Clubes de futebol recorrem à Bolsa de Valores para reformar estádio e pagar dívidas

Ação do América do México saltou 160% no primeiro dia de negociação

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São Paulo

Dando seguimento a uma prática que começou nos anos 1980, estreou na Bolsa de Valores do México no dia 20 de fevereiro a ação do Grupo Ollamani, dono do Club de Fútbol América e do mítico estádio Azteca.

Refletindo a euforia que tomou conta de investidores e torcedores, os papéis, que iniciaram sua primeira sessão valendo 11,50 pesos (R$ 3,40), terminaram o dia cotados a 29,98 pesos (R$ 8,86), uma alta 160%.

"Os torcedores do América, caracterizados por sua lealdade e entrega, agora podem ser, junto conosco, acionistas desta equipe extraordinária", declarou Emilio Azcárraga, presidente da Televisa e do Grupo Ollamani.

A operação visa financiar a reforma do estádio Azteca, orçada em cerca de US$ 150 milhões (R$ 746 milhões). Palco das finais da Copa de 1970 e 1986, o estádio sediará a abertura do Mundial de 2026.

Jogadores do América comemoram título do Campeonato Mexicano no estádio Azteca, na Cidade do México
Jogadores do América comemoram título do Campeonato Mexicano no estádio Azteca, na Cidade do México - Raquel Cunha - 17.dez.2023/Reuters

Comandado pelo brasileiro André Jardine, o América encerrou na temporada passada um jejum de cinco anos e levantou a taça do Campeonato Mexicano pela 14ª vez.

"A ação praticamente triplicou de tamanho em poucos dias, e isso deve-se muito aos resultados que o time vem entregando", afirma Victor Bueno, analista da Nord Research.

Recorrer ao financiamento via mercado de capitais para investir no estádio, pagar dívidas e reforçar o elenco é uma estratégia que teve início nos anos 1980, na Inglaterra.

O primeiro clube a fazer um IPO (initial public offering, ou oferta pública inicial) foi o Tottenham, em 1983.

Já a maior abertura de capital em Bolsa de um clube de futebol foi em 2012, quando o Manchester United lançou ações na NYSE (Bolsa de Nova York), levantando cerca de US$ 230 milhões (R$ 1,14 bilhão). O objetivo era arrecadar recursos para quitar e renegociar dívidas.

A operação dos "Diabos Vermelhos" superou o recorde que vigorava há mais de uma década da Juventus, que fez seu IPO de US$ 130 milhões (R$ 647 milhões) em 2001 para reformar o estádio Delle Alpi.

Via de regra, os clubes que fizeram seus IPOs são controlados por holding familiares ou corporativas que vendem uma fatia do negócio, mas seguem como sócios majoritários.

Além de títulos e rebaixamentos, transferências de grandes jogadores podem influenciar as ações. Em 2018, ano da contratação do português Cristiano Ronaldo pela Juventus, os papéis da "Velha Senhora" saltaram cerca de 50% na Bolsa de Milão.

No caso do time de Manchester, no acumulado dos últimos 12 meses, as ações desvalorizam cerca de 35%. Além da falta de resultados dentro de campo, o desempenho reflete a incerteza sobre os rumos do clube após a aquisição de uma fatia da equipe pelo bilionário Jim Ratcliffe.

Na América do Sul, três clubes chilenos —Colo-Colo, Universidad Católica e Universidad de Chile— têm suas ações negociadas na Bolsa de Santiago.

No Brasil, não há nenhum clube com ações na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo. No ano passado, a então administração de Duílio Monteiro Alves, do Corinthians, chegou a cogitar a venda de uma parte da participação na Neo Química Arena a investidores na Bolsa. Com a troca na presidência, o projeto não seguiu em frente.

"Eu acho uma estratégia interessante. Os clubes de futebol, ao redor do mundo, estão cada vez mais dentro do mercado financeiro e de capitais, como aconteceu recentemente com o América do México. No Brasil espero que isso possa acontecer em breve, até pela lei da SAF criar um ambiente favorável para que você tenha o mercado de capitais também para os clubes", afirma Marcelo Paz, CEO da SAF do Fortaleza.

