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O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, durante depoimento na CPI do futebol no Senado (esq.); o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros em sua casa em São Paulo


Todas as versões de um mesmo fato


Jornal ouve personalidades que se julgaram prejudicadas por notícias que publicou


FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O desafio de fazer um jornal "de rabo preso com o leitor", lema que marcou a Folha nos anos 80, às vezes gera não só incompreensões e rancores, mas o inconformismo de pessoas e entidades que se consideram injustamente prejudicadas. Todo fato comporta mais de uma versão.

É o que mostram quatro episódios da história recente do jornal.

Em maio de 1999, a Folha divulgou, com destaque, os principais diálogos do "grampo" no BNDES, revelando o envolvimento do presidente Fernando Henrique Cardoso em manobra para favorecer empresas no leilão da Telebrás, realizado em julho de 1998.

Foram transcritas conversas gravadas de Luiz Carlos Mendonça de Barros, então ministro das Comunicações, e André Lara Resende, então presidente do BNDES. Antes de entrar no governo, ambos eram articulistas, colaboradores da Folha. Os trechos dos diálogos indicavam a montagem de uma operação para beneficiar o consórcio do banco Opportunity, do qual era sócio o economista Pérsio Arida, amigo de Mendonça de Barros e de Lara Resende.

O presidente Fernando Henrique Cardoso havia autorizado o uso de seu nome para pressionar a Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, a entrar no consórcio do Opportunity, para fazê-lo vencer a disputa pela Tele Norte Leste contra o consórcio Telemar, do empresário Carlos Jereissati.

Alegou-se, depois, que o grupo liderado por Arida tinha mais condições técnicas de assumir a Telerj e que aquelas intervenções eram motivadas pelo interesse em obter melhor resultado financeiro para o Tesouro Nacional. "Por mais que se aceite que Mendonça de Barros agiu com a melhor das intenções, não há como escapar à constatação de que são condenáveis os meios utilizados por ele e também pelo presidente do BNDES, André Lara Resende", afirmou a Folha, em editorial.

As conversas gravadas, segundo o jornal, revelavam "a prática contumaz de um velho e mau hábito da vida pública brasileira: a promiscuidade entre o governo e o setor privado".

"Hoje, eu estou convencido de que era difícil o jornal não publicar as fitas", diz Mendonça de Barros. "É o ônus de quem está no serviço público. Quem divulgou o ‘grampo’ editou as fitas para que as pessoas acreditassem que tinha havido favorecimento", afirma. Ele diz que também estimulou outros consórcios a darem lances mais agressivos no leilão. Mendonça de Barros diz que o que mais o incomodou foi o jornal ter publicado que ele afirmara a Lara Resende que o Tribunal de Contas da União é uma "mutreta". O comentário se referia a uma manobra do Banco do Brasil, afirma.

"Não foi má-fé do jornal, que publicou a notícia do julgamento do TCU, aprovando os procedimentos do leilão", diz. Ele também considerou um "constrangimento idiota" o jornal tê-lo acusado de aceitar hospedagem paga pela espanhola Telefónica, em Madri. "Paguei a conta e tenho a nota", diz o ex-ministro. Mendonça de Barros voltou a escrever artigos no jornal. "Relevei os episódios, pois acho que, se houve falhas, foram mais de pessoas do que da instituição", diz.

Procurado pela Folha, nos últimos dias, para oferecer a sua versão dos fatos, Lara Resende não atendeu às solicitações do jornal.

Ele havia dito ao jornal, em 1998, que, "ao optar pela ambiguidade, a imprensa alimenta a dúvida, a incerteza, coloca bandidos e mocinhos no mesmo nível".

A muamba e a Nike
O presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Ricardo Teixeira, ficou dois anos, dos doze em que dirige a entidade, sem falar com a Folha.

As entrevistas coletivas da CBF eram encerradas quando o repórter do jornal se identificava.

Teixeira não se conformara com a notícia sobre o "vôo da muamba", em 1994, quando foi acusado de pressionar um funcionário do aeroporto, no Rio de Janeiro, a liberar, sem vistoria, cerca de 13 toneladas de bagagens da seleção brasileira. A carga fora reforçada com eletrodomésticos trazidos por jogadores, cartolas e convidados.

Teixeira também não aceitara o questionamento das contas da CBF e ficara irritado com a revelação, em 1999, pelo jornalista Juca Kfouri, então colunista da Folha, de que a confederação perdera parte de seu controle sobre a seleção brasileira ao assinar contrato com a Nike, em 1996.

A multinacional impedia a seleção de marcar os jogos e de escolher os adversários. Obrigava o uso da marca Nike até pelos gandulas (apanhadores de bola).

