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Juca Varella - 23.jun.96/Folha Imagem
Fotógrafo flagra autópsia de PC Farias
Corpo de PC Farias é autopsiado no IML de Maceió (foto). O fotógrafo Juca Varella, que estava em Brasília, foi designado para acompanhar o caso. Ficou na porta do IML com outros fotógrafos. "Vi que dali não tiraria nada e resolvi rodear o prédio", lembra. Foi quando avistou duas janelas cobertas com plástico preto. Pela fresta do plástico, avistou o corpo de PC e o fotografou. "Corri para o hotel e revelei o filme no banheiro."


Reportagens exclusivas marcam história


Investigações jornalísticas revelam fatos que estão escondidos da opinião pública


ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Há quem defenda, com razão, que jornais diários são mais perecíveis do que o leite matinal. No entanto mesmo os jornais às vezes superam o efêmero e oferecem reportagens que, por alterar o presente de maneira decisiva, acabam merecendo lembranças futuras.

Foi assim na manhã de 8 de agosto de 1986, uma sexta-feira. A Folha que chegava às bancas exibia manchete tão inusitada quanto preocupante: "Brasil prepara local de teste nuclear". Inusitada porque revelava um segredo militar apenas 16 meses depois de os generais deixarem o poder. Preocupante porque as informações que trazia, embora contestadas pelas autoridades da época, mostraram-se verdadeiras.

O jornal contava que o governo brasileiro estava construindo instalações subterrâneas para provas nucleares e armazenamento de lixo atômico na Base Aérea da Serra do Cachimbo, sul do Pará. Um dos poços, com 320 metros de profundidade, já ficara pronto e custara cerca de US$ 5 milhões.

Como Janio de Freitas soube do caso Norte-Sul? ‘Mamãe deu a dica’, ironiza


Por ordem do Ministério da Aeronáutica, os profissionais que trabalhavam no "Projeto Pedra do Índio", como o chamavam, deveriam guardar sigilo absoluto. Ocorre que a repórter mineira Elvira Lobato _ainda hoje contratada da Folha_ conhecia muitos geólogos. Editara, no início dos anos 80, um periódico da categoria, batizado de "A Brecha". "Certo dia, um daqueles geólogos, Arno Bertoldo, funcionário da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), me telefonou", relembra a jornalista, que mora no Rio. Ele relatava a suspeita, expressa por dois engenheiros, de que a própria CPRM, uma estatal, fazia os poços com a Aeronáutica.

Elvira julgou que valia a pena investigar a história. Depois de duas semanas, localizou três técnicos que concordaram em lhe dar os detalhes do caso, sob a condição de se manterem anônimos. Não forneceram nenhum documento que comprovasse o que diziam. Alegavam que os militares costumavam queimar todos os papéis relativos à operação.

Num relatório de 25 páginas, Elvira passou para o jornal os dados que colhera. Outros repórteres receberam a incumbência de checar cada item com fontes das Forças Armadas em Brasília, São Paulo e São José dos Campos.

Mal saiu, a reportagem alcançou enorme repercussão, inclusive fora do país, e o governo tratou logo de refutá-la. Admitia que tocava obras na serra do Cachimbo, mas negava a intenção de realizar ali testes que objetivassem o desenvolvimento de armas nucleares (até porque o Brasil é signatário de acordo internacional que veta experimentos do gênero).

A confirmação oficial só veio em setembro de 1990, quando o então presidente Fernando Collor de Mello mandou lacrar o poço. "Considero aquela reportagem a mais importante de minha carreira", avalia Elvira, 48, que exerce a profissão desde 1972. Ela, entretanto, não assinou os textos. Na ocasião, por razões de segurança, o jornal achou melhor não identificar as pessoas que participaram da apuração.

Se o nome de Elvira não apareceu, o do niteroiense Janio de Freitas, 68, ocupou o alto da primeira página em 13 de maio de 1987. O colunista da Folha começava assim a reportagem que azedou a quarta-feira de políticos e empreiteiros: "Foi fraudulenta e determinada por corrupção a concorrência pública, cujos resultados o governo divulgou ontem à noite, para construção da ferrovia Maranhão-Brasília (ou Norte-Sul)".

A estrada em questão _menina-dos-olhos de José Sarney, o presidente da República na época_ teria 1.570 km e despertava críticas de diversos setores da sociedade, que a julgavam excessivamente cara (o custo previsto beirava os US$ 2,4 bilhões).

