Descrição de chapéu The New York Times

Três escaladores americanos resolvem o 'último grande problema do Himalaia'

Escalar a face norte do Monte Jannu sem cordas fixas ou oxigênio foi 'a maior escalada de todos os tempos', muito mais difícil do que alcançar o cume do Everest

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John Branch
Salt Lake City (EUA) | The New York Times

Três escaladores americanos deitaram no escuro, compartilhando um saco de dormir feito sob medida em uma plataforma portátil pendurada em um penhasco maciço no alto do Himalaia. Eles estavam ancorados na face norte do Monte Jannu, uma das maiores e mais íngremes paredes de rocha do mundo.

O vazio abaixo deles era de 3.048 metros de ar preto e fino. Acima deles, ao alcance, havia algo que a maioria das pessoas só pode imaginar.

"Eu sei que ainda temos muito a fazer", disse Alan Rousseau a seus dois companheiros escaladores. "Mas sinto que acabamos de fazer algo legal."

No dia seguinte, Rousseau, Matt Cornell e Jackson Marvell —pouco conhecidos fora dos círculos de escalada, por enquanto— estavam no cume de Jannu. Diante deles estavam as pontas brancas de outras grandes montanhas, incluindo o Everest e o Kangchenjunga.

(Da dir. p/ esq.) Alan Rousseau, Matt Cornell e Jackson Marvell no monte Jannu
(Da esq. p/ direita) Alan Rousseau, Matt Cornell e Jackson Marvell no monte Jannu - Jackson Marvell - 1.dez.2023/The New York Times

Eles podem não ter tido a perspectiva completa. Isso agora está vindo de outros montanhistas de elite, que veem a ascensão do grupo na face norte de Jannu como uma conquista monumental.

"Em minha opinião, é a maior escalada de todos os tempos —a maior escalada alpina", disse Mark Synnott, um renomado escalador e autor que foi impedido pela face norte de Jannu em 2000 e a chamou de "último grande problema do Himalaia".

Com 7.709 metros, Jannu —com sua localização remota e combinação de altura, íngremeza e altitude— é um dos picos mais desafiadores para os escaladores. Sua face norte, especialmente, tem agitado e atormentado os escaladores.

Outros já haviam chegado ao topo de Jannu, mas não muitos. Nenhum havia feito essa rota seguindo a ética mínima de uma ascensão em estilo alpino: sem oxigênio suplementar, sem cordas fixas antecipadamente, sem carregadores além do acampamento base.

Os três homens usaram apenas o que podiam carregar em suas costas.

"É a maneira mais simples de fazer algo", disse Rousseau. "Você começa lá embaixo e vai até o topo."

Rousseau, Cornell e Marvell se reuniram em Utah no mês passado para compartilhar sua história pela primeira vez —o sonho de anos; a luta diária para subir quase 3,2 quilômetros de rocha e gelo quase vertical; as pontas dos dedos enegrecidos e congelados que ainda precisavam se curar.

Os três escaladores ainda não haviam processado completamente sua conquista.

"Fizemos algo que não achávamos possível", disse Rousseau. "Isso nos deu a realização de que podemos escalar em uma das maiores arenas que existem."

Eles chamaram sua expedição de "Round-trip Ticket", em referência a Valery Babanov e Sergey Kofanov, que completaram uma ascensão alpina da coluna oeste de Jannu em 2007.

"Talvez um dia, um par subirá uma rota direta na face norte em estilo alpino", escreveu Kofanov em 2017, "mas eles precisarão aceitar a probabilidade de que estão comprando uma passagem só de ida."

Acampando em uma fenda

A expedição começou com uma viagem de 30 horas saindo de Kathmandu, Nepal. Uma caminhada até o acampamento base começou a 1.524 metros de altitude, e por seis dias, os escaladores usaram carregadores e animais de carga para subir em terreno pantanoso semelhante a uma selva.

O acampamento base foi estabelecido aos pés da face norte de Jannu em um prado a 4.724 metros. Chegando em 17 de setembro, os escaladores se aclimataram à altitude e estudaram previsões, procurando uma janela de tempo de uma semana com tempo limpo.

No início de outubro, eles encontraram um período promissor.

"Isso removeu muito estresse", disse Marvell.

Eles prepararam suas mochilas de escalada, aproveitando o equipamento cada vez melhor. As ferramentas de escalada —piolets, crampons, parafusos de gelo, pitons e assim por diante— são mais fortes e leves do que nunca.

As cordas também. Os escaladores usaram duas cordas, cada uma com 60 metros de comprimento. Uma era uma corda de nylon de 9 milímetros para escalada, a outra mais fina para que o escalador líder pudesse levantar equipamentos, permitindo que os companheiros de equipe se concentrassem e subissem sem carga nas costas.

Eles levaram comida desidratada. Tinham um fogão, uma panela e um saco de dormir de 900 gramas, largo o suficiente para acomodar três homens, para melhorar o calor corporal. A inovação técnica mais útil pode ter sido as duas redes de dormir infláveis de uma pessoa, plataformas suspensas que poderiam ser ancoradas nas laterais de penhascos para que os escaladores pudessem descansar. Os escaladores prendiam as redes lado a lado e dormiam com a cabeça apoiada na rocha e os pés voltados para o vazio.

