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Euro 2024 e Wimbledon: dia da Espanha

Seleção multiétnica ganha o torneio continental, enquanto Alcaraz defende seu título no tênis

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Kenneth Maxwell

A Espanha derrotou a Inglaterra por 2 a 1 na final da Euro 2024 no Dia da Bastilha em Berlim. Eles foram muito melhores. Nico Williams marcou o primeiro gol logo no início do segundo tempo. Cole Palmer marcou o gol da Inglaterra aos 73 minutos. Depois, Mikel Oyarzabel garantiu a vitória para a Espanha aos 86 minutos.

O rei Filipe da Espanha estava presente. Também estavam William, o príncipe de Gales, e seu filho. Mas 14 de julho foi o dia da Espanha. No All-England Tennis Club, na quadra central naquela tarde, o jovem e implacável tenista espanhol Carlos Alcaraz defendeu decisivamente seu título ao derrotar o sete vezes campeão de Wimbledon, Novak Djokovic. O placar foi 6-2, 6-2 e 7-6.

A história de Berlim foi mais triste para os fãs da Inglaterra que haviam seguido sua equipe por toda a Alemanha ao longo do último mês, sempre esperançosos. E houve momentos inspiradores. Ollie Watkins, o atacante inglês, nasceu em Devon, cresceu em Newton Abbot, onde jogou no Buckland Athletic FC e frequentou a South Dartmoor Community College. Ele entrou na academia de treinamento juvenil do Exeter City Football Club aos 9 anos de idade. Atacante do Exeter City, ele joga desde 2020 pelo clube da Premier League Aston Villa, onde assinou por £ 28 milhões (R$ 196 milhões, na cotação atual) –um recorde do clube.

O jogador de 28 anos entrou em campo na quarta-feira (10), no jogo entre Inglaterra e Holanda, como substituto de Harry Kane, o capitão da equipe inglesa. No 60º segundo do 90º minuto do tempo normal, ele marcou o gol espetacular que levou a Inglaterra à vitória por 2 a 1, garantindo vaga na final da Euro 2024 contra a Espanha em Berlim.

A imagem mostra uma pessoa de costas, envolta em uma bandeira da Espanha, em frente a um grande edifício iluminado com luzes roxas. Há fumaça ou névoa ao redor, criando um efeito dramático. O edifício ao fundo parece ser um marco arquitetônico, com uma torre central e um relógio visível.
Torcedor da Espanha celebra título da Eurocopa em Madri - Isabel Infantes/Reuters

Ollie Watkins nasceu em Torquay, Devon, de um pai jamaicano, Les Watkins, que jogou pelo Torquay United na liga de futebol inglesa. Sua mãe inglesa, Delsi-May, se tornou uma mãe solo após divórcio e criou a ele e seus três irmãos conciliando sua carreira profissional de cantora —Ruby Washingtonian é seu nome artístico, e "The Superstitions" é o nome de sua banda— para dar a seus filhos as melhores oportunidades. Ollie Watkins é agora um verdadeiro herói do futebol e um garoto local de Devon. No entanto, o Exeter City Football Club, onde ele começou sua carreira no futebol, tem uma longa e incomum história internacional.

Em 1966, trabalhei no arquivo pessoal do historiador brasileiro Marcos Carneiro de Mendonça (1894-1988). Ele tinha uma maravilhosa coleção de documentos do século 18 que guardava no sótão de sua mansão de meados do século 19, em Cosme Velho, no Rio de Janeiro. Ele era um anfitrião maravilhoso. Sua casa era um ponto de encontro para muitos de seus amigos que também eram membros da elite intelectual do Rio de Janeiro. Fui apresentado a muitos deles lá. Frequentemente discutíamos história, o Marquês de Pombal em particular, que era seu estadista português favorito. Mas também discutíamos futebol.