Antes de a estatal Valec e o Ministério dos Transportes abrirem os envelopes com as propostas das 21 empresas que pretendiam executar a ferrovia, Janio já sabia quais as 18 que venceriam a licitação. Sabia também qual o lote da estrada que cada ganhadora iria construir. Era um jogo de cartas marcadas.

Como soube? "Mamãe deu a dica", gosta de ironizar, sem nunca entregar o caminho das pedras. Para provar que realmente conhecia o resultado da disputa, Janio lançou mão de um artifício engenhoso.

Elaborou um anúncio que antecipava, em código, o nome dos vencedores e o fez publicar no Classifolha do dia 8 de maio _mais especificamente, na sugestiva seção "Negócios. Oportunidades". Perdido entre ofertas de prensas hidráulicas e de massagens "for men", o enigmático classificado fornecia várias combinações de letras e números. Por exemplo: L2A - QG e L3A - MJ. No dia 13, Janio explicou o significado de tais combinações: a empreiteira Queiroz Galvão (QG) construiria o lote 2A da ferrovia, e a Mendes Jr. (MJ) ficaria com o 3A.

"Pensei, primeiro, em divulgar os códigos na seção de turfe", recorda-se o colunista. "Quando sugeri, me alertaram: ‘Ô, Janio, a Folha não tem seção de turfe’."

Um dia depois de a reportagem vir à tona, a Valec anulou a licitação, mas reabriu-a no mês seguinte. Hoje, dos 1.570 km planejados, nem 15% estão concluídos. Nenhum dos responsáveis pelas irregularidades sofreu punição.

Até o começo da década de 90, o jornalista aplicou método semelhante para desmascarar novas concorrências e negócios públicos. "Estourei uns 30", calcula. Curiosamente, não julga aquela a melhor fase de sua carreira. Prefere os anos 50 e 60 _tempo em que se dedicava, no Rio, à remodelação de publicações como o "Jornal do Brasil", a "Última Hora" e o "Correio da Manhã".

Pelo menos duas peculiaridades marcaram o caso Norte-Sul. 1) A edição da Folha com a denúncia só circulou em Brasília à tarde. Durante a manhã, corriam boatos de que o governo impedira o jornal de chegar à capital. Na verdade, havia motivo bem mais prosaico: o vôo que levava os exemplares de São Paulo para o Distrito Federal atrasou. 2) Apesar de ganhar destaque na primeira página e cinco prêmios, a investigação de Janio não mereceu a manchete principal do dia. Ficou abaixo de uma notícia que os editores consideraram mais relevante: "Bresser define a política de preços". Alguém lembra de que se tratava?

Um certo Senhor X conta bastidores da reeleição
Outro colunista da Folha, o repórter Fernando Rodrigues, 37, que nasceu em São João da Boa Vista (SP), não cultiva superstições "nem tipo algum de crença metafísica". Mesmo assim, não deixa de notar que, "dez anos depois de o Janio emplacar um tremendo furo", ele, Fernando, repetiu a proeza. No dia 13 de maio de 1997 _ "dez anos redondos, não é estranho?"_, assinava a manchete do jornal: "Deputado conta que votou pela reeleição por R$ 200 mil".

A reportagem reproduzia diálogos gravados entre Ronivon Santiago (PFL-AC) e um certo Senhor X. O parlamentar confessava que se vendera. Ou melhor, esclarecia por que resolvera votar, em janeiro, a favor da emenda que permitiu ao presidente FHC candidatar-se à reeleição: a oferta de R$ 200 mil azeitou-lhe o voto.

Senhor X _que desfrutava de bom trânsito no Congresso e jamais teve a verdadeira identidade confirmada_ colheu a confissão em diferentes encontros privados. Orientado por Fernando, registrou tudo disfarçadamente, num microgravador japonês, cedido pelo repórter.

As conversas renderam três fitas. Nas gravações, Santiago afirmava que os deputados acreanos João Maia, Zila Bezerra, Osmir Lima e Chicão Brígido também se tinham vendido. Apontava, ainda, os governadores Orleir Cameli, do Acre, e Amazonino Mendes, do Amazonas, como compradores dos votos.

