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Desenhar ajuda a superar grandes perdas, dizem Laerte e Estela May

Num encontro de gerações, as duas quadrinistas trocaram ideias sobre humor e ato de criar

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São Paulo

"Encontro de Gerações" foi mesmo o nome mais apropriado para o bate-papo entre Laerte, cartunista e chargista da Folha, e Estela May, quadrinista do jornal e autora da série "Péssimas Influências".

De terça a domingo, Laerte abre a galeria de tiras de humor na Ilustrada. Ela desenha para o jornal desde os anos 1980. Já Estela May é o talento mais recente a integrar os autores de tiras da Folha.

As duas participaram de debate aberto ao público durante o 3º Encontro Folha de Jornalismo, realizado nesta quarta-feira (19), no Centro Cultural São Paulo. A conversa foi mediada por Úrsula Passos, editora-assistente de Cultura da Folha. O evento faz parte das comemorações do centenário do jornal, que ocorre em 2021.

Estela May fala ao microfone e gesticula com uma mão enquanto Laerte a observa
Estela May, a mais nova integrante entre os quadrinistas da Folha, e Laerte, quadrinista e chargista da Folha, no 'Encontro de gerações' - Reinaldo Canato/Folhapress

O público mostrou ter muita curiosidade sobre os métodos de trabalho das duas artistas. Muitas perguntas da plateia eram sobre isso, pedindo até explicitamente dicas para quem deseja seguir uma carreira como a delas.

Estela explicou que sempre carrega caderninhos ("Estou com um aqui"), para anotar coisas que inspiram seus desenhos. Laerte, que perguntou muitas coisas para Estela, com clara curiosidade sobre a jovem, quis saber como o trabalho dela se relacionava com a fotografia. Estela revelou que às vezes usa muitas fotos como ponto de partida.

Laerte falou de seu método, segundo ela bastante parecido. "Vou anotando coisas. Como faço isso há muitos anos, não penso mais como essas ideias viram histórias. Com personagens fixos é mais fácil, é um universo pronto. Basta pescar uma situação e escalar os personagens que a história se faz sozinha. Não é um problema, não me preocupa."

Laerte arrancou risos ao responder se às vezes fica maturando uma ideia de tira e, antes de desenhá-la, vê a mesma proposta publicada por outro autor. "O João Montanaro faz isso, ele é mestre em ter ideias antes da gente. Quando tenho uma ideia que acho muito boa, eu dou um Google para ver se alguém já teve. E geralmente alguém teve!"

Estela disse que tenta fazer coisas esquisitas, mas ainda passar um pensamento concreto. "Será que as pessoas vão entender?" Laerte elogiou o desenho da colega, falando que ela aboliu as marcações tradicionais dos quadrinhos. "Parece desenhado a lápis, acho muito bonito" elogiou. Na verdade, ela faz com caneta e depois passa para o computador.

"A Folha ter apostado em mim foi uma loucura", disse Estela. Foi a deixa para a plateia perguntar a elas sobre aspectos positivos e negativos de trabalhar neste jornal.

"Tenho 19 anos e é muito legal ter um pedacinho para desenhos muito doidos, num momento tão difícil para todo mundo. Eu gosto de trabalhar para o jornal", respondeu Estela.

"Tenho que assumir agora minha porção puxa-saco. Não consigo pensar em pontos negativos. A Folha tem uma ligação muito forte com os quadrinhos. Foi o primeiro jornal a ter uma configuração de autores nacionais na página de quadrinhos. Estou lá há muitos anos e é um lugar em que sempre ambicionei estar. Desenhar na Folha sempre foi uma vantagem muito grande", contou Laerte.

As duas autoras não fazem sempre quadrinhos engraçados. Na maior parte do trabalho, focam muito no comportamento das pessoas, em situações tanto patéticas quanto melancólicas. E as duas falaram sobre isso, sobre não fazer humor o tempo todo.

"Humor e comicidade são diferentes", afirmou Laerte. "Comicidade busca a risada de quem está lendo, a medida do sucesso é a risada. O humor é uma parte da comicidade, mas também é uma categoria literária, poética. Autores que não são cômicos, como Machado de Assis, Drummond, claramente usam humor, mas não estão exatamente produzindo piadas. Não quero uma gargalhada no final."

Laerte fez relação de seu trabalho com a política. "Se comento uma monstruosidade que o Bolsonaro está cometendo, quero que as pessoas reflitam. Preciso usar uma linguagem menos piadista e mais contundente." Estela refutou o mote político. "Não gosto de misturar minha arte com essa loucura."

As duas falaram também sobre a superação de grandes perdas. Estela é filha da escritora Fernanda Young, morta no ano passado. Laerte precisou lidar com a perda de um filho. Para Estela, "foi a única maneira com que eu poderia me expressar, foi desenhando e escrevendo. Me ajudou bastante."

"Foi decisivo para uma mudança que eu queria fazer no meu trabalho. Ou faço isso ou não quero mais desenhar", contou Laerte. "Coloquei essa possibilidade de não desenhar mais. Resolvi mudar radicalmente o que fazia, abandonando personagens e piadinhas. Com isso, a luz veio para uma outra área, para que eu desenhasse sobre outras coisas."

Por fim, Laerte relutou mas acabou dando uma dica para pais que querem incentivar os filhos a desenhar. "Toda criança desenha, é só não impedir que ela desenhe. Faz parte do DNA humano, eu desenho desde criança. Há um momento em que as pessoas desaprendem a desenhar. Aparecem outras áreas em que elas se expressam melhor, fazendo música, jogando futebol, entrando para a política. Mas, potencialmente, todo mundo desenha."

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