Descrição de chapéu Dias Melhores

Centros acolhem idosos durante o dia para combater depressão e até endividamento

Espaços oferecem serviços gratuitos para idosos vulneráveis ou sem rede de apoio

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São Paulo (SP)

Trajando preto dos pés à cabeça, com calça e blazer listrados, chapéu e um estiloso colar de metal, Fulgêncio Santiago chega ao Centro Dia Lar Santo Alberto para mais uma jornada de atividades.

Quem vê o músico com pinta de roqueiro não pensa que ele está no auge de seus 91 anos. Baby Santiago —nome artístico pelo qual prefere ser chamado— é um dos 30 idosos que frequentam de segunda a sexta-feira o espaço de convivência da Associação Santo Agostinho (Asa), em São Paulo.

"É melhor estar aqui. Tenho com quem conversar e me divirto. Em casa, fico só andando do quarto para a cozinha, da sala para o quarto. É uma prisão", diz.

Idoso de chapéu, com jaqueta branca, sentado em cadeira, olhando para câmera
Baby Santiago, frequentador do Centro Dia Lar Santo Alberto, em São Paulo (SP) - Divulgação/Asa

Localizado na zona norte da capital paulista, o espaço oferece gratuitamente serviço de atenção diurna a pessoas com 60 anos ou mais em situação de vulnerabilidade social, com grau de dependência física ou cognitiva que demande cuidados especiais.

Os usuários do CDI (Centro Dia para Idosos) são encaminhados à instituição pelo Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), após passarem por avaliação que determina se cumprem os critérios para receber o atendimento.

"Os idosos que frequentam a unidade são semidependentes e não têm mais condições de ficar sozinhos em casa", afirma Sandra Leme, gerente do CDI da Asa.

Idosas sentadas à mesa jogando jogo de tabuleiro com peças coloridas
Frequentadores do Centro Dia Lar Santo Alberto recebem um cronograma mensal de oficinas e atividades lúdicas e educativas - Divulgação/Asa

Fortalecer a autonomia dos idosos é um dos objetivos da equipe multidisciplinar composta por cuidadores, psicólogos, enfermeiros e nutricionistas.

"Eles passam o dia aqui, participando de oficinas que promovem qualidade de vida", explica Leme.

Além disso, alguns dos frequentadores do centro são encaminhados para receber acompanhamento médico e psicológico em Unidades Básicas de Saúde.

Diferentemente do que acontece nas ILPIs (Instituição de Longa Permanência para Idosos), conhecidas popularmente como asilos, os CDIs não têm caráter de residência.

Pedro Badra, 78, frequenta a associação de segunda a sexta-feira com a esposa Maria Lúcia Barros, 77. O casal, que mora sozinho, estava tendo dificuldades para preparar refeições e lidar com outras tarefas domésticas no decorrer do dia.

Depois de serem indicados para o centro e incentivados pela filha a frequentar o espaço, acabaram optando por se inscrever, mas não sem desconfiança. Pedro afirma que sentiu receio inicialmente, porque temia sofrer maus-tratos. Hoje, não tem dúvidas de que tomou a decisão correta.

"Na verdade, nós que estamos aqui somos todos jovens. Velho é quem está lá fora e não quer fazer nada", brinca o comerciante aposentado.

Seguindo um cronograma mensal, a Asa organiza oficinas de música, canto, dança, artesanato e informática, além de jogos, rodas de conversa e aulas de ioga. São realizadas, ainda, palestras e reuniões periódicas com as famílias dos frequentadores —e cada pessoa é livre para escolher suas atividades.

"A melhor parte é receber o retorno das famílias. Algumas contam que passaram no geriatra, e o médico quis saber o que estavam fazendo, porque o idoso teve uma melhora muito significativa", diz Melissa Pimentel, superintendente da Asa.

De acordo com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, o Creas busca alternativas para quem não atende os requisitos para frequentar os CDIs, a exemplo dos NCIs (Núcleos de Convivência de Idosos) e dos CCInter (Centros de Convivência Intergeracional).

Outras opções são serviços de saúde e de outras secretarias. Em casos mais específicos, há destinação para serviços de acolhimento.

Em 2021, o Creas direcionou 67 idosos para CDIs da capital. No ano seguinte, o número mais que dobrou, saltando para 158. Já em 2023, foram 138. Conforme os dados mais recentes, 22 idosos foram encaminhados em janeiro deste ano, de um total de 480 atendidos.

Entidade que desenvolve trabalho semelhante ao da Asa em São Paulo é o Instituto Velho Amigo, com seu núcleo de convivência em Heliópolis, favela da zona sul de São Paulo.

A ONG atende mais de 230 idosos socioeconomicamente vulneráveis, que vivem com menos de um salário-mínimo. Em sua maioria, são migrantes da região Nordeste, que vieram para São Paulo na juventude em busca de oportunidades.

"Os atendidos geralmente moram sozinhos ou dividem o lar com outros idosos e não têm alguém da família para apoiá-los", afirma Elza Araújo, coordenadora de programas do instituto.

Além de atividades regulares, como educação física, artesanato e ioga, o Instituto Velho Amigo promove oficinas de alfabetização e educação financeira.

As aulas são antídotos contra o endividamento dos idosos, público-alvo de empresas que atuam com empréstimos consignados em condições abusivas, que comprometem a aposentadoria.

"O superendividamento é um problema social que atinge especialmente a população idosa", afirma Bibiana Graeff, professora do curso de gerontologia na EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) da USP.

"Essas pessoas recebem uma renda fixa de aposentadoria ou de pensão, sobre a qual existe um assédio e uma abordagem abusiva na oferta de empréstimos consignados, muitas vezes sem qualquer critério".

Atualmente, 2,4 milhões de brasileiros têm direito ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), auxílio mensal pago a idosos a partir de 65 anos com renda de até um quarto do salário mínimo, segundo o Ministério da Previdência Social.

Um estudo da Serasa Experian, que analisou o endividamento dos brasileiros entre 2019 e 2023, dimensiona a situação: só no período observado, o número de idosos inadimplentes cresceu 17%, frente ao aumento de 12% nas demais faixas etárias.

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