No dia 14, Fernando retornou às manchetes com mais gravações realizadas pelo Senhor X. Dessa vez, era João Maia (PFL-AC) quem relatava a negociata na Câmara e envolvia o ministro Sérgio Motta, das Comunicações: "Aquele dinheiro (...) o Amazonino mandou trazer por ordem do... do... menino aqui, do Serjão".

Todos os citados negaram participar do esquema. Santiago e Maia, porém, acabaram expulsos do PFL e renunciaram a seus mandatos. Deputados oposicionistas tentaram instaurar uma CPI para apurar o episódio, sem sucesso. Dezessete meses após a denúncia, FHC se reelegeu.

"Reportagens investigativas desgastam demais", diz Fernando, um especialista no gênero. E o autor das gravações, por que virou Senhor X? "Por razões estéticas", explica o repórter. "A princípio, chamei-o simplesmente de X. Mas quando Josias de Souza (à época, secretário de Redação) viu as transcrições dos diálogos nas páginas ainda não impressas do jornal, achou que aquele X solitário ficava feio. Não caía bem graficamente. Propôs então: ‘Use Senhor X’."

A altura da namorada de Paulo César Farias
No finalzinho de 1998, o mesmo Josias telefonou de São Paulo para a sucursal do Rio. Queria falar com o repórter Mário Magalhães, 36, carioca que se criou em Copacabana e está na Folha há quase dez anos: "Que tal se retomássemos o caso PC?".

Paulo César Farias, o PC, tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor, morrera na madrugada de 23 de junho de 1996, em companhia da namorada, Suzana Marcolino da Silva. Cada um levou um tiro. Com base em laudo coordenado pelo médico-legista Fortunato Badan Palhares, a polícia de Alagoas (onde aconteceram as mortes) concluiu que Suzana assassinara PC e, depois, suicidara-se.

Havia, contudo, mais um laudo. Confeccionado por determinação da Justiça alagoana, colocava em xeque os argumentos de Badan, embora não conseguisse motivar a reabertura do inquérito policial.

Ao escutar a proposta de Josias, Mário se animou: o caso ainda possuía muitos nós a desatar. Em janeiro de 1999, viajou para Maceió à procura da documentação sobre as mortes. Permaneceu 11 dias na cidade. Deu prioridade à análise dos dois laudos divergentes. Uma pergunta o norteava: "Como um jornalista, sem conhecer balística, medicina legal e outros pormenores técnicos, poderá saber qual dos dois traz a versão correta?".

Um artigo do próprio Badan, publicado na Folha em 1997, dava a pista. O médico explicava por que defendia a tese de assassinato seguido de suicídio. "A altura de Suzana é fundamental", escreveu. "Estando errada, estará errado todo o resto _a começar pela trajetória do tiro."

Badan sustentava que Suzana e o tesoureiro mediam, respectivamente, 1,67 m e 1,63 m. O laudo alternativo _que o legista procurava rebater com o artigo_ aceitava os dados sobre PC, mas questionava as medidas da moça.

Mário resolveu checá-las. Em fins de fevereiro, voou novamente para Alagoas e ficou quase um mês por lá. Os frutos da garimpagem aterrissaram na primeira página de 24 de março: "Fotos derrubam laudo da morte de PC".

Recolhidas com informantes que o repórter preserva incógnitos, as fotografias mostravam que Suzana era bem mais baixa do que o namorado. Tinha menos de 1,60 m.

A reportagem provocou o reinício das investigações. Ao longo do ano, em parceria com dois colegas da Agência Folha (Ari Cipola e Paulo Peixoto), Mário produziu outros textos que fomentaram as dúvidas sobre as proposições de Badan. O inquérito reaberto acabou indiciando nove pessoas sob a acusação de duplo homicídio: oito ex-funcionários de PC e o deputado Augusto Farias (PPB-AL), irmão do tesoureiro.

Hoje, os oito ex-funcionários respondem a processo na Justiça de Alagoas. Como tem imunidade parlamentar, Augusto dispõe de fórum privilegiado _daí estar sob investigação da Procuradoria Geral da República. O Ministério Público Federal apura, ainda, se houve má-fé no laudo de Badan.

