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Dia 05.05.01

 

 

OEA condena Brasil por violência doméstica

No último dia 30, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) condenou o Brasil por negligência e omissão quanto à violência doméstica.

O caso que ilustrou a atitude do país em relação aos direitos das mulheres foi o da cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que está há 18 anos lutando pela punição de seu ex-marido. Ela o acusa de tentar matá-la com um tiro e de tê-la deixado paraplégica. O crime ocorreu em 1983, o acusado já foi condenado, mas continua em liberdade.

A Comissão recomendou que o país pague a Maria da Penha uma indenização ainda não definida e exige que o Brasil cumpra de forma "rápida e eficiente os procedimentos criminais" contra seu ex-marido, o economista Marco Antônio Heredia Viveiros.

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(Folha de S.Paulo)

 

 

 

 

OEA condena Brasil por violência doméstica

A cearense Maria da Penha Maia Fernandes, 56, passou os últimos 18 anos lutando, sem sucesso, pela punição de seu ex-marido, a quem acusa de tentar matá-la com um tiro e de tê-la deixado paraplégica. Ele já foi condenado pelo crime, ocorrido em 1983, mas continua em liberdade.

No último dia 30, pela primeira vez, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sediada em Washington, condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica. O caso que ilustrou a atitude do país em relação aos direitos das mulheres foi o de Maria da Penha.

A comissão faz parte da Organização dos Estados Americanos (OEA), composta pelos países das Américas e do Caribe. A entidade não tem poder para obrigar os países a acatarem suas decisões, mas usa canais diplomáticos para pressionar pelo fim de eventuais violações aos direitos humanos.

"A condenação do país é uma sanção de caráter moral, que constrange internacionalmente o Estado violador", afirma Silvia Pimentel, coordenadora, em São Paulo, do Comitê Latino-Americano pela Defesa do Direito das Mulheres (Cladem).

Além de recomendar que o país pague a Maria da Penha uma indenização ainda não definida, a comissão exige que o Brasil cumpra de forma "rápida e eficiente os procedimentos criminais" contra seu ex-marido, o economista Marco Antônio Heredia Viveiros.

O valor da indenização será definido entre o governo brasileiro e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), representante legal de Maria da Penha perante a OEA.

A decisão de ressarci-la depende da vontade política do governo federal. Mas, como a negociação entre as duas partes é monitorada pela comissão, a pressão é forte.

O relatório final afirma que o Estado brasileiro é omisso em relação à violência doméstica: "Trata-se de uma tolerância de todo o sistema que (...) alimenta a violência contra a mulher (...), não havendo evidência socialmente percebida da vontade do Estado, como representante da sociedade, para punir esses atos".

"É muito comum ouvirmos homens acusados de maltratar a mulher dizerem: não tem juiz que me diga o que fazer dentro de casa", afirma Graziela Acqua Viva Pavez, do Núcleo de Violência e Justiça da Pontifícia Universidade de São Paulo.

A comissão acusa o país de ter descumprido dois tratados internacionais dos quais é signatário: a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra Mulher, conhecida como Convenção de Belém, aprovada em 1993.

Os dois acordos garantem às mulheres vítimas de violência doméstica amplo direito de defesa. Os acusados de cometer o delito devem ser alvo de investigação policial rigorosa. Comprovada a culpa, precisam ser punidos.

Passados 18 anos do crime, Heredia Viveiros não foi efetivamente punido, apesar de ter sido condenado pela Justiça do Ceará.

No dia 4 de maio de 1991, oito anos depois de tentar matar a mulher, ele foi sentenciado a 15 anos de prisão (dos quais só cumpriria 10, em razão de não ter antecedentes criminais).

Mas, alegando erros processuais, a defesa conseguiu anular a sentença. Ele foi condenado em um novo julgamento em 1996, mas recorreu e está em liberdade. Em dois anos, o crime de Heredia Viveiros prescreverá.

"O Brasil não garantiu um processo justo contra o agressor em um prazo razoável", afirma a sentença da comissão.

A denúncia de Maria da Penha chegou à comissão em 1988, pelas mãos do Cejil e do Cladem.

Durante os 13 anos em que o organismo da OEA analisou a denúncia, foram enviadas três solicitações oficiais de esclarecimentos ao governo brasileiro.

Depois de fazer o primeiro pedido de informação, no dia 19 de outubro de 1998, a comissão aguardou 250 dias por uma manifestação da diplomacia brasileira antes de decidir dar prosseguimento ao processo.

As repartições federais nunca prestaram esclarecimento sobre o caso Maria da Penha. Cumprindo as normas das convenções internacionais de direitos humanos, a comissão acatou como verdadeira a denúncia feita pelas duas organizações não-governamentais e condenou o Brasil.

O Ministério da Justiça recebeu o relatório da OEA na última sexta-feira e informou que ainda não há posição oficial sobre o caso. De acordo com o ministério, as recomendações serão examinadas e o governo Fernando Henrique vai analisar como poderá atendê-las.

A Folha não conseguiu localizar o economista Heredia Viveiros, que se mudou de Fortaleza, onde viveu com Maria da Penha.

Legislação facilita impunidade

É comum ouvir ativistas de movimentos de mulheres dizerem que a violência doméstica é um fenômeno "perversamente democrático". Está presente em famílias de todas as classes sociais.

