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Thiago Motta vai de piada a técnico cobiçado no futebol italiano

Ex-volante multicampeão supera início conturbado e pode classificar o Bologna a uma Champions após 60 anos

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Santos

Responder com lugares-comuns nunca foi algo apreciado por Thiago Motta, 41.

Em solo brasileiro para a disputa da Copa do Mundo de 2014, o então meio-campista nascido em São Bernardo do Campo respondeu com firmeza ao ser questionado sobre os motivos de jogar pela seleção italiana, não pela brasileira.

"Nunca sonhei vestir a camisa verde-amarela. Eu me sinto como um italiano nascido no Brasil", explicou, citando o fato de ter mudado de país ainda jovem.

Anos depois, já aposentado como jogador —foi bicampeão da Liga dos Campeões e teve passagens de sucesso por Barcelona, Inter de Milão e Paris Saint-Germain—, falava já sentir mais empolgação com a nova carreira de treinador, restrita naquele momento a um trabalho no sub-19 do PSG e a uma passagem de apenas dez jogos pelo Genoa.

Thiago Motta durante partida entre Atalanta e Bologna no estádio Atleti Azzurri, em Bergamo
Thiago Motta durante partida entre Atalanta e Bologna no estádio Atleti Azzurri, em Bergamo - Alberto Lingria - 3.mar.2024/Reuters

"Eu amo este trabalho. Eu até me pergunto se não o amo mais do que ser um jogador. É mais gratificante", disse ao periódico francês L’Equipe em julho de 2020.

Motta, nesta temporada, é o rosto à frente da surpreendente campanha do Bologna na Serie A da Itália, a principal divisão de futebol do país.

A equipe está na quarta colocação e ocupa a zona de classificação para disputar novamente uma edição do principal torneio europeu, hoje chamado de Champions League, após 60 anos. Não disputa qualquer competição continental desde 2002, quando perdeu para o inglês Fulham na agora extinta Copa Intertoto.

Quase no ostracismo em tempos recentes, o Bologna tem em um passado já distante o grande motivo do respeito que ainda recebe na Itália. Seis dos sete títulos nacionais foram conquistados entre as décadas de 1920 e 1940. O último deles foi obtido em 1964.

"É uma cidade apaixonada por futebol, com representatividade, mas que estava com saudade do protagonismo. A esperança ressurgiu em 2014, quando o atual presidente, Joe Saputo, comprou o time e prometeu fazer o Bologna voltar à Europa. Vale destacar que estávamos na segunda divisão", conta à Folha o ex-goleiro Ângelo da Costa, que atuou pelo Bologna entre 2014 e 2021.

"Eles primeiro se reestruturaram e se preocuparam em manter o time na elite. Hoje o clube tem tudo o que os grandes têm, e isso dá tranquilidade para um trabalho. A visão de longo prazo serve de exemplo para os clubes daqui. Os resultados não acontecem do dia para a noite", acrescenta.

Motta chegou em setembro de 2022 sonhando recuperar o crédito perdido. Meses antes, havia salvado o modesto Spezia do rebaixamento.

Ainda reverberava da passagem por Gênova uma declaração com enorme peso. Ele afirmou que seu esquema preferido era o "2-7-2", que, somado, ao goleiro —este habitualmente excluído das reduções táticas numéricos—, daria 12 jogadores.

Ele justificou na ocasião que a conta era feita já com a presença do arqueiro e pelo envolvimento e pela intensidade exigida em suas equipes.

"Não [são 12 titulares]. Eu conto o goleiro entre os sete do meio-campo. Para mim, o atacante é o primeiro defensor, e o goleiro é o primeiro atacante", falou à época.

Meses depois, tentaria provar parte da ideia em um trabalho de 28 páginas apresentado no centro de Coverciano, base da Federação Italiana de Futebol (FIGC, na sigla em italiano), em Florença, disponível na biblioteca da entidade: "O valor da bola, a ferramenta de trabalho no coração do jogo".

No texto, Motta explica que a relação afetiva dele com o objeto, e a de muitos jogadores, nasceu enquanto criança ao ganhar "il pallone" (a bola) de seu pai. Segundo ele, posteriormente, esse sentimento passa a ser amadurecido com o melhor entendimento tático do jogo.

"Só desta forma o jogador pode completar-se, por meio da presença constante da bola", cita em um trecho. "A chegada à Itália me permitiu enriquecer e consolidar a minha bagagem técnica e tática", acrescenta.

Ele menciona ainda no trabalho a influência de técnicos como José Mourinho e Gian Piero Gasperini, além de uma análise mais aprofundada de equipes como o Leeds de Marcelo Bielsa, que ficou no clube de 2018 a 2022, e a Alemanha de Joachim Löw, que atuou na Copa do Mundo de 2014 e na Eurocopa de 2016.

"Em um jogo da Euro de 2016, fiquei muito impressionado com o diferencial de roubos de bola no campo de ataque entre as duas equipes: 5 para a Itália, 22 para a Alemanha."

O Bologna é o reflexo de sua tese. Segundo o site de estatísticas Sofascore, é o vice-líder em desarmes, atrás do Genoa, e o segundo time que mais acerta passes e mais tem posse no Italiano, perdendo somente para o Napoli.

"Eu sempre falo que [Thiago] foi um dos melhores jogadores com quem atuei. Um grande líder em campo, no vestiário, e com uma leitura de jogo absurda. Ele via o jogo de uma maneira diferente dos outros, então a gente sempre soube que ele teria muita vocação para ser treinador", diz à Folha o atacante Lucas Moura, do São Paulo, seu companheiro nos tempos de PSG.

Em uma de suas entrevistas mais recentes, Motta disse que sua ideia de jogo "é ofensiva, com uma equipe que domine a partida, com pressão alta com ou sem a bola".

Para isso, precisou se adaptar. Após a conclusão da temporada passada, com a nona colocação, perdeu para a Inter de Milão o atacante austríaco Marko Arnautovic, principal referência do time.

Apostou na evolução de jovens do elenco como o holandês Joshua Zirkzee, comprado no último ano do Bayern de Munique. O jogador marcou 11 gols em 33 jogos na atual temporada.

"A satisfação não é olhar para a classificação, mas sim ver o time jogando um futebol muito bom", disse Motta ao ser questionado sobre a campanha surpreendente.

A base sólida dele hoje joga com o esquema 4-1-4-1 e não se cansa de surpreender. Desde o início de fevereiro, em 11 jogos, venceu oito, empatou dois e perdeu apenas um, por 1 a 0, para a Inter de Milão.

Thiago Motta foi de piada na Itália, na chegada ao Bologna, a um dos mais promissores entre os nomes da temporada. Em março, recebeu o prêmio de técnico do mês, aplaudido por todo o público presente ao estádio Renato Dall’Ara.

Um enorme símbolo para uma torcida que sofreu junto com o seu antecessor, o sérvio Sinisa Mihajlovic, que morreu em dezembro de 2022 depois de anos com leucemia.

O improvável Motta só quer completar o objetivo que parecia impossível no início da temporada. Depois, pensar para a frente. Barcelona e Liverpool já são cotados como futuras casas.

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