida pelo futebol, é visível o estádio de críquete, esporte mais popular na Índia e no Paquistão.

A história de quem vive na região é mandar dinheiro para as famílias que ficaram em casa. O comércio mais popular no bairro é o de casas de câmbio e de remessa de divisas. Nos trabalhos mais braçais, a média salarial é de US$ 200 mensais (R$ 1.069), e com esse dinheiro vários precisam se manter e ajudar gente em sua terra natal. Parte dos moradores ajudou na construção ou na reformulação dos oito estádios usados na Copa do Mundo do Qatar.

Ismayil tenta dizer, com seu inglês quebrado e vacilante, que torcer para as seleções brasileira ou argentina significa estar perto de vencer. Algo que não é muito comum para eles. Messi e Neymar são ídolos, uma imagem com que eles podem apenas sonhar. Os mais velhos afirmam ter começado a apoiar a camisa amarela e vesti-la por causa de Ronaldo e a conquista da Copa de 2002.

O desfile de apoio ao Qatar no Mundial, horas antes da derrota para o Equador na estreia, era alegre. Nela não havia uma gota de rebeldia. Era uma defesa do status quo. Um cartaz tinha a imagem do emir Tamin bin Hamad Al Thani. Ele era chamado de "líder" e "lenda". Outro carregava a foto de Gianni Infantino com a frase "o honrado presidente da Fifa".

Não havia rebeldia no desfile realizado no Plaza Mall - Gabriela Biló/Folhapress

Aqueles que estavam com camisa do Brasil ou Argentina acompanhavam apenas com o olhar tal manifestação. Eles não torcem pelos anfitriões da Copa. Quando indagados sobre o motivo, apenas riem. O Qatar não é a casa deles. Apoiar duas seleções sul-americanas os faz conectar-se mais com os amigos e parentes na terra natal do que torcer pelo time da terra que escolheram viver pela necessidade financeira.

"A gente se juntava para ver a Copa e torcer pela Argentina. Eu adoro Messi, mas gosto da Argentina pelo que representam as minhas lembranças da minha juventude no Sri Lanka", diz Ahmad, 28, que é funcionário de uma loja de calçados e também vende comida típica do seu país.

A Asian Town foi durante os últimos anos associada aos problemas da sociedade qatariana. Foi um local construído longe do centro para que os migrantes ficassem apenas ali, isolados. Os trabalhadores locais que estiveram nas obras de construção dos estádios se sujeitaram às jornadas de trabalho exaustivas, ao calor superior a 50º C no verão e à "kafala", a legislação que proíbe o imigrante de mudar de emprego a não ser que o patrão lhe dê uma carta de autorização.

A Copa do Mundo, neste bairro, não deveria ser tão popular assim.

Mas, apesar disso, neste domingo, por algumas horas, Asian Town virou uma arquibancada.

"Falar sobre o futebol de vez em quando une as pessoas também aqui", afirma o indiano Arjuna.

Com a camisa de Portugal, ele usa o número 7, o nome de Ronaldo às costas porque, como ele diz:

"Cristiano é deus".

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