É uma forma de capitalizar, de fazer com que o próprio torcedor possa ser o investidor do clube, e gerar ainda mais competitividade e capacidade de investimento nas instituições esportivas, acrescenta Paz.

"No Brasil, a discussão sobre entrada de clubes na Bolsa ainda é embrionária, mas tende a evoluir" conforme as equipes se profissionalizem, diz Adalberto Baptista, presidente do conselho administrativo do Botafogo de Ribeirão Preto. "Desejamos, em um futuro próximo, ser o pioneiro ou então um dos primeiros clubes a ter ações negociadas na bolsa. É um sonho nosso", afirma o dirigente.

Para ter seu capital aberto, uma empresa precisa cumprir diversas exigências e implementar diversos procedimentos de governança que são incomuns aos clubes de futebol, diz Thiago Freitas, diretor de operações da Roc Nation Sports no Brasil, empresa de entretenimento que administra a carreira de jogadores. "Podemos assumir que a preparação de um clube para que seu capital seja aberto, por si só, já é extremamente positiva para ele, antes mesmo das ações serem vendidas."

Como os papéis são negociados em mercados fora do país, o investidor brasileiro que quiser investir nas ações precisa ter uma conta no exterior e considerar o risco da variação cambial, diz William Eid Júnior, diretor do FGVcef (Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas).

Para negociar ações na Bolsa, o investidor emite através de sua corretora uma ordem de compra ou venda de uma determinada ação por um preço definido, que é efetivada quando uma contraparte aceita a proposta. "O IPO de uma empresa de esporte é como de qualquer empresa. Tem que entender as perspectivas do negócio."

É preciso se atentar para o balanço financeiro da equipe para se certificar que a oferta visa o crescimento da operação, diz Alberto Amparo, chefe de análise da Suno Research. Ele acrescenta que o investidor deve levar em conta a geração de receita e o lucro do clube, assim como o nível de endividamento.

Embora não tenha acesso a ações de clubes brasileiros, o investidor local tem opções relacionadas aos esportes no mercado de criptoativos.

A plataforma MB (Mercado Bitcoin) lançou em 2020 o Vasco Token, ativo digital que remunera o investidor quando ocorre a venda de um jogador revelado pelo Gigante da Colina.

O rendimento envolve uma cesta pré-definida de jogadores e decorre do mecanismo de solidariedade da Fifa (Federação Internacional de Futebol), que prevê o pagamento de até 5% do valor de transferência aos clubes que revelaram o atleta. "A proposta é investir com paixão e com razão", afirma Reinaldo Rabelo, CEO do MB.

Quando o meia Philippe Coutinho foi vendido pelo Aston Villa para o Al-Duhail, os detentores do token receberam R$ 625 mil, ou R$ 1,24 por token. Desde a emissão do ativo, foram distribuídos cerca de 3,6 milhões, ou R$ 72 por token, abaixo do valor inicial de R$ 100.

Além de os investidores poderem comprar e vender o token como uma ação por meio da plataforma, o que influencia o preço, Rabelo explica que os ativos digitais também sofrem um desconto proporcional no momento da distribuição do dividendo, da mesma forma que ocorre com uma ação na Bolsa quando a empresa paga os rendimentos periódicos aos acionistas.

Em 2021, o MB lançou com a mesma proposta o Token da Vila. Quando Neymar foi negociado pelo PSG (Paris Saint-Germai) junto ao Al Hilal, os titulares do token receberam R$ 18 milhões, ou R$ 29 por unidade. No total, o token do clube da Vila Belmiro distribuiu R$ 20,3 milhões, ou R$ 34,64 por token, abaixo dos R$ 50 iniciais.

Em 2024, a plataforma lançou um novo token relacionado ao automobilismo. A rentabilidade do ativo depende do desempenho dentro das pistas do piloto Emmo Fittipaldi, filho do bicampeão de Fórmula 1 Emerson Fittipaldi.

Em 2024, o jovem de 16 anos disputa a temporada da Fórmula Regional do Oriente Médio e da Eurocup-F3. Caso obtenha vitórias que o credenciem à F1 nos próximos anos, o detentor do token EMMOF01 terá uma rentabilidade que pode chegar a 40% ao ano, no cenário otimista. Já a projeção pessimista indica que o token pode resultar em uma perda de até 5% ao ano.

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