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06/12/2006 - 12h37

Morte de ex-espião russo torna polônio 210 conhecido no mundo

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ANDREA MURTA
da Folha Online

Até então praticamente desconhecido, o polônio 210 --substância radioativa que matou o ex-espião russo Alexander Litvinenko, 43, e cujos traços foram encontrados em 12 locais de Londres, se tornou recentemente um dos principais personagens de jornais em todo o mundo.

No Reino Unido, mais de 30 mil pessoas enfrentaram o temor de terem sido contaminadas pela substância, que foi encontrada na última semana em ao menos dois aviões que voaram de Moscou para Londres antes da morte do ex-espião.

Apesar de pouco conhecido, o polônio 210 é encontrado na natureza e é inalado por milhões de pessoas todos os dias --ele está presente, por exemplo, na fumaça do cigarro, no qual é conhecido por causar câncer de pulmão, segundo especialistas.

Autoridades de saúde britânicas, no entanto, garantem que as amostras detectadas em escritórios e aviões não representam riscos para a população do Reino Unido.

Enquanto teorias sobre a morte de Litvinenko se multiplicam, a confusão sobre a substância assusta o mundo e põe em xeque as relações entre o Reino Unido e a Rússia, cujas agências de inteligência são cada vez mais suspeitas de estarem por trás do assassinato.

Para esclarecer o que é, afinal, o polônio 210 e que riscos representa este raro "veneno" escolhido para matar o ex-agente da KGB em Londres, a Folha Online conversou por e-mail com o químico Heino Nitsche, da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos. Leia a seguir a íntegra da entrevista.

Folha Online- O polônio 210 pode ser encontrado na natureza? O que é essa substância exatamente?

Heino Nitsche
- Esse elemento, de número 84 na tabela periódica, pode ser encontrado naturalmente no ambiente. Ele é fruto do decaimento (desintegração) do urânio 238, que existe em grandes quantidades na natureza, não apenas em depósitos naturais como ainda no solo e na água em alguns locais.

Ele é encontrado em pequenas quantidades na fumaça do cigarro, e é conhecido por causar câncer de pulmão. A planta do tabaco absorve o urânio natural do solo, que se mais tarde desintegra para polônio 210 e é então inalado pelo fumante.

O polônio 210 é radioativo. Geralmente, elementos podem ter vários isótopos (ou seja, que possuem o mesmo número de prótons mas número diferente de nêutrons em seu núcleo). Se a quantidade de prótons e nêutrons no núcleo do elemento é muito desigual, ele será instável e poderá decair para um elemento diferente. O polônio 210 se desintegra por decomposição "alfa", ou seja, seu núcleo emite íons do elemento hélio e gera a forma mais estável 206.

Folha Online- Quanto tempo dura uma amostra de polônio 210 no ambiente?

Nitsche
- Essa substância tem uma meia-vida de 138,4 dias. Isso significa que, se alguém tem uma determinada quantidade de polônio 210, depois de 138 dias e meio, metade dessa quantidade terá se desintegrado para o 206.

Então, metade do que resta de polônio 210 se desintegra novamente depois de mais 138 dias, deixando apenas um quarto da quantidade X inicial, e assim por diante.

Após dez meias-vidas, um milésimo de X ainda resta. Isso significa que essencialmente o polônio 210 se desintegra em 1.384 dias.

Folha Online- Como se produz artificialmente o polônio 210?

Nitsche
- Ele pode ser produzido em um cíclotron (acelerador de partículas), com o "bombardeio" do elemento bismuto 209 natural com nêutrons de alta energia. Nesta reação, o bismuto 210 radioativo é formado e, por ser radioativo, se desintegra e forma o polônio 210.

Folha Online- Que quantidade de polônio 210 pode matar uma pessoa?

Nitsche
- A dose letal estimada para ingestão é de 40 nanogramas (40 bilionésimos de grama), e 10 nanogramas no caso de ele ser inalado. Por ser necessária uma dose tão pequena, ele pode ser facilmente colocado em alimentos ou bebidas. E o polônio 210 só faz mal se for ingerido ou inalado.

Folha Online- O polônio 210 é mais perigoso do que outras substâncias radioativas?

Nitsche
- Essa é uma pergunta difícil. Depende da atividade específica de cada elemento, ou seja, de sua radioatividade por quantidade de massa. Bem, se considerarmos que uma dose letal é causada apenas pela radioatividade e não pela própria toxicidade do metal, então o polônio 210 é cerca de 75,5 mil vezes mais mortífero do que o plutônio 239, outra substância radioativa.

Folha Online- Quem tem a capacidade para produzir o polônio 210?

Nitsche
- Esta é uma substância controlada pelo governo e pelas leis de cada país. Nos Estados Unidos, qualquer substância radioativa só pode ser comprada por empresas federais ou com licença do Estado. Nem todos os países tem a tecnologia para produzir o polônio 210 --na verdade, relativamente poucos países podem produzi-la.

A Rússia, no entanto, tem tudo o que é preciso para produzir este material.

Folha Online- Como é possível detectar o polônio 210?

Nitsche
- Por ser radioativo, mesmo as menores quantidades de polônio 210 podem ser detectadas.

Há a possibilidade de que alguém não esteja treinado o suficiente para saber quando o que é detectado é o polônio 210 "natural", que vem da desintegração do urânio presente no ambiente.

O perigo desta substância provém da quantidade utilizada.

Folha Online- Como o polônio 210 pode ser transportado? Como ele poderia ter sido levado em aviões para o Reino Unido?

Heino Nitsche
- O transporte de substâncias radioativas é estritamente controlado. Se o polônio, ou vestígios dele, foi encontrado em aviões, então alguém que o transportava deve ter sido externamente contaminado.

Substâncias radioativas são detectadas muito mais facilmente do que substâncias não-radioativas (de mil a 100 mil vezes mais facilmente, na verdade). Mesmo traços mínimos podem ser detectados se alguém contaminado externamente tocar qualquer objeto em uma sala.

Folha Online- Acredita-se que Alexander Litvinenko tenha sido envenenado no dia 1º de novembro, mas ele morreu no dia 23. Se o polônio é tão tóxico, ele poderia mesmo levar esse tempo para matar uma pessoa contaminada?

Nitsche
- Experiências de estudos com cobaias animais mostraram que a ingestão de 8,7 nanogramas de polônio 210 por quilo de peso mata em cerca de 30 dias. Esse resultado parece ser compatível com a morte de Litvinenko, apesar de não existirem estudos específicos em humanos.

Heino Nitsche nasceu em 1949 e se formou em química na Freie Universitaet Berlin, na Alemanha, em 1976, onde também concluiu seu PhD em 1980. Entre 1998 e 2002, ele dirigiu o Centro Glenn T. Seaborg, no Laboratório Nacional Lawrence Berkeley (EUA). Hoje professor e pesquisador deste mesmo laboratório americano, ele também dirigiu o Instituto de Radioquímica de Forschungszentrum Rossendorf , na Alemanha.

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