Descrição de chapéu Copa do Mundo 2022

Legislação dura do Qatar é cumprida quando convém, dizem moradores

Código proíbe participação em cultos de religião que não o islã, mas Doha tem uma igreja católica

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Doha (Qatar)

O casal de veterinários paulistas Giovana Morais, 26, e Matheus Seixas, 34, se mudaram para o Qatar após uma proposta de trabalho de uma empresa privada. Ele foi em 2019 e ela, um ano depois. A desconfiança dos dois girava em torno da oferta, muito acima dos padrões do mercado brasileiro, e das diferenças culturais do país.

Mas se adaptaram —e sequer pensam em voltar tão cedo para o Brasil. O casal aponta que o pequeno país do Oriente Médio, que tem restritivas leis em relação a comportamento e crenças, "faz vista grossa" em relação às determinações escritas em sua legislação. Oferece também melhor qualidade de vida em relação à nação sul-americana.

"São exceções ou casos que vieram a público por alguma coisa. Acho que cada um pode ter a sua vida privada e ninguém precisa ficar sabendo de nada", diz Seixas.

Público tira fotos com estátua do mascote da Copa, La'eeb, no mercado Souq Waqif, em Doha
Público tira fotos com estátua do mascote da Copa, La'eeb, no mercado Souq Waqif, em Doha - Susana Vera/Reuters

O Código Penal do Qatar tem uma seção para crimes sociais, que trata do comportamento em relação a religião, bebidas, apostas, adultério, imoralidade, fornicação, entre outros.

Apesar de altamente restritivo, moradores apontam que o regime do país, uma autocracia, não exige o cumprimento da lei à risca. Em alguns casos, o segredo é não tornar o feito público, dizem.

O código, por exemplo, determina pena de até cinco anos para aqueles que promoverem ou participarem de cultos de outra religião que não o islã. Ao mesmo tempo, Doha, capital do Qatar, tem uma igreja católica em um espaço reservado, escondido e afastado do centro, embora aberto.

O país também proíbe todos de se alimentarem durante o Ramadã, período em que os adeptos ficam em jejum do nascer ao pôr do sol. A pena é de três meses de prisão, além de possível multa de cerca de R$ 3.400.

Com a Copa do Mundo, houve dúvidas se a radicalidade das leis e orientações não seria um impasse aos turistas estrangeiros. Uma delas, a recomendação de que se vista roupas que escondam ombros e estejam abaixo dos joelhos, foi aliviada.

A situação foi percebida pela veterinária Morais, que antes via como problema entrar no shopping para fazer compras usando roupas que não cumprissem as instruções. Ao menos durante o campeonato, a situação mudou.

"Se eu estou de shorts e regata, eu não posso entrar, porque tem ‘dress code’, aí eu tenho que pensar na roupa que eu vou colocar. E durante a Copa, não", diz.

Outro ponto de tensão para os turistas foram as leis que determinam que o sexo fora do casamento é crime, também parte dos códigos sociais. O casal pode ser condenado a até sete anos de prisão.

Durante o Mundial, porém, casais estrangeiros fora do matrimônio não tiveram problemas ao reservarem quartos juntos.

Longe do período do campeonato, moradores apontam que o governo não tem meios para fiscalizar esse tipo de infração. Ponderam que é importante, porém, manter a vida íntima em privacidade para não ter problemas e que o regime parece aplicar a lei quando conveniente.

À reportagem da Folha a antropóloga Francirosy Campos Barbosa, docente da USP e coordenadora do Gracias (Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes), lembra que em religiões como o islamismo adeptos não devem mostrar seus erros, embora os cometa.

"A religião tem uma coisa em que você não apresenta o seu pecado", diz.

Quando o assunto é homossexualidade, porém, a vigilância é repressiva. No Qatar, ter relações com pessoas do mesmo sexo pode levar à prisão ou morte, no caso de muçulmanos. A Human Rights Watch, que frequentemente denuncia violações de direitos da comunidade LGBTQIA+ no país, afirma em um relatório de abril de 2018 que não teve conhecimento de episódios de execução.

Durante o Mundial a repressão contra a comunidade continuou, de modo que sua segurança não foi assegurada e sua presença, de forma representativa, não foi notada.

Um levantamento publicado no portal noruegues NRK, mostrou que hotéis credenciados pela Fifa para o campeonato se recusaram a hospedar um casal homossexual. De 69 acomodações, 3 disseram que não aceitariam a reserva e outros 20 pediram que o casal evitasse demonstrações públicas de afeto, sugerindo que não se vestissem como gays. Já 33 deles aceitaram a reserva.

Dois meses antes do início do campeonato, o emir Tamim bin Hamad Al Thani disse que torcedores homossexuais de todo o mundo eram bem-vindos "sem discriminação".

No mesmo período em que a liderança máxima do país assegurou a segurança da comunidade, gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros foram arbitrariamente presos, segundo a Human Rights Watch.

No mês de início do Mundial, o ex-jogador da seleção do Qatar e embaixador da Copa Khalid Salman chamou a homossexualidade de "dano mental". Ele acrescentou ainda que ser gay é um "haram", pecado no islã.

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