Ucranianos dedicam medalhas aos heróis da guerra

Aclamados pelo público, atletas do país invadido pela Rússia já ganharam 7 medalhas

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Saint-Denis (França)

"Ganhamos medalhas para nosso povo, nossos defensores." "Estou muito feliz por ter hasteado uma bandeira para o nosso exército hoje." "Sabemos que nossos meninos e meninas estão dando a vida no front e isso nos motiva."

Declarações como essas, associando as Olimpíadas a um conflito militar, causariam polêmica em outras circunstâncias. Foram ditas, porém, nestes Jogos pelos medalhistas da Ucrânia, país invadido há dois anos e meio pela Rússia e que mesmo assim enviou uma delegação de 142 atletas (73 homens e 69 mulheres) em 25 esportes.

"Todos os atletas ucranianos aqui estão sofrendo", disse a esgrimista Olga Kharlan, maior medalhista ucraniana em olimpíadas. Em Paris, ela ganhou o bronze no sabre individual e o ouro por equipes, chegando a seis pódios na carreira: "Já tinha outras medalhas, mas estas são definitivamente especiais. Nosso país está sendo bombardeado todos os dias, crianças sendo mortas, atletas sendo mortas, infraestruturas sendo destruídas."

Até a noite de terça-feira (6), a Ucrânia havia conquistado sete medalhas em Paris —duas de ouro, duas de prata e três de bronze. Esses pódios proporcionaram alguns dos momentos mais emocionantes desta edição olímpica.

Uma atleta está celebrando com uma bandeira da Ucrânia, que é azul e amarela. Ela está vestindo um traje prateado e levantou a bandeira acima da cabeça, sorrindo. O fundo mostra uma multidão desfocada, sugerindo um evento esportivo.
Olga Kharlan comemora medalha de ouro para a Ucrânia na esgrima - Albert Gea/Reuters

Na final do salto em altura, no Stade de France, a Ucrânia ganhou ouro (Iaroslava Mahukich) e bronze (Irina Gerashchenko). As duas foram ovacionadas pelo Stade de France lotado ao darem a volta olímpica desfraldando bandeiras azuis e amarelas.

Mahukich, que um mês atrás, em Paris, quebrou um recorde mundial que durava 37 anos, disse que as medalhas dão aos ucranianos "uma tribuna" para falar da guerra. "Queremos a paz, mas infelizmente isso não é possível, nem durante os Jogos. A Rússia lançou um monte de foguetes na minha cidade [Dnipro]. É nos estádios que estamos lutando."

Grande parte da delegação ucraniana foi obrigada a emigrar para treinar. Mais de cem atletas olímpicos e paralímpicos se prepararam em um centro de alto rendimento na periferia de Paris, a convite da França. O ministério dos Esportes da França gastou 1 milhão de euros (cerca de R$ 6,2 milhões) para trazê-los.

Mikhailo Kokhan, bronze no lançamento do martelo, treina na Turquia. "É duro pensar todo dia nos parentes e amigos, porque a guerra continua. Um monte de mísseis, de sirenes antiaéreas. Não dá para viver. As pessoas só têm eletricidade quatro horas por dia", contou Kokhan após ganhar a medalha de bronze.

"Obrigado [aos atletas] pelo resultado", postou na rede X o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski. "Os ucranianos sabem como ser fortes e vencer."

Zelenski decidiu não comparecer à cerimônia de abertura dos Jogos, no último dia 26, alegando que "os Jogos são uma festa, mas nosso país não está em festa, só o fato de participarmos em tempo de guerra já é uma vitória", disse ao jornal francês "Le Monde".

Na semana passada, a prefeita de Paris, a socialista Anne Hidalgo, recebeu uma parte da delegação olímpica ucraniana na sede da prefeitura, para uma homenagem. Foi respeitado um minuto de silêncio em homenagem aos mais de 400 atletas e treinadores ucranianos mortos no conflito.

Durante a cerimônia, a Folha conversou com alguns atletas ucranianos. Muitos vêm de cidades ocupadas atualmente pelos russos ou próximas ao front da guerra. O ginasta Radomir Stelmakh é de Zaporíjia, onde fica uma usina nuclear e os bombardeios russos ameaçam causar uma catástrofe radiativa. Stelmakh treina na Alemanha. "É mentalmente difícil, porque você sabe que seus pais moram lá e sabe que eles não estão seguros."

A Rússia e sua aliada Belarus foram excluídas dos Jogos Olímpicos, devido à agressão à Ucrânia. Alguns atletas russos e bielo-russos foram autorizados a competir em esportes individuais, desde que não tenham apoiado de alguma forma a guerra. Ao todo, são 32, competindo sob a bandeira de "Atletas Individuais Neutros".

É uma situação que causa desconforto aos ucranianos. Mark Hritsenko, dos saltos ornamentais, diz que nunca mais será possível competir ao lado de atletas da Rússia. "Os russos nos impedem de treinar", justificou.

Depois do colapso da URSS, em 1991, as antigas repúblicas soviéticas ainda competiram unidas, sob o nome de "Comunidade dos Estados Independentes" em Barcelona-1992. Na edição seguinte, Atlanta-1996, pela primeira vez a Ucrânia participou dos Jogos Olímpicos de verão como nação autônoma.

Desde então, tem um desempenho respeitável. Ao todo, foram 139 medalhas em sete edições (35 de ouro), um pouco mais que o Brasil no mesmo período (111 medalhas e 28 de ouro).

Como seria de esperar dentro da tradição soviética, o esporte mais vitorioso para a Ucrânia é a ginástica (7 ouros), e o que mais deu medalhas, o atletismo (21). A nadadora Iana Klochkova é a que tem mais medalhas de ouro, quatro, conquistadas nas edições de 2000 e 2004.

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