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Lalo de Almeida/Folha Imagem
Trabalhador arruma bobinas de papel que serão utilizadas na impressão do jornal no Centro Tecnológico Gráfico-Folha, em Tamboré, na periferia de São Paulo
O jornalismo como crise permanente

Novíssima sociedade civil pede formas inéditas de abordagem, diálogo e serviço


FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DO PAINEL

Qualquer publicação que chegasse aos 80 anos na condição de maior e provavelmente mais influente jornal do país estaria satisfeita. Não a Folha. Mola propulsora de sua evolução, a mania de se considerar insatisfeito consigo mesmo é uma característica do jornal. "A Folha anda muito morna e acomodada. A responsabilidade por isso é da equipe inteira, a começar por mim. Em vez de comemorar, precisamos sacudir o jornal, colocá-lo novamente em crise, pois o sentimento de crise é que o obriga a melhorar", diz seu diretor de Redação, Otavio Frias Filho.

O elogio da crise como motor da auto-superação, um pouco estranho aos hábitos da sociedade brasileira, é uma obsessão de Frias Filho que ele disseminou na Redação do jornal desde que assumiu sua direção, em 1984. O lado propositivo dessa insatisfação recebeu tratamento sistemático no Projeto Editorial que a Folha publicou em 1997, o mais recente de uma série de documentos que o jornal começou a divulgar em 1981 visando ordenar seus procedimentos e estabelecer suas prioridades editoriais.

Sob o título "Caos da informação exige jornalismo mais seletivo, qualificado e didático", o texto do projeto parte do diagnóstico de que o leitor vem sendo submetido a uma espécie de bombardeio entrópico de informações. Em parte, diz o texto, porque "uma constelação de mudanças espetaculares na política, na economia, nas idéias" num lapso de tempo curto não poderia deixar de abalar a atividade jornalística, registro taquigráfico da história.

A Internet, a saturação de informações e a dispersão do público obrigam o jornal a se reorientar


Em parte, porque a revolução tecnológica e o advento da Internet multiplicaram a quantidade e os meios de acesso à informação, obrigando o jornal _impresso ou na tela_ a se reorientar.

Saturação de informações, tendência de convergência de todas as modalidades de comunicação a uma mesma linguagem tecnológica e dispersão do público numa segmentação de interesses jamais registrada.

Diante desse quadro, novo e complexo, o Projeto Editorial de 1997 preconiza que "a utilidade dos jornais crescerá se eles conseguirem não apenas organizar a informação inespecífica, aquela que potencialmente interessa a toda pessoa alfabetizada, como também torná-la compreensível em seus nexos e articulações, exatamente para garantir seu trânsito em meio à heterogeneidade de um público fragmentário e dispersivo". Ou seja, "o jornalismo terá de fazer frente a uma exigência qualitativa muito superior à do passado, refinando sua capacidade de selecionar, didatizar e analisar", conforme diz o Projeto.

A preocupação com o didatismo
Entre a meta fixada e sua consecução diária, os profissionais que hoje comandam a Redação da Folha avaliam que vá uma grande distância. "O jornal tem-se revelado um pouco passivo na identificação de novos problemas e tendências. Noto uma certa apatia na elaboração das pautas, como se estivéssemos ligados num piloto automático. A edição das informações também precisa ser mais crítica, aprofundar a interpretação e ter um grau maior de inteligência e inteligibilidade. Por fim, a preocupação com o didatismo, uma das marcas distintivas do jornal há anos, precisa ser revigorada", diz a editora-executiva da Folha, Eleonora de Lucena.

Desde o lançamento do último Projeto Editorial, no entanto, passos significativos foram dados para aproximá-lo da realidade. A começar pelo incremento da política de publicação de cadernos especiais, a partir de 1997. Foram 33 naquele ano, 38 em 1998, 31 em 1999 e 36 no ano passado.

"Esses cadernos atendem o desejo do leitor não apenas de se informar, mas de entender temas que estão diariamente nas páginas do jornal e que são ou muito complexos, como o genoma, ou difíceis de definir, como a globalização. Os cadernos servem também como parâmetro para mensurar o que o jornal em tese deveria realizar no dia-a-dia à luz do que solicita o Projeto Editorial", diz Paula Cesarino Costa, secretária de Redação da Folha.

Além dos especiais, a reforma gráfica por que passou a Folha em maio do ano passado é outro de seus marcos importantes no período recente. Elaborada pelo designer gráfico italiano Vincenzo Scarpellini, seu intuito foi aprimorar a hierarquia do noticiário, tornando mais claro o que é essencial e o que é acessório. Scarpellini a definiu como uma "revolução silenciosa que atingiu o âmago do projeto editorial", tornando o jornal "menos poluído e mais transitável". No pacote da reforma, o padrão gráfico do TV Folha foi completamente modificado e o Mais! e o Folhateen ganharam formatos novos. Na mesma época, a Folha lançou mais um caderno semanal, o Equilíbrio, ancorado no conceito de "qualidade de vida", uma espécie de esperanto comportamental dos dias de hoje. Tendo como ingredientes principais a saúde do corpo, do espírito e do meio ambiente, o caderno tem um dos maiores índices de aprovação do leitor da Folha.