O "gelo" de Teixeira com o jornal só foi quebrado quando a Comissão Parlamentar de Inquérito, instalada pela Câmara dos Deputados para apurar o contrato com a Nike, o convocou para depor.

"Mudei. Agora, quero ir até o fim. Eu quero abrir a caixa-preta do futebol", disse em entrevista que concedeu à reportagem da Folha, em outubro último, rompendo um longo silêncio.

A nova imagem de Teixeira, que admitiu e reviu erros no acordo com a Nike, é fruto da contratação de um profissional para assessorá-lo no trato com a imprensa.

Santa Clara para os piores
Em 1997, a Folha criou um prêmio anual para destacar o que de pior a televisão brasileira exibe. Versão bem-humorada do Oscar, de Hollywood, e do Emmy, da TV norte-americana, um júri formado por jornalistas da casa indica os favoritos para várias categorias, como atores canastrões, novelas-dramalhões, apresentadores sensacionalistas e humoristas sem graça.

O prêmio foi batizado com o nome de Troféu Santa Clara. É "concedido" (não há estatuetas) no domingo anterior ao dia 11 de agosto, dia de Santa Clara (a santa proclamada padroeira da TV pelo papa Pio 12, em 1958). Alguns artistas aceitaram com bom humor a brincadeira, mas o jornal tem recebido críticas. A irreverência chocou alguns leitores e provocou manifestações de protesto de membros da igreja.

"Nós achamos que foi uma escolha de profundo mau gosto. É uma atitude de baixo calão", disse, na semana passada, o monsenhor Arnaldo Beltrami, vigário episcopal de comunicação da Arquidiocese de São Paulo.

"É uma coisa negativa. No momento em que se quer elevar o nível da televisão, um troféu desses ridiculariza uma santa escolhida como a padroeira da televisão", afirmou Beltrami.

A cultura da broa de milho
A Folha sempre teve uma posição crítica em relação ao Ministério da Cultura. "Desde que foi criado pelo então presidente José Sarney (em 1985), esse órgão caracterizou-se por ser um escritório para carimbar documentos de liberação de verbas", afirmou o jornal, em editorial, em 1993.

As críticas à manutenção de um órgão para conceder subsídios à indústria cultural em um país pobre aumentaram em maio de 1985, quando Sarney convidou para titular do Ministério da Cultura o professor Aluísio Pimenta, um farmacêutico e bioquímico, ex-reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, deposto pelos militares em 1968 e que viveu 16 anos no exílio.

Mineiro como seu antecessor, José Aparecido de Oliveira, Pimenta surpreendeu com um "programa de governo" apoiado em manifestações da cultura regional, apelidado pela Folha de "a cultura da broa de milho".

Essa onda de provincianismo foi gerada com a publicação, na Folha, de uma carta-proposta que o então presidente da Funarte, o cartunista mineiro Ziraldo Alves Pinto, enviara a Pimenta.

O programa de Ziraldo incluía o apoio às bandinhas musicais do interior, melhor divulgação da "pinga" e formação de um núcleo cultural da cozinha brasileira, com pesquisas sobre a broa de milho e o pato no tucupi.

A broa de milho abreviou a gestão de Pimenta no ministério (nove meses). Ele atacou distorções na área do direito autoral _fato reconhecido por Tom Jobim, Chico Buarque e Gilberto Gil_, mas sua passagem no governo ficou marcada pela broa de milho e pelo projeto que pretendia popularizar a cachaça brasileira, associando-a aos festejos da semana da pátria. Dizendo-se um "ministro da roça", Pimenta assumiu a broa de milho como slogan do seu projeto ministerial e transformou-a em bandeira eleitoral depois que deixou o governo e candidatou-se a deputado federal por Minas.

Hoje, aos 77 anos, presidente do Instituto Teotônio Vilela, em Minas Gerais, Pimenta diz que a polêmica foi "altamente positiva".

"Eu peguei a broa de milho como símbolo, mas poderia ter sido o acarajé", diz o ex-ministro.

"A arte e a literatura são importantes, mas esquecemos a cultura, do ponto de vista antropológico. Não aceitamos a globalização como está sendo imposta. Não sou xenófobo, mas o fast food tomou conta do país", diz Pimenta.

"Não me magoei com a Folha. Prefiro um jornal que me ataque a um jornal fechado", diz.

Esses quatro episódios trazem à tona uma área cinzenta entre erros e acertos. É o preço a pagar pela livre circulação de informações e idéias, como define o projeto editorial da Folha, ao propor "um jornalismo cada vez mais crítico e mais criticado".

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