Uma foto tirada no Taiti na última segunda-feira ganhou destaque na cobertura das Olimpíadas de Paris. Ao sair de uma onda que lhe rendeu nota 9.90 nas oitavas de final, o surfista Gabriel Medina se jogou para o alto e ergueu o braço para comemorar.
O fotógrafo Jerome Brouillet registrou o momento em que o brasileiro e sua prancha estavam lado a lado no ar, como se voassem sobre as águas. A imagem –icônica, por sinal– correu o mundo.
Tanto o fotógrafo quanto o surfista postaram a foto em suas redes sociais. Na legenda, ambos adotaram linguagem religiosa. Medina escreveu "tudo posso naquele que me fortalece", um conhecido trecho da bíblia. Brouillet começa a sua legenda dizendo: "tocado pela graça".
A repercussão do episódio se dá ao mesmo tempo em que o COI repreende o COB pela manifestação religiosa da skatista Rayssa Leal. Ao ganhar medalha de bronze, Rayssa usou linguagem de sinais Libras para citar outro trecho da bíblia: "Jesus é o caminho, a verdade e a vida". São acontecimentos diferentes.
Nas áreas olímpicas a manifestação religiosa está proibida pelo Comitê Olímpico Internacional. Nos perfis das redes sociais dos atletas as expressões de fé são livres, e traduzem a emoção sentida pelos protagonistas de momentos como o capturado naquela foto.
É comum a ideia de que expressões religiosas devem ser evitadas por causarem polêmica. Concordo, caso o seu uso tenha como propósito ofender ou constranger terceiros. Também entendo o incômodo que a religião gera quando utilizada apenas para fazer proselitismo. Questão de bom senso.
Que problema há, entretanto, quando a linguagem religiosa é usada como forma de traduzir um sentimento pessoal? A religião é parte da identidade das pessoas que optam por ver o mundo sob o seu prisma. Ao religioso o discurso da fé às vezes é o que melhor descreve certas experiências da vida.
Mesmo o não religioso muitas vezes se vale dos símbolos da fé para traduzir momentos. Sabores maravilhosos são "divinos". Vozes afinadas são "angelicais". O universo simbólico das religiões é usado como parte do discurso das pessoas no dia a dia.
Gabriel Medina é religioso, e não esconde isso do seu público. Jerome Brouillet eu não sei se é. Seja como for, a linguagem religiosa não poderia ter sido mais adequada nas postagens daquela cena olímpica.
O surfista escolheu um versículo que faz alusão à Deus como fonte de força para enfrentar as provas da vida. Disputando uma vaga para avançar às quartas de final, era disso que ele precisava.
O fotógrafo usou uma expressão que remete ao encontro de uma pessoa com o intangível. A imagem de um atleta que flutua sobre o mar com o dedo esticado para o céu é uma dramatização exata desse encontro.
O episódio da foto que ganhou o mundo nesta segunda-feira é uma oportunidade de pensar a presença da linguagem religiosa no espaço público. A fé de uma pessoa não precisa ser restringida ao ambiente religioso. Ela não é necessariamente uma afronta à liberdade de quem não crê. A linguagem da religião também é uma maneira que as pessoas encontram para expressar as suas emoções.
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