A escalada começou em um sábado de outubro. Era uma escalada "mista" —uma mistura de rocha, neve e gelo— com os homens se revezando na posição de liderança.

Os primeiros dois dias envolveram cerca de 1.828 metros verticais de escalada, 60 metros de corda de cada vez.

Eles dormiram a primeira noite a 5.791 metros, em uma fenda "onde o movimento do glaciar se separa do gelo que está preso à face da montanha", disse Rousseau. "O que parece loucura para muitas pessoas, é que acampamos dentro de uma fenda, essencialmente."

Eles podiam sentir e ouvir o movimento do gelo glacial.

"É incrível ver o quão rápido isso está se afastando da montanha e o quão ativo é", disse Marvell.

Essa instabilidade era um perigo constante. Pedras e gelo caíam rotineiramente sobre os homens. Fragmentos cortavam sua lona, enquanto descansavam em suas redes de dormir à noite, mas não causavam ferimentos.

"Eles não eram grandes o suficiente para machucar você", disse Cornell sobre os fragmentos. "Eles apenas destruíam todo o seu equipamento."

No quarto dia, Cornell estava abaixo de Rousseau e Marvell quando os viu desaparecer em uma nuvem de gelo e neve caindo.

"Oh, Deus, eles vão ser mortos por isso, vai arrancar a âncora e depois vai me puxar porque estou preso à corda", lembrou Cornell. "Então, eu estava apenas me preparando, pronto para ser enviado para baixo da montanha. E então tudo passa por eles, e eles estão se movendo: Estamos bem!"

Os homens riram juntos ao contar a história. Eles dormiram naquela noite no buraco que o pedaço de gelo caído havia deixado para trás. O capuz da jaqueta de Marvell foi rasgado no episódio. "Eu estava soltando penas pelo resto da escalada", disse ele.

Cornell liderou o grupo por um longo trecho de lances técnicos no quinto dia, enquanto os homens avançavam além dos ápices de outras tentativas no estilo alpino. Eles estavam se aproximando do topo da face norte.

"A improbabilidade desapareceu", disse Marvell.

Em um sexto dia de 10 horas, eles chegaram ao topo da parede —o verdadeiro objetivo— e escalaram um trecho complicado, mas não vertical, em direção ao cume.

Antes de chegar lá, Marvell tirou uma luva e descobriu que seus dedos estavam com bolhas, um sinal de congelamento grave. Os homens discutiram as opções.

"Estamos a 100 metros do topo, e temos a melhor janela climática da década", disse Marvell. "Vale a pena potencialmente perder a ponta de um dedo, sabe, ou esse congelamento vai piorar? E me pareceu que valia o risco."

Eles alcançaram o cume de Jannu às 16h20 do dia 12 de outubro e ficaram apenas alguns minutos. A missão nunca foi o topo, mas a escalada.

Rousseau, Cornell e Marvell têm escalado juntos há cerca de quatro anos, em duplas e às vezes juntos. Duas tentativas anteriores na face norte de Jannu, em 2021 e 2022, terminaram cedo, mas foram viagens de reconhecimento valiosas. No ano passado, os três escalaram o que a revista Climbing chamou de "uma das linhas mais lendárias do alpinismo norte-americano": a rota Slovak Direct no Denali, também conhecido como Monte McKinley, no Alasca.

"Aquilo foi meio que um teste, para ver como todos nós nos encaixamos, nos movendo por esse tipo de terreno", disse Rousseau. "E isso funcionou muito bem para nós."

Agora, eles são o novo trio de destaque na escalada.

Rousseau, 37 anos, é casado e mora nas colinas de Salt Lake City. Ele guia escaladores em Utah e além. Sua experiência em liderar os outros o torna o líder logístico e uma voz calculada quando as circunstâncias exigem decisões difíceis.

Cornell, 29 anos, é conhecido como um escalador de gelo silencioso e compacto, sem corda. Ele costuma passar os invernos perto de Bozeman, Montana, e os verões perto do centro de escalada em rocha do Parque Nacional de Yosemite, trabalhando em um restaurante (de propriedade de Anker, um mentor) para ajudar a financiar suas atividades. Ele vive em uma van Freightliner de 2003, com 515 mil quilômetros rodados, equipada com uma cama, fogão e outras comodidades.

Marvell, 27 anos, mora em Heber City, Utah, e tem alguns contratos de patrocínio e também seu próprio negócio de soldagem. Alto e esguio, ele passa os verões ao largo da costa do Alasca, escalando e descendo plataformas de petróleo, cronometrando o trabalho de reparo com as marés. Tendo crescido em Utah, ele foi atraído pelas torres de arenito do deserto e estava disposto a tentar quase qualquer coisa.

A descida do cume de Jannu, por uma série de rapéis que desceram pulando de volta pela face, se estendeu até a meia-noite do dia seguinte. Até então, Rousseau também tinha congelamento nas mãos. Depois de um dia no acampamento base, os homens voaram de helicóptero de volta a Katmandu, onde Rousseau e Marvell passaram cinco dias em um hospital, tratando suas mãos.

A recuperação continua, e os homens esperam não perder nenhuma ponta dos dedos.

Os três já têm planos para outra escalada monumental.

Eles não incluem o Everest. Mas algo maior.

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