Descrição de chapéu sustentabilidade

'Transição para a economia de baixo carbono traz oportunidades'

Sergio Andrade, diretor executivo da Agenda Pública, destaca potencial de geração de 200 milhões de empregos e também os desafios em debate no Festival ODS

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Maria Carolina Trevisan
São Paulo

A transformação rumo a uma economia de baixo carbono é uma agenda inescapável, de acordo com Sergio Andrade, diretor executivo da Agenda Pública que, junto com a a Estratégia ODS, realiza a terceira edição do Festival ODS, nos dias 25 e 26 de maio.

Alcançar o desenvolvimento sustentável até 2030 pressupõe ajustes nas economias de países do mundo todo com o objetivo de garantir o fim da pobreza, a proteção do meio ambiente e do clima, a paz e a prosperidade, segundo os objetivos definidos pelas Nações Unidas.

O Festival ODS deste ano pretende analisar iniciativas nacionais e internacionais, apontar desafios, conectar setores, pessoas e iniciativas e criar soluções para os entraves sociais e econômicos para uma transição justa.

Em entrevista à Folha, Andrade detalha meios que podem recuperar a economia sem aumentar o abismo da desigualdade social no Brasil e no mundo.

Na terceira edição do Festival ODS, foram destacados cinco Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Nas edições anteriores, o evento contemplava apenas um. O que mudou?

Nós temos um desafio que é múltiplo. No ano passado, trouxemos a ODS 8 [trabalho decente e crescimento econômico] para pautar a recuperação econômica no país. Naquele momento, se discutia fortemente a agenda do desemprego.

Nós continuamos com o tema econômico, que é a grande agenda brasileira. Mas como podemos fazer frente a esse momento tão complicado do país, em um tema que ao mesmo tempo é um desafio e uma oportunidade.

Os países que têm encontrado caminhos para a recuperação da economia têm insistido na transição ecológica e na economia digital como uma oportunidade para a recuperação. Então, nós trazemos uma agenda que fala de inovação, de energia, dos desafios da desigualdade e continuamos falando de emprego e renda.

Sergio Andrade, diretor executivo da Agenda Pública, realiza em maio a terceira edição do Festival ODS - Keiny Andrade/Folhapress

O que se considera uma transição justa?

É nos prepararmos para um futuro em que a economia precisa se modificar e também preparar o trabalho, os trabalhadores, a renda, os sistemas tributários e fiscais dos países, para que essa transformação gradual possa ser feita.

É trazer essa agenda ao Brasil porque nos interessa como oportunidade de recuperação para a economia, com uma vertente de oportunidades que nós vemos nos Estados Unidos, na Europa e, inclusive, na China.

Ou seja, não há uma ideologia que governa essa transformação da economia, percebemos isso em todos os modelos de sociedade e por isso nos interessa debater isso no país.

Na transição justa, como se dá a balança entre ganhadores e perdedores?

A transição justa surge como um instrumento jurídico no preâmbulo do Acordo de Paris, que estabelece os compromissos climáticos e a preocupação com ganhadores e perdedores da transição energética.

Os setores impactados, como o carvão, a siderurgia, o setor elétrico, a pecuária extensiva, precisam de uma preparação, porque há regiões inteiras que poderiam sofrer muito com medidas mais drásticas de restrição de carbono.

Que oportunidades podem surgir dessa transição?

Um potencial de geração de mais de 200 milhões de empregos, e portanto, significa preparar a economia, a sociedade, os trabalhadores para esse futuro com estratégias de compensação e de requalificação do trabalho e de reformulação de sistemas tributários.

Há exemplos de benefícios nessas mudanças para o trabalhador?

Sim. Nós temos regiões inteiras na Europa que baseiam sua economia no carvão. Nesses locais a mão de obra não é flexível o suficiente para que você possa se adaptar da noite para o dia a uma transformação significativa da economia. Ou seja, haveria grandes perdas, empobrecimento.

O que se projeta na economia de baixo carbono é o uso intensivo de tecnologia, que requer uma preparação dos trabalhadores na ativa e dos jovens. O que precisa de uma estratégia de reinserção e de inclusão produtiva.

Em alguns casos as profissões tendem a desaparecer, então há medidas de prevenção e de compensação e há formas de preparar o trabalho para outras ocupações.

Essas medidas seriam dadas pelo poder público e pelas empresas?

Também pelas empresas. O que é mais óbvio é, realmente, o poder público, que tem esse compromisso de saída. Mas temos iniciativas, por exemplo, como da Unilever na Europa, onde o debate está mais institucionalizado, na Alemanha, e na Espanha, que mantém um instituto nacional de transição justa para coordenar as políticas.

Cada país optou por uma estratégia, uma governança para isso, porque significa coordenar fundos também, que serão direcionados para essa compensação, para essa reconversão de algumas indústrias.

