Sentado em uma caminhonete branca 4x4, Nasser al-Marri assistia à corrida de seu camelo com controle remoto pelo deserto do Qatar e insistiu que o esporte torna o futebol insignificante, feita a comparação.
Enquanto o Qatar se prepara para a chegada de mais de um milhão de torcedores para a Copa do Mundo, a pista de corridas de camelos em Al-Shahaniya espera ganhar um reforço com o esporte mais popular do mundo.
"Os camelos fazem parte de nós. Eles são nossa maior paixão", disse Nasser, 23, sentado num veículo com três outros treinadores de camelos, os "mudammer", na pista a 40 km a leste da capital, Doha.
Dirigindo paralelamente à pista, eles controlam pequenos jóqueis-robôs nas costas dos camelos e os fazem ganhar velocidade –uma inovação moderna para substituir os jóqueis infantis que costumavam realizar a atividade perigosa.
"É o esporte número um no Golfo", afirmou Nasser, enquanto os quatro jovens –como grande parte do país– aguardam ansiosamente a Copa, que começa no domingo (20).
Abdallah Hafiz, 21, disse que vai torcer pela Holanda e espera que muitos torcedores de futebol cheguem à pista "para descobrir o esporte de nossos ancestrais".
Em um pequeno café perto da pista, Ali al-Marri, 66, tomando um tradicional café árabe, disse à AFP que começou nas corridas de camelos "antes de Doha se tornar o que é hoje".
Ele relembrou os tempos em que não havia pistas de corrida e as competições não eram divididas em categorias por tamanho, idade e sexo. Os jóqueis simplesmente corriam em jardins e parques perto de Doha.
Seu pai passou essa paixão para ele, declarou Ali, que agora está "aposentado".
Além de treinar os animais, os "mudammers" também são responsáveis por garantir a saúde e o bem-estar dos camelos. "É um esporte caro, mas os camelos são toda a minha vida", disse Ali.
Quando a corrida terminou, Abu Hussein, um sudanês de 35 anos, e outros trabalhadores estrangeiros tiraram os jóqueis-robôs dos camelos e guiaram os animais de volta para um dos muitos estábulos em Al-Shahaniya.
'Milhão de dólares'
O dono de imóveis Abdallah Hafiz, 52, disse que as corridas de camelos exigem dinheiro, esforço e perseverança.
O preço de um camelo começa em cerca de US$ 10 mil (R$ 53 mil), e treinamento e cuidados custam pelo menos US$ 1.500 (R$ 8.000) por mês, explicou. Mas, para um camelo vencedor, "não há limite de preço, que pode ultrapassar US$ 1 milhão [R$ 5,3 milhões]".
As apostas são proibidas no país islâmico, mas há disputa de prêmios valiosos, geralmente oferecidos pela família governante, que patrocina o esporte tradicional.
Um carro de luxo de US$ 100 mil (R$ 530 mil) é um prêmio comum, mas para algumas corridas nacionais ou regionais podem ser "de várias dezenas a 200 veículos, ou até mais", afirmou Hafiz.
Até duas décadas atrás, os jóqueis eram crianças trazidas de países pobres. Quanto mais leves fossem, maiores as suas chances.
Mas os países do Golfo proibiram essa prática, cedendo à pressão internacional, após acidentes mortais e abusos de alguns pais que privavam seus filhos de comida para que não ganhassem peso.
Agora são os robôs aplicam os estalos do chicote nos camelos.
O sobrinho de Hafiz, Mohamed, 27, um ex-jogador de futebol que estava com o tio em Al-Shahaniya, disse que os dois esportes exigem treinamento rigoroso e "grande atenção".
Mas, ao contrário de alguns treinadores, o aposentado Nasser diz que "o futebol não me interessa. O único esporte para mim é a corrida, e quando estou perto do meu camelo sinto que o mundo inteiro é meu".
Neymar esteve lá
No banco de trás do carro de Nasser, Ahmad Ali, 18, mostrou um vídeo, em seu telefone celular, do craque brasileiro Neymar visitando Al-Shahaniya com o time do Paris Saint-Germain, em 2019, para uma corrida especial em sua homenagem.
"Espero que Neymar volte com seus companheiros brasileiros e que outros times venham a Al-Shahaniya para descobrir nosso esporte nacional e sua atmosfera festiva", afirmou Ahmad.
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves
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