Marcos Carneiro de Mendonça foi um goleiro estrela do futebol brasileiro pelo Fluminense, onde jogou 127 partidas. Nos nove anos em que jogou pelo Fluminense, ele também venceu a Copa Sul-Americana em 1919 e 1922 [pela seleção brasileira]. Aos dezenove anos, ele foi membro do primeiro time internacional formado pelo Brasil no Rio de Janeiro, em 21 de julho de 1914, duas semanas antes do início da Primeira Guerra Mundial. Seus oponentes eram o time visitante do Exeter City, então na 3ª divisão, em seu caminho de volta da Argentina. Os brasileiros venceram por 2 a 0. Marcos Carneiro de Mendonça aparecia ocasionalmente no sótão, vestido com seu uniforme branco do Fluminense.

Ele apareceu um dia quando eu estava pesquisando no arquivo do Instituto Brasileiro de História e Geografia (IHGB), do qual ele era vice-presidente. As duas senhoras que gerenciavam a sala de leitura e que sempre me trataram com alguma condescendência estavam evidentemente impressionadas. A partir de então, com meu novo status conferido por Marcos Carneiro de Mendonça, eu era servido com um cafezinho todas as manhãs e tardes. No entanto, ele não teria ficado muito satisfeito com o desempenho do Brasil na Copa América deste ano, onde a seleção brasileira sofreu uma eliminação nas quartas de final após um jogo simbólico contra o Uruguai (4 a 2 nos pênaltis).

No domingo, o oponente da Inglaterra era a Espanha, que também tinha um herói do futebol, o astro de 16 anos do último jogo entre França e Espanha que completou 17 anos no dia anterior à final da Euro, o ponta-direita, o catalão nascido Lamine Yamal Nasraoui Ebana, que ofuscou Kylian Mbappé, da França, com um gol espetacular para vencer por 2 a 1. Lamine Yamal é um produto da academia de futebol La Masia, do Barcelona, cujo graduado mais famoso é o argentino Leonel Messi.

Lamine Yamal foi descoberto aos 5 anos pelos olheiros de talentos da La Masia e entrou na academia de futebol do Barcelona aos 7 anos. Criado no bairro pobre e multiétnico de Rocafonda, em Mataró, ao norte de Barcelona, por seus pais, Mounir e Sheila. Ele é de ascendência marroquina e guinéu-equatoriana. O treinador da seleção da Espanha, Luis de la Fuente, chama Lamine Yamal de excepcional.

O "garoto prodígio", como o tabloide britânico "The Sun" o chama, já é considerado na Espanha como um semideus, e o Barcelona tem uma cláusula de rescisão de um bilhão de euros em seu contrato que vai até 2026. Ele permanece próximo de seus pais, que se separaram, e foi criado em duas casas diferentes. O partido de direita "Vox" chama Rocafonde de "favela multicultural". Mas Lamine Yamal tem muito orgulho de sua herança marroquina, guinéu e espanhola. Ele mostra com os dedos o código postal, 304, de Rocafonde, no final de cada jogo.

Nico Williams, 22, é o outro jogador estrela da equipe da Espanha. Nascido em Pamplona, de pais ganenses que viajaram pelo deserto do Saara até Melilla, o enclave espanhol no norte da África, ele ingressou na academia de jovens do Athletic Bilbao em 2013, vindo de seu clube local, o Osasuna. Atualmente joga pelo Athletic Bilbao, clube da La Liga. Seu contrato termina este ano. Muitos clubes estão interessados em Nico Williams.

O Arsenal disse que a contratação de Nico Williams seria um "sonho" e eles estão considerando acionar sua cláusula de rescisão de £ 50 milhões (R$ 354 milhões). Os Gunners têm o novo primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, como um de seus fãs mais ardorosos. Starmer sempre teve um carnê de temporada para os jogos do Arsenal.

