Ator e youtuber faz sucesso dublando polêmicas do futebol

Gustavo Machado dá voz a provocações e brigas que ocorrem durante as partidas

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São Paulo

Quando o Brasil foi eliminado pela Croácia nas quartas de final da Copa do Mundo no Qatar, em dezembro do ano passado, o ator e dublador Gustavo Machado, 24, encontrou uma oportunidade.

A torcida brasileira ainda tentava entender como a seleção de Tite deixou escapar uma vitória nos minutos finais da prorrogação antes de ser superada nos pênaltis, quando viralizou nas redes sociais um vídeo de Neymar discutindo com Fred.

Dava para ver como o camisa 10 estava nervoso com a decisão do volante de ir ao ataque àquela altura do jogo, mas era preciso uma leitura labial para de fato entender a bronca dele no companheiro de time. Foi aí que Gustavo, ainda sem perceber, achou uma brecha para divulgar seu trabalho.

"Eu lembro que eu vi a discussão ao vivo e eu entendi o que ele falou só de vista. Deu para fazer a leitura com facilidade. Aí eu pensei: eu dublo, tenho prático com isso, acho que vou fazer aqui só para o pessoal entender o que foi dito e sentir a mesma frustração que eu senti", conta o ator à Folha. "Confesso que fiz esse vídeo despretensiosamente, mas viralizou num nível bizarro."

O trecho é curto, de apenas 20 segundos, mas a dublagem feita por ele revelou o sentimento de frustração de Neymar naquele exato momento.

"Aí, aí. Não tem necessidade de você subir junto, pai. Não tem necessidade para você subir. Fica aqui. Está 1 a 0, faltando cinco minutos. Vai dar opção? Vai dar opção para os caras atacar? Tem que segurar o jogo aqui atrás", afirma Neymar segundo a interpretação do dublador.

Desde sua publicação, em 10 de dezembro, no dia seguinte à derrota da seleção, o vídeo acumula mais de cinco milhões de visualizações somente no YouTube.

"Desde então, eu comecei a focar nesse tipo de conteúdo. Eu entendi que tinha um público que quer saber o que acontece [durante um jogo]. Virou mais um ramo de dublagem que eu atuo agora", conta Gustavo.

Depois da bronca de Neymar, a fúria de Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, para cima do atacante Calleri, do São Paulo; as provocações entre Marcelo, lateral do Fluminense, e o atacante Gabigol, do Flamengo; a ironia do atacante Hulk, do Atlético-MG, contra o árbitro Wilton Pereira Sampaio e os auxiliares dele; entre outras cenas polêmicas do futebol também foram alvos das interpretações do ator.

Com serviços prestados para plataformas como Netflix, Globoplay e HBO, o dublador gosta da liberdade que ele tem para fazer os vídeos com temática esportiva. É ele quem escolhe os lances, faz a transcrição das falas, edita e dubla.

Em geral, o trabalho costuma levar de três a quatro horas. Entre as etapas, a que mais lhe toma tempo é a busca por diferentes ângulos de um lance para fazer a leitura labial, incluindo vídeos de emissoras de TV e outros amadores, feitos por torcedores, além de reportagens de jornalistas que trabalharam nos eventos.

"A dublagem é o que faço mais rápido devido à experiência que eu já tenho. Gasto mais tempo fazendo a leitura labial e também no trabalho de pesquisa em veículos de imprensa para entender exatamente o que foi dito durante um jogo."

Ator e dublador Gustavo Machado, famoso na internet por dublar lances do futebol
Ator e dublador Gustavo Machado, famoso na internet por dublar lances do futebol - Arquivo pessoal

Embora não seja um especialista em leitura labial, a técnica faz parte do trabalho dele como dublador. "Eu tenho que ter uma responsabilidade, eu não invento falas", explica.

O profissional diz, ainda, ter um cuidado maior quando produz vídeos de lances com atletas estrangeiros ou mesmo de brasileiros que atuam no exterior. Nestes casos, além da transcrição das falas, há também um trabalho de adaptação. "Assim como em um filme dublado, eu faço a 'versão brasileira', com palavras que são mais comuns aqui."

Torcedor do Flamengo, Gustavo diz que costuma receber pedidos de fãs de vários times para criar dublagens com lances atuais e antigos.

Não é de hoje, aliás, que conversas de jogadores, técnicos e árbitros geram curiosidade. No passado, fazer a leitura labial das provocações e discussões em campo já rendeu muitas polêmicas.

Durante a Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, o Fantástico, da TV Globo, criou um quadro no qual três homens surdos faziam a leitura labial do que o técnico Carlos Alberto Parreira dizia em campo durante as partidas da primeira fase.

O treinador reclamou à época que teve sua privacidade invadida e que a leitura labial feita pela Globo não correspondia fielmente às suas palavras. A reclamação rendeu um pedido de desculpas durante o Jornal Nacional, em uma nota lida pela apresentadora Fátima Bernardes.

A irritação de Parreira também tinha outro motivo. Não era a primeira vez que suas falas em campo eram alvos de interpretações externas. Na Copa de 1994, o extinto jornal paulista Notícias Populares publicou reportagem baseada na leitura labial de uma discussão entre o técnico e o atacante Müller após a vitória por 1 a 0 sobre os Estados Unidos nas oitavas de final.

Segundo a reportagem, o atacante teria gritado: "Assim não vai dar para ganhar nada, porra! Tá todo muito em cima de nós", ao que o técnico teria respondido: "Tá bom. Não está certo. Eu sei o que estou fazendo". Muller teria completado, ainda exaltado: "Eu sei que está tudo errado, mas é assim mesmo, porra! Foda-se."

Quando reclamou do quadro do Fantástico, Parreira fez questão de lembrar esse episódio 12 anos depois do ocorrido. "O que o Muller falou para mim não foi nada daquilo que foi colocado", criticou.

Gustavo Machado, por enquanto, não enfrentou esse tipo de problema. Nenhum jogador, técnico ou árbitro reclamou de seu trabalho. Só o que tem chegado para ele são os pedidos dos torcedores. "Por mim, eu faria de todos os times brasileiros."

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