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Casar na adolescência impacta futuro de meninas de qualquer classe social, dizem ativistas

União de prefeito de 65 anos com garota de 16 em Araucária (PR) reacende debate sobre consentimento

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São Paulo

A notícia do prefeito de 65 anos que se casou com uma menina de 16 e nomeou a sogra como secretária de governo, na cidade paranaense de Araucária, chamou a atenção por vários motivos —da suspeita de nepotismo à diferença de idade de quase 50 anos entre os cônjuges. A relação do político Hissam Hussein Dehaini com uma ex-miss teen reabriu também a discussão sobre até que ponto uma adolescente dessa idade tem autonomia para consentir com esse tipo de união.

Por um lado, a lei brasileira permite que jovens a partir de 16 anos se casem, desde que tenham autorização dos pais. Por outro, a ONU e organizações de direitos da criança e do adolescente consideram que toda união antes dos 18 anos é precoce e preconizam que os países não abram exceções como o Brasil.

Hissam Hussein Dehaini, 65, prefeito de Araucária, cidade situada na região metropolitana de Curitiba - hissamoficial no Instagram

Estudos mundiais mostram que meninas que se casam muito cedo têm mais chance de abandonar a escola, engravidar cedo, desenvolver dependência financeira e emocional e sofrer violência física, sexual e psicológica.

Esses desfechos negativos não atingem só aquelas que vêm de contextos de pobreza e vulnerabilidade social —ainda que atinjam com mais frequência meninas negras de 15 a 17 anos e em situações de extrema pobreza.

"Mesmo que ela não tenha uma condição socioeconômica ruim, a chance de engravidar cedo, abandonar a escola e não cursar uma faculdade é maior. Muitas assumem responsabilidades que não deveriam assumir nessa idade. Tudo isso compromete seu futuro acadêmico e profissional", afirma Ana Nery, especialista em gênero e inclusão na organização Plan International Brasil.

Segundo ela, quando o cônjuge é uma pessoa mais velha e com poder de influência, cria-se uma relação de poder desvantajosa para a adolescente, o que leva a questionar a real capacidade de decisão. Pressões familiares também podem influenciar.

"A menina dessa faixa etária ainda está desenvolvendo habilidades emocionais, físicas, socioculturais. A pessoa mais velha tem mais elementos para barganhar aquilo que quer", completa Nery.

"Uma coisa é uma menina de 16 anos que se casa com alguém de 18. Outra é quando é com um homem de 60", compara Isabela Cavalcante, uma das jovens líderes da organização Girl Up Brasil. "Essa diferença causa desequilíbrios muito grandes que podem influenciar na tomada de decisão dessa adolescente. Ela fica suscetível a manipulações."

Cavalcante, que é estudante de direito, diz que já é consenso entre juristas que a criança não tem autonomia para escolher se casar até os 15 anos, mas a faixa etária dos 16 aos 18 ainda é "uma zona cinzenta".

Alguns pesquisadores defendem que a idade não seja o único critério e que fatores como a maturidade emocional sejam levados em conta ao avaliar a capacidade de decisão, explica. "Mas a maior parte da doutrina afirma que mesmo que essa menor de idade consiga decidir se quer ou não casar, ela não tem capacidade de entender o impacto que aquilo vai causar em sua vida."

"Essa adolescente pode ter falado ‘sim’, mas se ela está inserida em um contexto familiar que naturaliza esse tipo de relação, será que ela consegue entender as consequências disso para o futuro dela?", questiona.

O Brasil é o quinto país do mundo com mais casamentos infantis, atrás de Índia, Bangladesh, Nigéria e Etiópia. Estima-se que ocorram, em média, nove casamentos com adolescentes por dia no país. No ano passado, foram 3.176; desde 2003, são 47 mil.

A causa 'Da Repressão à Prevenção da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes' tem o apoio do Instituto Liberta, parceiro da plataforma Social+.

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