Só para ter uma idéia, um dado do Banco Interamericano de Desenvolvimento mostra que 1 em cada 5 trabalhadoras que faltam ao serviço nos países americanos o fazem por terem sido vítimas de algum tipo de violência.

No final da década de 80, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) pronunciou-se pela primeira vez sobre o tema, atestando que 63% das vítimas de violência doméstica eram mulheres.

Em 1998, uma pesquisa da ONU com o Ministério da Saúde mostrou que as delegacias da mulher, que existem em apenas 6% dos municípios, registraram, em 1992, 205 mil agressões.

As pesquisadoras Heleieth Saffiotti e Suely Souza Almeida, da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), analisaram boletins de ocorrência de 1994 nas delegacias da mulher de 22 capitais: 81,5% das queixas foram de lesão corporal dolosa, ou seja, pancada.
Desses processos, 70% foram arquivados. De cada 10 casos julgados, houve 1 absolvição.

Em 1995 foi aprovada a lei federal 9.009, para crimes considerados "de menor potencial ofensivo", como acidentes leves de trânsito e violência doméstica. Nesses casos, a pena mais aplicada é o pagamento de uma cesta básica.

"Quando um homem acostumado a agredir chega à Justiça e é condenado a pagar R$ 50 ou R$ 60, sabe o que ele nos diz? Saiu barato", diz a advogada Letícia Massula, do Comitê Latino-Americano de Defesa da Mulher.

Acusado de ter atirado nunca esteve preso

Dezoito anos depois de se divorciar, a farmacêutica aposentada Maria da Penha Maia Fernandes, 56, não lembra o dia exato em que se casou e nem o cartório em que a cerimônia ocorreu. "Apaguei da memória."

Maria da Penha rasgou as fotos do ex-marido, o economista colombiano Marco Antônio Heredia Viveiros, a quem acusa de ter tentado matá-la em 1983. Só sobrou o negativo de um "três por quatro", guardado no fundo de uma pilha de documentos. "É para um caso de necessidade".

O difícil para ela é esquecer a violência a que foi submetida e que a deixou paraplégica.

Segundo seu relato, no dia 29 de maio de 1993, Heredia Viveiros a atingiu nas costas com um tiro de espingarda calibre 12, enquanto ela dormia na residência da família, em Fortaleza.

Heredia Viveiros disse à polícia que a família havia sido vítima de um assalto, mas a versão não se sustentou na delegacia nem na Justiça. Ele foi condenado em dois julgamentos, mas jamais passou um dia preso.

A primeira condenação, a 15 anos de reclusão, ocorreu em 91. Os advogados dele recorreram da decisão, alegando que a sentença foi baseada em fatos que não constavam nos autos e que as perguntas que o juiz faz aos sete cidadãos que compõe o júri popular estavam mal formuladas.

O Tribunal de Justiça do Ceará concordou que os quesitos não foram bem formulados e determinou novo julgamento, que só ocorreu em 96. "Quando eles levaram cinco anos para refazer as perguntas, eu deixei de acreditar na Justiça", conta Maria da Penha.

A defesa de Heredia Viveiros entrou com recurso, que ainda está tramitando, contra o segundo julgamento.

A falta de punição efetiva fez com que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA condenasse o Brasil, pela primeira vez, por um caso de violência doméstica.

"Aqui no Ceará processo não tramita, é empurrado", diz Maria da Penha, que mantém cópias atualizadas com o resumo da tramitação do processo.

A aposentada relata que, em um determinado momento, foi obrigada a apelar para uma amiga da secretária do desembargador que estava com a papelada. "Fizemos um esforço danado, os funcionários do gabinete me ajudaram e o processo andou."

O primeiro julgamento de Heredia Viveiros foi adiado duas vezes, e o segundo, três.

Maria da Penha acabou conhecendo o Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional), a instituição que apresenta petições junto à comissão da OEA, depois de haver publicado um livro que conta sua história.

O casamento, que durou seis anos, é muito mais uma história de violência do que de amor. Maria da Penha e Heredia Viveiros se conheceram na Universidade de São Paulo, em 75, quando ambos faziam mestrado.

Com o nascimento da primeira filha, um ano depois, o casal mudou-se para Fortaleza, onde estava a família dela.

"Ele chegou aqui com outra atitude, virou um homem grosseiro", diz ela. Mas a situação tornou-se insuportável após o nascimento da segunda filha. "Ele me proibia de atender as meninas quando elas choravam de noite. Ele levantava da cama e batia nas crianças até elas pararem de chorar", afirma.

Até hoje Maria da Penha diz não saber exatamente o que motivou Heredia Viveiros a tentar matá-la. "Eu suponho que ele não queria a separação", diz ela. Após o nascimento da terceira filha, ela optou pelo divórcio e sugeriu isso a ele.

"Eu ainda não acreditava que ele pudesse me fazer mal", diz ela. Logo após o tiro, Penha chegou a acreditar que poderia realmente ter sido vítima de um assalto.

Mas, pouco tempo depois, ela conta que o então marido tentou eletrocutá-la, obrigando-a a entrar num chuveiro elétrico com a fiação totalmente comprometida. "Violência doméstica é assim mesmo. Vai crescendo, crescendo", diz Maria da Penha.

(Folha de S.Paulo)

 

 
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