Goleiro é atingido por bala de borracha disparada pela PM após jogo em Goiás

Tiro foi disparado durante confusão entre jogadores; PM abriu procedimento administrativo

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São Paulo e Maceió

O goleiro Ramón Souza, do Grêmio Anápolis, foi atingido por um tiro de bala de borracha disparado por um policial militar no estádio Jonas Duarte, na noite desta quarta-feira (10).

O tiro foi disparado durante uma confusão, na lateral do gramado, entre jogadores, ao final da partida entre Grêmio Anápolis e Centro Oeste pela 12ª rodada da divisão de acesso do Campeonato Goiano.

Um vídeo que registrou o momento mostra o policial empurrando um dos jogadores e depois atirando na perna do goleiro, em meio a uma gritaria.

A imagem mostra uma sequência de três fotos de um confronto em um campo de futebol. Vários jogadores, alguns vestindo uniformes amarelos e outros brancos, estão envolvidos na confusão. Há também pessoas vestindo coletes amarelos e azuis, possivelmente membros da equipe técnica ou segurança, tentando intervir. O campo de futebol é de grama e há uma linha de marcação visível no chão.
Montagem mostra a sequência em que um PM atira com bala de borracha em goleiro do Grêmio Anápolis, em GO - Pedro Certezas no X/Reprodução

Em nota, a direção do Grêmio Anápolis repudiou a violência e chamou o acontecimento de "lamentável, ridículo e revoltante".

"Após o final da partida contra a equipe do Centro Oeste, nosso goleiro Ramón Souza foi atingido de forma covarde por um tiro de bala de borracha, efetuado por um policial da Companhia de Policiamento Especializado", diz o comunicado. "Um ato horrível, inacreditável e criminoso de alguém que deveria prezar pela segurança e integridade das pessoas que ali estavam".

O goleiro foi atendido em campo pelo médico da equipe, em uma UTI móvel, e levado para um hospital.

Carliane Alves de Souza, 42, mãe do goleiro, contou à Folha que o filho não jogará mais durante a Divisão de Acesso do Campeonato Goiano por conta do ferimento e que, devido à grande perda de sangue, chegou a desmaiar em campo.

Ao ver as imagens, ela saiu de Goiânia para Anápolis para dar suporte ao filho. Foi o único jogo ao qual ela não foi presencialmente. Ramón, segundo a mãe, estava muito abalado e triste quando conversou com ela ainda pouco depois da partida. Trocou poucas palavras. A perna estava inchada, com um grande machucado.

"Estava muito calado, acho que com uma tristeza muito grande. Ele sangrou muito e desmaiou em campo. Ele disse que queimava muito, doía muito, perdeu as forças. A ambulância demorou bastante para fazer o socorro, mas, graças a Deus, ainda assim foi um grande livramento. Eu não consegui pregar o olho e fico imaginando se fosse em outro lugar, se esse policial atira na barriga dele, coisa assim, poderia ter causado algo muito mais sério", lamentou Carliane.

"Esse homem que usa a farda jamais pode ser chamado de policial goiano. Aquele homem é um despreparado. Ele não poderia jamais ter disparado aquele tiro, porque não havia necessidade. Atrapalhou meu menino, tirou ele do campeonato. Ele não joga mais este ano. Em vez de estar treinando, está andando de delegacia em delegacia. A história da vida dele mudou dentro de alguns segundos. Se a gente ficar calado, isso vai acontecer com outros", complementou.

Ela revela que Ramón vive o futebol desde os sete anos de idade e abriu mão da infância e da adolescência em prol do sonho de se tornar profissional, algo que realizou.

"Somos uma família pobre, pobre de verdade. Teve tempo em que eu, trabalhando como cozinheira, quando ele tinha seus 9, 10 anos, pegava meu salário inteiro para comprar uma luva, comprar uma chuteira, pagar uma viagem."

O zagueiro Kayk Almeida, 21, presenciou o momento em que Ramón foi atingido. Eles são companheiros de time e estavam lado a lado. Ele afirma que ambos foram em direção ao tumulto para dispersar os jogadores. A confusão teria começado entre o gandula do time e o goleiro adversário, Luan.

