Mulheres negras usam futebol em projeto de empoderamento em Minas

Time amador de Betim, parte do projeto Play Like a Woman, recebe formação em esporte e igualdade de gênero

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Belo Horizonte

Em 2019, um grupo de mulheres em sua maioria negras de Betim, região metropolitana de Belo Horizonte, acompanhava os maridos em peladas de futebol semanais na área central da cidade.

Foi então que surgiu a vontade de trocar o posto de espectadoras pelo de protagonistas em campo. Elas passaram a alugar o espaço para jogar bola no fim do dia. Foi ali que nasceu o Galácticas Futebol Clube, time de futebol amador que, desde então, passou a atuar na região de Vianópolis, na periferia de Betim.

De um simples time, a iniciativa evoluiu para um projeto que trabalha questões como empoderamento feminino e racismo.

mulher negra de costas com a camiseta galácticos FC em campo de futebol
Atleta do Galácticas FC, time de futebol feminino amador que faz parte de projeto de empoderamento feminino e combate ao racismo em Betim (MG) - Arquivo Pesoal

A psicóloga Jéssica Silva, 27, foi uma das fundadoras do clube. "Encerrei minha carreira com 20 minutos porque sou sedentária, mas, em minha defesa, fiz um gol antes de cuspir o pulmão no gramado", brinca.

Apesar de não conseguir acompanhar como jogadora, Jéssica viu no time a oportunidade de promover o protagonismo feminino entre as colegas.

Ela criou o projeto Play Like a Woman —Jogue como uma mulher, na tradução para o português—, que foi selecionado em fevereiro deste ano pelo The IVLP Impact Award, do Departamento de Estado dos Estados Unidos, com verba de US$ 4.000 (cerca de R$ 21 mil).

O recurso financiou equipamentos para o time, além de promover encontros com as jogadoras profissionais Ana Lourenço (Atlético Mineiro) e Maria Eduarda (Flamengo e seleção brasileira) e um workshop com os norte-americanos Elizabeth Cox, especialista em condicionamento físico, e Timothy Bryson, treinador.

"O projeto amplia os horizontes dessas mulheres, ele traz a possibilidade de profissionalização, de encarar o futebol como carreira no Brasil e fora dele", afirma Jéssica.

Os intervalos de jogos são utilizados para debater questões como desigualdade de gênero, empoderamento feminino e bem-estar.

"O time popularizou uma frase, que é repetida sempre: não é só futebol. Elas começam a se sentir seguras para falar dos seus próprios demônios", conta Jéssica.

Foi por meio dessas conversas que mulheres foram encaminhadas para a assistência social do município, após o projeto identificar situações de vulnerabilidade social.

mulher negra com uniforme de futebol posa para a foto
Sueli Oliveira, 44, trabalha com projetos sociais e é uma das fundadoras do time - Arquivo Pessoal

A equipe do projeto também mantém parcerias com o Centro de Referência de Atendimento à Mulher, da Prefeitura de Betim, e com a Delegacia da Mulher, para orientação sobre violência doméstica. "Até hoje não aconteceu, mas estamos atentas e contamos com uma rede de apoio caso ocorra alguma violência contra elas."

Mais de 200 mulheres já passaram pelo clube amador nos três anos de atuação. Atualmente, o Galácticas conta com 35 jogadoras, entre 12 e 44 anos.

A mais experiente, Sueli Oliveira, 44, trabalha com projetos sociais e é uma das fundadoras do time. Apaixonada por futebol desde criança, teve poucas oportunidades de jogar bola ao longo da vida, em um esporte que é mais identificado com o sexo masculino.

De fato, o decreto de 1941, assinado por Getúlio Vargas, proibiu que mulheres praticassem esportes "incompatíveis com as condições de sua natureza", aí incluído o futebol.

O texto só foi suspenso em 1979, quando Sueli tinha um ano de idade. Hoje, ela vê o esporte como lazer, mas o projeto trouxe de volta o sonho de uma carreira.

"Na palestra com os americanos, eles falaram que no exterior as mulheres mais velhas são valorizadas no futebol feminino. Isso acendeu uma luz. Quem sabe eu consiga algo lá fora?", diz.

A personal trainer Franciele Melo, 24, também projeta uma carreira no futebol, mas como treinadora. Ela sonha em atuar no Cruzeiro, time do coração, mas também gostaria de integrar a comissão técnica do Corinthians.

Franciele acredita que esse é um espaço que precisa ser ocupado por mulheres negras. "As oportunidades para mulheres negras são reduzidas não só na área esportiva, mas em todas as áreas. A gente tem que buscar essa representatividade."

time de futebol enfileirado em campo, com maioria mulheres
Jéssica Silva (ao centro, agachada), com parte do time após notícia de que receberam verba de projeto do Deprtamento de Estado americano - Arquivo Pesoal

Apesar do desejo de comandar um time, Franciele se inspira na jogadora Formiga, dona de uma das carreiras mais longevas no futebol feminino brasileiro e que se prepara para comentar a Copa do Mundo na TV Globo.

"Quando você fortalece uma mulher em um aspecto da vida dela, ela se fortalece em outros e isso gera uma reação em cadeia. Então, essas mulheres estão mais decididas de onde querem estar, onde podem estar, e vão influenciando outras mulheres", afirma a psicóloga Jéssica Silva.

Times amadores da região vão se enfrentar em 11 partidas, com premiações para o time vencedor e para as melhores atletas. Desta vez, os maridos é que vão ficar de espectadores.

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