Foi também nessa época, no início de 2000, que a Folha Online, o jornal da Folha na Internet, passou por uma ampla reforma gráfica e contratou articulistas de renome no jornalismo. O secretário de Redação da Folha Online, Vaguinaldo Marinheiro, lembra que essa "é uma mídia que agrega a temperatura do rádio e da TV à permanência do jornal, com a vantagem de que na Internet o espaço, o suporte material da notícia, é ilimitado". A integração do jornal na Internet com o jornal no papel é um dos tópicos que ainda precisam ser mais bem equacionados nos próximos anos.

Em julho de 1998, quase dois anos antes dessas mudanças, a Folha lançava o Folhainvest, caderno semanal que circula às segundas-feiras. Idéia original do publisher do jornal, Octavio Frias de Oliveira, a publicação, impensável antes da estabilização da moeda, se propôs a decifrar os mecanismos do mercado financeiro, com a preocupação de orientar o leitor leigo interessado em montar a sua própria carteira de investimentos, num momento em que os fundos se diversificaram e passaram a constituir opções de economia e ganho para um universo de pessoas antes alheias a esse tipo de operação.

Um ano antes, em março de 1997, o jornal passou a circular às sextas-feiras em São Paulo com o Guia da Folha em formato de bolso, trazendo um vasto roteiro com serviços nas áreas de cultura, gastronomia e lazer.

A demanda do individualismo
Para além da área editorial, a política de relacionamento da Folha com seus assinantes vem sofrendo alterações desde o ano passado. "Não adianta muito ter o melhor produto se a empresa não oferecer também o melhor serviço. Nossa primeira preocupação é aproximar-nos do leitor, atendendo suas reclamações e resolvendo seus problemas com rapidez e eficiência", diz Antonio Manuel Teixeira Mendes, diretor-superintendente da Folha.

Vistas em conjunto, as iniciativas da Folha nos últimos anos indicam uma expansão significativa de um novo jornalismo de serviços. Trata-se de um tipo de informação que serve ao egoísmo pragmático que caracteriza a mentalidade dominante dos nossos dias. Demanda crescente de um leitor individualista, essa tendência se explica por uma dificuldade histórica anotada pelo Projeto de 1997: "O espaço público, terreno em que o jornalismo sempre lastreou sua legitimidade, passa por um terremoto que ainda não se assentou.(...) Conceito sempre difuso, a opinião pública ganha unidade com a convergência geral de idéias, mas se dispersa numa segmentação de interesses que desafia a linguagem em comum", diz o texto.

Um dos maiores desafios da Folha daqui em diante será compatibilizar os interesses de um leitor cada vez mais encerrado em seu universo individual com um jornalismo capaz de lançar nova luz sobre um espaço público hoje difícil de identificar. O colunista Clóvis Rossi tem chamado a atenção para o fato de que está sendo gestada uma sociedade civil diferente, pulverizada, anômica e flexível. E o jornal acha necessário encontrar formas de interlocução com essas novíssimas formas de vida política. A incipiente fragmentação do consenso ideológico dos anos 90 coloca a necessidade de que a exclusão social, que cresceu no período, receba um tratamento jornalístico revigorado.

Eleonora de Lucena acrescenta a necessidade de que o jornal adote "atitudes mais agressivas e independentes, no sentido de desatrelar o noticiário de um oficialismo que, mesmo quando não faz parte da cultura do jornal, como é o caso da Folha, se instalou de modo subliminar e quase imperceptível na maneira com que olhamos para as coisas".

Parte desse desafio passa necessariamente pelo refinamento da disposição crítica, por um grau maior de discernimento e pela melhor qualificação dos profissionais que atuam no jornal. "Nós, da imprensa, ainda não estamos intelectualmente equipados para dar um tratamento mais técnico e menos ideológico às questões. Precisamos aprender a fazer isso", diz Frias Filho.

A função jornalística de incomodar governos
Não há como desvincular essas novas exigências que se apresentam para o jornal da chegada do tucanato ao poder. A Folha veio se afirmando como maior jornal brasileiro em consonância, ainda que nunca automática, num percurso cheio de atritos, com as grandes demandas reformistas e democratizantes de setores expressivos da opinião pública. A chegada de Fernando Henrique Cardoso à Presidência tornou as coisas mais complexas e renovou os desafios do jornal.

Por um lado, era a parcela hegemônica da chamada sociedade civil, que encontrara na Folha, nos anos 70 e 80, um aliado e um fórum para debater idéias em público, que tomava as rédeas do país. Por outro lado, esse mesmo grupo, em parte por opção, em parte por constrangimento histórico, se viu compelido a levar a cabo um programa de reformas liberalizantes, que representava o contrário das posições que pregara dez anos antes, na oposição.

Diante de um curto-circuito histórico como esse não seria equivocado identificar ao longo do período recente certa esquizofrenia nas relações da Folha com o poder. Convívio tenso, não há dúvida, mas que nunca chegou a ameaçar o cerne da linha editorial, levando-a não raro a uma saudável posição de isolamento em comparação com o alinhamento mais ou menos incondicional do restante da grande mídia ao poder.

"Jornal existe para incomodar os governos. Não importa se ele é bom ou ruim, incomodar é um dos poucos serviços públicos que a imprensa presta. E incomodar é interpelar, criticar, duvidar, ir contra a corrente’’, diz Frias Filho.

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