Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Casamento infantil no Brasil deveria estar no centro da preocupação da sociedade

Ouço relatos cada vez mais frequentes de vítimas de violência pelo ex ou atual, mas que não têm meios de se defender

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São Paulo

Em momentos tão decisivos como o atual período eleitoral, é necessário avaliar projetos e escolher aqueles comprometidos com a pauta das mulheres. Ela abrange temas como direito à creche, à saúde, mecanismos de acolhimento à vítima de violência, entre tantos outros.

Partindo de uma perspectiva interseccional, as mulheres devem estar contempladas em sua multiplicidade em todas as políticas públicas do país, como moradia, esportes, comunicação, agricultura e segurança pública.

Quero neste texto me estender na reflexão sobre a segurança pública e a mulher. Pois têm sido cada vez mais frequentes os relatos que tenho ouvido de mulheres vítimas de violência pelo ex ou atual companheiro, mas que não têm meios de se defender.

Na ilustração, de fundo bege, três mulheres abrigadas entre si estão localizadas ao centro e sobre elas pairam duas mãos cobrindo-as.
Ilustração publicada em 9 de setembro de 2022 - Linoca Souza


Faremos essa reflexão a partir de uma história, a qual eu diria que está em boa parte dos relatos.
Nossa história começa assim: em um contexto social vulnerabilizado, uma menina adolescente é atraída para um homem anos mais velho. Naquele momento, ela passa pelas suas primeiras experiências com quem já entrou na vida adulta há algum tempo.

Infelizmente, isso é normalizado no país do casamento infantil. Lembro-me de que quando era professora da rede pública de ensino em Guarulhos. Vi muitas meninas engravidadas por homens mais velhos e que saíam da escola por não terem mais condições materiais para frequentá-la.

Em coluna de fevereiro nesta mesma Folha, estendi-me sobre casamento infantil e como essa questão deveria estar no centro da preocupação da sociedade, por ser fonte de ausência de políticas públicas e de diversas formas de violência contra a mulher.


Voltemos à nossa história. Essa menina cresce e começa a perceber que a vida é mais. Ela tem vontade de conhecer outras realidades e sente que sua vida não comporta mais aquilo. O homem, de quem neste momento a jovem está grávida, ou com quem teve um ou mais filhos, torna-se mais desinteressante, ao mesmo tempo em que fica mais violento do que o habitual. Sua grosseria e possessividade são insuportáveis. A menina, então, toma uma atitude e volta para a casa da mãe, com as crianças. Nessa história, ela tem um lugar para onde voltar.

A mãe dessa jovem também foi um dia a menina que teve filhos com um homem mais velho, repetindo o ciclo de feminização da pobreza. Ela recebe a filha em casa, apesar do pouco espaço e do dinheiro que já não dava para pagar as contas. A mãe lamenta por aquele homem com quem teve a filha estar em algum lugar qualquer e não poder contar com seu ex-companheiro.

Os homens vão viver sua vida infernizando outras mulheres. Eis o abandono paterno amplamente legalizado e difundido no país.


O ex-companheiro da jovem faz da ameaça e da intimidação dela seu grande projeto de vida. Ameaça que vai falar com a facção para raspar a cabeça dela e amarrá-la ao pé da cama. Ela é dele, ele diz. Ele sabe onde é a casa da ex-sogra e passa na frente da residência a todo momento, liga e deixa mensagens para a ex-companheira, dizendo que se vê-la com outro irá matá-la.

Na casa da jovem, o clima é de constante apreensão. Todas as pessoas ali —na maioria das residências mulheres e crianças— têm medo de sair na rua para ir à padaria e encontrá-lo. O jeito é ir à polícia, dizer o que está acontecendo, mostrar as mensagens de celular e registrar um boletim de ocorrência.

Pode ser que não haja unidade policial perto e que ela e a mãe não consigam ser atendidas. Ou ainda que elas sejam mal atendidas, depois de horas de espera. Mas, para fins deste texto, elas foram atendidas.
No caso, a jovem obtém até uma medida judicial que diz que o homem deve se manter a centenas de metros de distância, ou será preso.


Mas o projeto de vida dele é infernizar a vida daquela família, e essas medidas não são o bastante, nem de longe. Então, para mostrar que é homem mesmo, esse infeliz vai até a casa da ex-sogra armado...
É desnecessário chegar ao fim dessa tragédia anunciada tão comum neste país. Estamos aqui falando de situações que não são apenas casos constantes de feminicídio, mas da perda de projetos de vida, de dores e de traumas.

Conto essa história para inspirar a criação de programas de proteção e de centros de empoderamento e enfrentamento aos homens violentos, entre tantas medidas possíveis. Eleições estão aí. É preciso ter consciência e avançar nos direitos das mulheres.

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