Moacyr Lopes - 30.jan.97/Folha Imagem
Foto exclusiva registra violência
No dia 30 de janeiro de 1997, o fotógrafo Moacyr Lopes Junior resolveu ir trabalhar uma hora mais cedo e mudou seu caminho habitual. Quando passava pela rua Amaral Gurgel, viu um policial armado correndo atrás de um garoto. Começou a fotografar enquanto o PM arrastava o menino e o agredia. Uma sequência de seis fotos foi publicada na Folha, e o trabalho lhe rendeu três prêmios.
Uma entrevista sem papel nem gravador
Tino de detetive, enredos intrincados e uma rede de testemunhas anônimas. Pelo que se viu, parecem ser esses os elementos de que um jornalista precisa para dar um furo histórico. Às vezes, no entanto, uma única entrevista alcança o mesmo efeito. Getulio Bittencourt e Haroldo Cerqueira Lima _os repórteres da Folha que assinavam juntos as manchetes dos dias 5 e 6 de abril de 1978_ deflagraram considerável rebuliço político por causa de um encontro de 95 minutos, em Brasília, com o general João Baptista Figueiredo.

Ministro-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), o militar se preparava para suceder ao presidente Ernesto Geisel. Recebeu os jornalistas às 16h40 do dia 4, em seu gabinete no Palácio do Planalto. Logo de cara, avisou: "O que nós vamos ter aqui é uma conversa, não uma entrevista". Os repórteres, se quisessem, poderiam relatar o diálogo no jornal. Só que não podiam anotá-lo nem gravá-lo.

Na manhã seguinte, a primeira manchete _"Exclusivo: fala Figueiredo". No dia 6, a segunda: "Privatizar é tarefa difícil". Dividida em duas partes, a "conversa" com o general se estendeu por um total de quatro páginas. E saiu na forma de "pingue-pongue" (perguntas e respostas completas).

Quem leu tudo experimentou, sim, a sensação de uma entrevista _informativa, dura e franca, em que Getulio e Haroldo não raro discordavam de Figueiredo. Num dos trechos, por exemplo, travava-se um debate sobre o modelo político francês. Os jornalistas chamavam-no de democrático. O general contrapunha: "Há gente que não acha que isso é democracia". E os repórteres: "O resto da humanidade reconhece que o sistema francês é democrático". "Pois eu não acho", insistia o futuro presidente.

Em outros momentos, Figueiredo empregava termos pouco elegantes e passava uma imagem demasiadamente tosca de si próprio. "Durante muito tempo, o gaúcho foi gigolô de vaca", disparou, enquanto discorria sobre reforma agrária e criticava o fato de o Rio Grande do Sul ter reservado os pampas quase exclusivamente à pecuária.

Assessores do militar não gostaram nada de ver o general retratado de maneira tão crua. Telefonaram de imediato para a direção da Folha. "Não questionavam o conteúdo da conversa, que expressava exatamente o que ocorrera no encontro, mas diziam que os repórteres haviam enganado Figueiredo, que o gravaram às escondidas", lembra Boris Casoy, 60, o então editor responsável do jornal. "Acontece que Getulio _um jovem promissor de 26 anos_ transcreveu as frases de memória, com uma precisão assombrosa." Batia os trechos à máquina, e Haroldo ia conferindo.

A façanha _que rendeu à dupla o Esso de Jornalismo, o principal prêmio da categoria_ soa mesmo inverossímil. A entrevista somava 111 intervenções dos repórteres, contando perguntas e contra-argumentos. Extensas, algumas respostas de Figueiredo incluíam vários números.

"Acredite: realmente reproduzi a conversa de cabeça", sustenta Getulio, 49, mineiro de Tarumirim, que hoje edita o site "Panorama Brasil". "Desde menino, treino muito a memória. Já cheguei a decorar a filmografia inteira do diretor John Ford, com mais de cem títulos. Sabia o nome dos atores, dos roteiristas e dos músicos de cada produção."
 Textos citados

Deputado diz que vendeu seu voto a favor da reeleição por R$ 200 mil
Outro lado: Deputado admite sondagem, mas nega ter trocado voto por dinheiro
Novas fotos derrubam a versão oficial do caso PC
Dados: Erros, contradições e dúvidas na versão oficial
Entrevista: Badan reafirma que Suzana era mais alta
Concorrência da ferrovia Norte-Sul foi uma farsa
Serra do Cachimbo pode ser local de provas nucleares


Reprodução da Primeira Página de 13/5/1987, com furo sobre licitação da ferrovia Norte-Sul
Fac-símile da capa de 13/5/ 1997, com texto sobre venda de votos na emenda da reeleição

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