D'Almeida usa dor de Tóquio por melhor versão no tiro com arco

No topo do ranking mundial, arqueiro brasileiro de 25 anos vive grande momento e sonha com inédita medalha olímpica

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Santos

Marcus D’Almeida não conseguiu disfarçar a frustração assim que foi derrotado pelo italiano Mauro Nespoli, em 30 de julho de 2021, no Yumenoshima Park Archery Field, em Tóquio.

O resultado assegurou ao brasileiro a nona colocação geral na última Olimpíada, a melhor marca da história do tiro com arco do país. O resultado, nem de longe, parecia satisfazê-lo.

"Venho de um lugar que estar entre os dez do mundo é f..., mas eu podia ir para a medalha. E eu ainda posso em Paris", disse D’Almeida, minutos após o fim da participação na competição.

Desde então, ele utilizou o resultado como uma espécie de provocação a si mesmo. Dezoito meses depois, aos 25 anos, o arqueiro alcançou no último dia 6 de fevereiro a liderança do ranking da modalidade. E já sonha com mais.

Marcus D'Almeida durante a qualificação individual masculina nos Jogos Olímpicos de Tóquio
Marcus D'Almeida durante a qualificação individual masculina nos Jogos Olímpicos de Tóquio - Adek Berry - 28.jul.21/AFP

"A derrota em Tóquio doeu bastante, aprendi muito com ela. Pode parecer algo simples, só que acreditava muito que poderia ter avançado, ter ido além. O meu adversário foi melhor, mas ganhou por ter uma cabeça bem mais preparada", diz à Folha.

No amargo revés, Nespoli abriu a disputa marcando 29 pontos em 30 possíveis –acertando dois dos três tiros no 10, pontuação máxima do alvo dividido por dez setores coloridos de 1 a 10. Marcus somou 28 nas três tentativas.

Atrás do placar, na segunda parcial, o brasileiro acertou uma das flechas fora da zona central, a amarela, onde fica a maior pontuação deixando o adversário abrir vantagem. O erro ainda foi repetido por mais duas vezes no terceiro e último set.

"Há muitas coisas sempre, mas o principal ponto em que evoluí foi na maturidade mental. Sei, agora, como é estar com a cabeça 100% ali naquele momento", conta.

O atleta carioca realiza desde 2015 acompanhamento com a psicóloga Aline Wolff, do COB (Comitê Olímpico Brasileiro).

Ele conta, porém, que não houve nenhuma significativa mudança para o ciclo de Paris, o novo momento é resumido em duas experiências: a de Tóquio, pela dor, e a de Yankton, nos Estados Unidos, sua redenção.

Menos de dois meses depois da derrota lamentada no Japão, ele conquistaria no Mundial de Yankton uma valorizada medalha de prata sendo elogiado pessoalmente pelo americano Brady Ellison, uma das principais referências do esporte.

"Depois de tudo, veio o Mundial e aí completou uma virada de chave fundamental. Pensei: ‘não tem como mais não acreditar, agora’".

A transformação mental da qual se orgulha não foi a única mudança desde Tóquio. Ele deixou de ser treinado pelo cubano Jorge Carrasco e passou a trabalhar no ciclo para Paris com o jovem técnico italiano Alberto Zagami, contratado pela CBTArco (Confederação Brasileira de Tiro com Arco) em janeiro de 2022.

"São perfis diferentes, mas sinto muitas melhoras. Ele trabalha com equipamentos bem avançados e insisto muito na questão da força, do físico mesmo", explica.

Na puxada rotina de treinamentos diários são cerca de sete horas em campo –trabalhando entre 250 a 400 tiros em dois períodos. Há, também, uma hora diária de academia, além de sessões de fisioterapia e massoterapia.

A transformação física do atleta acontece desde o Pan-Americano de 2019, em Lima. Ele ganhou a medalha de prata pesando 103 kg. Pouco mais de dois anos depois, após mudar radicalmente os hábitos alimentares com o auxílio de uma nutricionista, tinha 83 kg e exibia músculos.

Passou, também, a investir em períodos de preparação fora do país. Foi fundamental, especialmente, as experiências vividas na Coreia do Sul, considerada a maior referência da modalidade.

"Tive pequenos ajustes técnicos recentes, mudei muito na Coreia. Agora, o foco é mais físico, em ter força para manter o nível nas competições", diz.

A evolução foi confirmada com o título da etapa francesa do Mundial, em Paris, em junho do último ano.

Na final, assim como na Olimpíada, ele saiu atrás no placar, desta vez para o sul-coreano Kim Je Deok. Empatou e, no fim, garantiu a vitória ao acertar o centro do alvo, enquanto o adversário parecia sucumbir à pressão.

A liderança do ranking foi assegurada com o título inédito do torneio The Vegas Shoot –competição indoor (espaço fechado) em Las Vegas, nos Estados Unidos, com outros 66 competidores. A vitória o alçou a 290,5 pontos, somente 0,5 a mais do que o segundo colocado, o sul-coreano Kim Woojin.

Visto desde muito jovem como um prodígio no esporte, D’Almeida pegou pela primeira vez em um arco em uma clínica da CBTArco em Maricá, em 2010, aos 12.

Quatro anos depois, confirmaria a enorme expectativa ao conquistar a medalha de prata nos Jogos Olímpicos da Juventude de Nanquim, na China, em 2014.

Ainda foi campeão mundial júnior, em 2015, e chegou a primeira Olimpíada, a do Rio-2016, com apenas 18 anos, ganhando o apelido de "Neymar arqueiro".

"Isso foi algo dos chineses, muito pela febre sobre o Neymar. Ficou no passado, ninguém mais me chama assim", afirma.

Neste ano, ele deve passar por um período de treinamentos na Turquia. Antes de Paris, o principal objetivo é a conquista de um inédito ouro no Pan-Americano de Santiago.

Mais preparado fisicamente e, principalmente, mentalmente, ele acredita que poderá em breve escrever ainda mais o próprio nome na história da modalidade. Desta vez, sem comparações com o jogador do Paris Saint-Germain. Será só Marcus D’Almeida.

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