Mas o presidente da La Liga, Javier Tebas, disse que o Barcelona está perto de um acordo onde Nico Williams se juntaria a Lamine Yamal. Tanto Nico Williams quanto Mikel Oyarzabal (27), que marcou o gol decisivo na final de Berlim, vêm do País Basco. Oyarzabal nasceu em Eibar, Gipuzkoa, perto da fronteira francesa, e joga pelo Real Sociedad, em San Sebastián. Os bascos, assim como os catalães, sempre foram cautelosos com o controle castelhano de Madrid (mas essa é outra história).

Imagem de um jogador de futebol comemorando um gol. Ele veste um uniforme vermelho com detalhes em amarelo e azul, com o número 17 na frente. Ao fundo, outros jogadores e uma rede de gol são visíveis. O jogador parece estar gritando de alegria enquanto corre pelo campo.
Nico Williams festeja seu gol na final da Euro - Ina Fassbender/AFP

O técnico da Inglaterra, Gareth Southgate, tem sofrido muitas críticas dos "especialistas" por suas táticas e escolhas de equipe e de alguns torcedores ingleses. No entanto, o fato de ele ter levado a Inglaterra até a final da Euro não é pouca coisa. Matthew Syed, no "The Times", escreveu que "a equipe de futebol da Inglaterra representa o melhor de nossa nação... Esses jovens frequentemente vêm da classe trabalhadora e demonstram invariavelmente garra e determinação para se destacar".

Isso é certamente verdade. Ollie Watkins na Inglaterra, e Lamine Yamal e Nico Williams na Espanha, de Newton Abbot, Devon, e Rocafonda, Catalunha, e Pamplona, no País Basco, certamente fazem isso. O futebol é um esporte verdadeiramente global. E para ter sucesso como jogador de futebol é necessário talento real e perseverança, independentemente da origem social. No seu melhor, o futebol é um esporte que une e mobiliza pessoas de todas as origens, raças, etnias e nacionalidades.

Outro jogador estrela da Inglaterra é Bukayo Saka, o ponta de 22 anos do Arsenal, nascido em Londres e de pais nigerianos, Yomi e Adenike, que vieram para a Inglaterra na década de 1990 e se estabeleceram em Ealing. A família fala yoruba em casa, e Saka poderia ter jogado pela Nigéria, mas decidiu jogar pela Inglaterra, onde cresceu. Ele ingressou na academia Hale End, do Arsenal, aos sete anos.

Seu gol espetacular foi o impressionante empate nas quartas de final, que garantiu a vitória sobre a Suíça. Ele sofreu muito abuso racial online depois de ser chamado para bater o quinto pênalti na final da Euro 2020. Foi defendido pelo goleiro italiano Gianluigi Donnarumma. A Itália venceu. Mas Bukayo, em yoruba, significa "adiciona felicidade", o que Saka certamente entregou a seus muitos fãs desde então. E ele fez isso repetidamente na Euro deste ano.

O espanhol Carlos Alcaraz levanta troféu após derrotar o sérvio Novak Djokovic durante a final de tênis individual masculino no Campeonato de Wimbledon de 2024 - Ben Stansall - 14.07.2024/AFP

Vale ressaltar também Jude Bellingham, o meio-campista inglês de 21 anos cujo espetacular gol de bicicleta na partida entre Inglaterra e Eslováquia, nos cinco minutos de acréscimo, levou o jogo para a prorrogação, quando o capitão Harry Kane selou a vitória por 2 a 1 mantendo viva a esperança da Inglaterra. Jude Bellingham é de Stourbridge, perto de Birmingham, nas West Midlands, e começou sua carreira no Stourbridge Club e ingressou na academia do Birmingham City aos 7 anos. Seu pai é um ex-policial branco e sua mãe é uma enfermeira jamaicana negra. Ele tem dupla nacionalidade e jogou tanto pela Inglaterra quanto pela Jamaica.

Jude Bellingham é avaliado em £ 39 milhões (R$ 276 milhões), em parte devido aos seus contratos de patrocínio existentes, com Lucozade e McDonalds, e já entrou no mundo de Beckham, com uma namorada glamorosa, a modelo holandesa e "influenciadora" Laura Celia Valk, conhecida como Laura Celia nas redes sociais. Mas por que não? Com sua habilidade invejável no campo de futebol, ele mereceu.