Por exemplo, uma siderúrgica pode ser reconvertida. No caso de uma matriz energética mais intensiva em carbono, o gás pode ser considerado um combustível de transição. Podemos debater se ele é a melhor alternativa de longo prazo mas ele é dito como combustível de transição.

Como se insere o Brasil nessa discussão?

Nós estamos atrás. Mas eu chamaria a atenção para Minas Gerais, que tem pautado esse desafio há muito tempo. Há uma preocupação com o futuro do estado pós mineração, que é uma atividade finita.

Então, é importante pensar em longo prazo. Como será a transformação e também o uso intensivo em carbono. Esse tipo de agenda está presente na mineração, na siderurgia, no setor de transportes.

A ideia é incentivar o consumo local, produzir sistemas agroalimentares mais saudáveis. Isso também interessa para a nossa pecuária

Sergio Andrade

diretor da Agenda Pública

O que significa a transição justa na agricultura?

A União Europeia adotou um programa que pretende incentivar o uso de produtos mais saudáveis na mesa do cidadão, menos fertilizantes no bloco todo.

A ideia é incentivar o consumo local, produzir sistemas agroalimentares mais saudáveis. Isso também interessa para a nossa pecuária. Quais são as inovações tecnológicas que já existem e que podem ser incorporadas à nutrição animal, que vão diminuir a emissão de metano, que vão incentivar um tipo de consumo local, como a agricultura urbana?

É o desafio das indústrias alimentares. Aí eu cito o caso da PepsiCo, que tem adotado uma política de descarbonização agressiva na sua cadeia de valor. São iniciativas que estarão presentes no festival.

Há predisposição do agronegócio no Brasil para assumir essa mudança?

Nós precisamos ser pedagógicos para evitar uma atitude que bloqueie esse diálogo com o agronegócio. Por isso, teremos palestrantes como o Marcelo Britto, que é uma liderança importante e presidiu a Abag – Associação Brasileira do Agronegócio.

Ele apresentará os bons exemplos que já acontecem no Brasil e também essa agenda dos grandes compradores, com decisões que não são apenas dos governos, mas dos cidadãos, pedindo o mapeamento das cadeias de consumo de carne, por exemplo.

O que tem de mais novo vem da China, na compra de proteína animal e que tem demonstrado preocupação sobre a origem da soja. Queremos mostrar o que a transição justa traz para a agricultura, o agronegócio, a possibilidade de superar barreiras sanitárias.

Nós podemos alcançar outros mercados ao adotar políticas de atenção com o desenvolvimento do território.

Também significa a necessidade de uma mudança nas políticas de uso de agrotóxico?

Sim, sem dúvida. Estamos falando de uma estratégia de competitividade, de dinheiro. Então, é importante ter essa consciência. É preciso produzir de uma forma mais sustentável.

A transição significa um processo em que há perdedores e ganhadores. A base da transição justa é o diálogo social, porque é parte das estratégias de negociação para se preparar para essas transformações.

É um processo inevitável, certo?

Essas agendas vieram para ficar.

No setor da mineração, essa mudança também está acontecendo? As tragédias no Brasil impactaram nas empresas?

Na mineração, apesar de sua natureza conflitiva, há um debate amadurecido, com práticas mais sustentáveis, com um novo protocolo que veio depois de Brumadinho, com a preocupação das partes interessadas.

No agronegócio o debate é muito mais incipiente. Por exemplo, os impostos da mineração ficam no território, com uma possibilidade maior de investir nos serviços públicos. O imposto principal gerado pelos produtos agropecuários não fica no município.

A estratégia de desenvolvimento local é muito diferente no agronegócio. Mas todos esses setores, pela importância na economia brasileira, estão confrontados com a realidade de que a sociedade espera uma mudança de cultura, com investimentos mais preocupados com retorno de longo prazo e uma visão sustentável em termos de emprego, equilíbrio e sustentabilidade.

Nós temos caminhos para recuperar a economia brasileira de uma forma inclusiva.

Sergio Andrade

diretor da Agenda Pública

Que resultado espera alcançar nos dois dias de debates e encontros para discutir questões tão sensíveis?

Que nós temos caminhos para recuperar a economia brasileira de uma forma inclusiva. Não significa só priorizar uma agenda, como a reforma fiscal que muitos apontam como o motor da nossa recuperação. Não significa apenas nos abrirmos mais para os investimentos privados.

É uma soma disso tudo. O que a experiência internacional nos mostra é que a recuperação econômica, a transição para a economia de baixo carbono traz oportunidades, e que isso combina acesso a serviços públicos, inclusive, como vetor de desenvolvimento.

Isso, combinado com medidas de recuperação como o estímulo ao pequeno e médio produtor, como olhar para o campo brasileiro e suas oportunidades, significa um caminho para o Brasil, para repensar o seu lugar no mundo.

É uma agenda inescapável: ou nós discutimos isso, ou nós estaremos fora, pelo menos do mundo que nós entendemos como nossos pares, do mundo Ocidental.

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