Esse homem que usa a farda jamais pode ser chamado de policial goiano. Aquele homem é um despreparado. Ele não poderia jamais ter disparado aquele tiro, porque não havia necessidade. Atrapalhou meu menino, tirou ele do campeonato. Ele não joga mais este ano

Carliane Alves de Souza

mãe do goleiro Ramón

"Tanto eu quanto o Ramón fomos para tirar os meninos ali da confusão. Reclamamos porque queríamos que o goleiro adversário fosse punido por ter agredido o nosso gandula. O policial me empurrou e apontou a arma para mim, meio que na cabeça e no peito, e ouvi quando ele engatilhou. Andamos para trás e o Ramón falou duas, três vezes, para ele abaixar a arma. Foi aí que ele atirou", contou à Folha.

Dali em diante, Kayk e outros companheiros tentaram ajudar no socorro de Ramón. Ele revela que ficou com medo e se sentiu desrespeitado com tudo o que aconteceu.

"O Ramón saiu correndo depois do tiro e se abaixou assim, na beira do campo, com a mão na cabeça. Foi muito sangue. Ele tomou cinco pontos. Realmente não poderá mais jogar com a gente nesta reta final desse campeonato, que já está acabando, e ele era o nosso goleiro titular. A gente sai de casa com um sonho de jogar futebol e acontece uma situação dessas", lamentou.

No relato registrado no boletim de ocorrência, Ramón afirma que pediu ao policial que abaixasse a sua arma, mas foi atingido logo em sequência, momento em que saiu gritando e correndo com dor. Enquanto isso, afirma o goleiro, o policial perguntava aos outros jogadores: "Quer também?", com a arma apontada na direção deles.

O clube disse que entrará com as medidas cabíveis para responsabilizar o policial. O Centro Oeste venceu por 2 a 1 e se afastou da zona de rebaixamento. O Grêmio é o penúltimo colocado e está em situação difícil no campeonato.

Em nota, o governador Ronaldo Caiado (União Brasil) também manifestou sua indignação com o ocorrido e determinou "uma investigação rápida e detalhada sobre o caso".

Segundo o comunicado, o "policial responsável pelo disparo foi afastado de qualquer evento esportivo e encaminhado para a junta psicológica".

"O Governo de Goiás não compactua com qualquer desvio de conduta nas forças de segurança e em nenhum órgão do estado", finalizou o governador.

A Polícia Militar informou, também por meio de nota, que foi determinada a abertura de um procedimento administrativo para apurar os fatos com rigor.

A corporação disse que reafirma o seu compromisso com o cumprimento da lei e reitera que não compactua com qualquer desvio de conduta praticado por seus membros.

A Aparecidense, que tem contrato com o goleiro, se manifestou por meio das redes sociais.

"Este ato brutal e inaceitável atenta contra os princípios fundamentais do esporte, da segurança e da convivência pacífica em nossa sociedade. O futebol, símbolo de paixão e união, foi manchado por um episódio de extrema violência que não pode ser tolerado. Um campo de futebol deve ser um espaço de celebração, competição saudável e respeito mútuo, e não um cenário de agressões e medo", criticou o clube.

O Ministério do Esporte lamentou o ocorrido e prestou solidariedade ao goleiro Ramón Souza, além de chamar o episódio de "ação desmedida" e "ato de violência".

"Este episódio reforça a necessidade urgente de uma revisão nos procedimentos, garantindo que a atuação policial seja sempre pautada pelo respeito aos direitos humanos e pela proteção dos indivíduos.
Reiteramos nossa confiança na capacidade das autoridades competentes em conduzir uma investigação rigorosa e transparente, que leve à responsabilização dos envolvidos e à implementação de medidas que impeçam a repetição de tais fatos. É imperativo que se restabeleça a confiança na atuação policial, assegurando que episódios de violência não se tornem uma constante nos campos de futebol", diz trecho.

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