Muito melhor, na verdade, do que o que os ex-primeiros-ministros britânicos Tony Blair e Boris Johnson estavam fazendo enquanto a Euro 2024 atingia seu clímax na Alemanha. Ambos estavam lucrando com seus passados políticos, convidados para as elaboradas celebrações de casamento de Ambani, em Mumbai, Índia –o casamento do filho mais novo do homem mais rico da Ásia, Mukesh Ambani, fundador da Reliance Industries, um gigante conglomerado com as maiores refinarias de petróleo do mundo, empreendimentos de TV e entretenimento e a maior rede de telefonia móvel na Índia. A celebração de casamento para Anant Ambani, 29, e Radhika Merchant, 29, está custando meio bilhão de dólares (R$ 2,7 bilhões), alegadamente, e em um país onde mais de 200 milhões de cidadãos vivem em extrema pobreza.

Boris Johnson chegou na passarela com seu filho mais novo, Wilf, em seu ombro. Tony Blair chegou vestindo um casaco sherwani preto com um lenço de bolso branco. Entre as celebridades de primeira linha, principais políticos e estrelas de Bollywood presentes, desnecessário dizer, estava também o ex-jogador de futebol e celebridade onipresente David Beckham, bem como Gianni Infantino, o presidente da Fifa (Federação Internacional de Futebol). Foi uma festa que lembrou a última de bilhões de dólares organizada pelo xá do Irã em 1971, ostensivamente para celebrar o 2.500º aniversário da fundação do império persa por Ciro, o Grande, e que levou à Revolução Islâmica Iraniana e à chegada do aiatolá Ruhollah Khomeini.

Jude Bellingham foi um membro-chave da seleção inglesa na final da Euro 2024 em Berlim. Mas ele também é um membro-chave do elenco do Real Madrid, o rival do Barcelona de Lamine Yamal. Essa é uma competição muito antiga e contínua. Tenho lembranças muito felizes do estádio do Real Madrid, onde Jude Bellingham joga agora. Passei muitas tardes de sábado com meus amigos estudantes espanhóis da pensão Riesco, na calle Correio, perto da Puerta del Sol, apoiando o time do Real Madrid quando morava na Espanha e frequentava a Universidade de Madrid em 1963. No sombrio mundo de Vladimir Putin, Xi Jinping e Kim Jong Un, e com os conflitos sangrentos em curso na Ucrânia e em Gaza, a Euro 2024 é um alívio abençoado.

Ironicamente, a final da Euro 2024 foi realizada no Estádio Olímpico de Berlim, originalmente projetado por Werner March para os notórios Jogos Olímpicos de Verão de 1936 e para o Führer e Chanceler do Reich Adolf Hitler, e destinado por ele, como disse na época, para um "momento de orgulho".

A sombria história nazista do complexo é melhor lembrada como um indicativo tanto de quão longe chegamos, mas também de quão perigoso às vezes o esporte e sua manipulação política por governantes autoritários podem ser. O orgulho de Hitler não era, é claro, o orgulho gay de hoje. Hitler exterminou homossexuais em seus campos de extermínio.

Nem é com a obsessão assassina de Hitler pela pureza e superioridade racial ariana. Hoje, o jogo final em Berlim da Euro 2024, as habilidades em campo dos membros multiétnicos e multirraciais das equipes de futebol da Espanha e da Inglaterra, muitos de origens muito humildes, foram gloriosamente representadas, e jogar futebol no Olympiastadion amado por Hitler, em Berlim, não é pouca coisa. E por isso também podemos ser gratos. Mas 14 de julho de 2024 é o Dia da Espanha. E a Espanha merece plenamente as vitórias em Wimbledon e na Euro 2024 em Berlim.

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