Com mistura de tradicional e moderno, torcida da Arábia Saudita rouba a cena

Terceiro país que mais comprou ingressos chama a atenção com festa e diversidade

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Doha (Qatar)

A música gruda como chiclete. Ela dominou o metrô de Doha neste sábado (26) até a estação Education City. Espalhou-se pelas vias de acesso ao estádio de mesmo nome.

"Oê, oê, oê Saudi, oê Saudi", é a letra simples, mas de melodia difícil de esquecer.

A canção é a aliança da terceira torcida mais numerosa da Copa do Mundo e a que mais chama a atenção no Qatar com sua seleção.

"Virou uma febre no país. Após o que aconteceu no último jogo, muita gente quer vir para o Mundial, mas não consegue mais ingressos", diz Raeem Khan, 29.

O que "aconteceu no último jogo" foi uma zebra histórica. De virada, a Arábia Saudita derrotou a Argentina por 2 a 1 e terminou a primeira rodada na liderança do Grupo C. Uma vitória contra a Polônia significaria a classificação antecipada para as oitavas de final.

Torcida da Arabia Saudita canta hinos e faz muito barulho no estádio Cidade da Educação, na partida contra a Polônia - Gabriela Biló/Folhapress

"Que Deus esteja do lado dos verdes", cantaram também os sauditas repetidas vezes, em alusão à cor do uniforme e da bandeira do país.

Não deu certo desta vez. A equipe criou chances, perdeu pênalti e caiu diante da Polônia por 2 a 0. Se não aconteceu a repetição do resultado, não foi por causa da sua torcida.

Parte do público no Education City compareceu para tentar recuperar o tempo perdido e continuava a lamentar a ausência diante da Argentina. A viagem até Doha, feita de carro pela maioria, foi para poder dizer que fizeram parte da história. Talvez de forma tardia, mas fizeram.

"Eu me arrependo muito de não ter vindo. Em Riad [capital s audita], não se fala em outra coisa. E nem é preciso viajar muito para ver a nossa seleção na Copa. Eu não acredito que não vim contra a Argentina! De verdade. É uma tristeza que não passa", não para de reclamar Mohamed Abudawood, 35.

O caminho de Riad a Doha, de carro, é de 575 quilômetros. O único contratempo é a necessidade de trocar o veículo saudita, na fronteira entre os dois países, por outro, com placa qatariana.

As duas famílias reais têm uma complicada relação diplomática. Até 2021 vigorava bloqueio comercial de outras nações árabes, lideradas por Arábia Saudita e Emirados Árabes, ao Qatar pela suspeita de financiamento ao terrorismo. Enquanto vigorava o embargo, era quase impossível atravessar a fronteira terrestre.

Abudawood quase não foi à partida contra os poloneses em Doha. Foi incentivado pela mulher Nogood Elkheaeagy, 29, que previu arrependimento maior ainda se o marido não visse a equipe no Mundial. Eles estavam sentados lado a lado no estádio Education City.

O confronto com a Argentina não chamou a atenção apenas pelo que se viu em campo. A torcida saudita calou a sul-americana. Cantou mais e mais alto. Foi premiada com uma atuação para a posteridade. Diante dos poloneses, pode não ter se repetido o desempenho dos jogadores. Mas o dos torcedores, sim.

Segundo o Supremo Comitê da Entrega e Legado, responsável pela organização do torneio, a Arábia Saudita foi o terceiro país que mais comprou ingressos. Foram 123.228 dos 2,7 milhões negociados. Ficou atrás apenas de Qatar (947.846) e Estados Unidos (146.616).

Poderiam ser mais se suspeitassem o que ocorreria na estreia.

"Decidi vir depois do que aconteceu contra a Argentina. Depois desse resultado, toda a Arábia Saudita queria estar aqui", acredita Ahmed Alnawiti, 34, ao lado da mulher Aysha, 35. Eles costumam frequentar partidas da liga local. Jogo de Copa do Mundo, este diante da Polônia, foi o primeiro.

A Arábia Saudita perdeu em campo. Nas tribunas, foi um novo massacre. Os árabes não arrefeceram nem nos piores momentos, como no gol de Piotr Zielinski ou quando Aldawsari perdeu pênalti no final do primeiro tempo. O fanatismo só não resistiu ao erro de Al Malki que deu a Lewandowski seu primeiro gol em Copas do Mundo e o 2 a 0 final. Mas querer que eles continuassem animados depois disso era esperar demais.

No Qatar, os sauditas apresentam uma torcida em que homens de túnica branca estão sentados ao lado de outros com o verde da seleção. Em que mulheres de véu ou burca são vizinhas de outras maquiadas e vestidas com calças jeans.

"Eu estou acostumada a ver pela TV, mas depois da vitória contra a Argentina eu tinha de vir ao estádio. Foi algo incrível", afirma Aya (não forneceu o sobrenone), 19, animada ao lado de dois irmãos e um amigo, todos aparentando a mesma idade. Ela vive no Qatar há 14 anos.

Depois de a seleção bater o time sul-americano na estreia, o rei Salman decretou feriado nacional na Arábia Saudita. Existia a expectativa de que o mesmo pudesse acontecer neste domingo após novo resultado positivo diante da Polônia. Não aconteceu.

"Para quem viveu os últimos Mundiais, quando só entramos como figurantes, viver isso aqui é mágico. Mesmo se perdermos, vamos chegar à última rodada com chances", definiu Raeem Khan.

Ele tem razão. Até um empate com o México, a depender de combinação de resultados, pode levar a equipe para as oitavas de final. Isso significa que sauditas vão atravessar a fronteira em massa, mais uma vez, para a partida da próxima quarta-feira (30).

Torcedora da Arábia Saudita acompanha derrota de sua seleção, por 2 a 0, para a Polônia, na Copa do Mundo do Qatar - Gabriela Biló/Folhapress
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