Psicóloga dá dicas para lidar com a baixa autoestima e jovens falam como se sentem

'Tenho muita inveja quando vejo alguém se achando linda; não sei ser esse tipo de pessoa', diz adolescente de 14 anos

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São Paulo

Laura não gosta da sua barriga, Gael acha seu queixo grande demais, e Carolina encanou com sua sobrancelha desde que uma menina disse que ela é feia. Os três dizem que sua autoestima varia de dia para dia, mas que volta e meia estão pensando sobre o que os outros acham da sua aparência.

"Ser adolescente é uma porcaria. Minha mãe fala que é bom aproveitar, mas em relação ao sentimento, à autoestima, é uma porcaria. Não recomendo", resume Gael M., 14 anos.

"Tudo é mesmo mais forte e mais intenso nesse tempo no qual já deixamos de ser criança, mas também não somos adultos", explica a psicóloga e doutoranda em psicologia clínica na USP (Universidade de São Paulo) Fernanda Flores.

Veja o depoimento de três adolescentes sobre as inseguranças que eles têm, em que momentos elas aparecem e como eles fazem para viver com isso.

Laura V. M., 15 anos

Cotia (SP)

Laura V. M., de 15 anos, mora em Cotia em uma casa com os pais - Eduardo Knapp/Folhapress

A minha autoestima é suficiente para me deixar satisfeita em relação a mim mesma. Eu gosto de quem eu sou. Quando eu me arrumo, quando eu cuido do meu cabelo, isso faz eu me sentir ainda melhor. Eu considero a minha autoestima média, ela não é nem tão alta, nem tão baixa, ela só faz eu me sentir bem comigo mesma, e isso é o suficiente para mim.

A única coisa que eu mudaria e que dá pra mudar facilmente, e que eu só preciso de um empurrãozinho e provavelmente isso já vai acontecer, é mudar a minha barriga, emagrecer um pouco. A minha barriga é meio saliente, então é a única coisa que realmente me deixa insegura, mas não extremamente insegura. De resto eu tô muito bem.

Esses sentimentos esquisitos vão passar. As coisas sempre passam na vida. Umas, em um período curto, outras, em uns períodos longos, mas as coisas sempre passam. Se você parar pra pensar, ficar tranquila, se esclarecer, é muito mais fácil, eles acabam passando muito mais rápido e você fica confortável com você mesma.

Quando eu não consigo, às vezes, entender esses sentimentos, eu procuro conversar com outra pessoa, minha mãe, meu pai, que me conhecem bem e gostam de me orientar. Eles me ensinam muita coisa. Então, quando a gente conversa para esclarecer sobre os meus sentimentos, fica muito mais confortável pra mim e esclarecedor também, porque eles já viveram muito e eles me ajudam, porque eles também foram adolescentes e passaram por coisas assim como eu tô passando. Gosto de conversar com meus pais porque eles são pais liberais e eu fico confortável com isso.

Sem querer parecer egocêntrica ou algo do tipo, eu gosto da minha personalidade. Ela não me incomoda, até porque eu diariamente busco me encaixar nas minhas expectativas de personalidade e porque eu convivo comigo mesma todos os dias, então a minha personalidade tem que me fazer feliz e satisfeita.

Para os adultos que falam isso [que a adolescência é só uma fase], eu daria um conselho: não falar e pensar muito bem no que vai falar. Porque nem todo mundo é igual, então algumas pessoas podem desenvolver algum tipo de sentimento que não faz bem para elas.

E, se de repente elas não estão resolvidas com elas mesmas, esses sentimentos podem se tornar algo muito pior. Então, sempre pensar antes no que vai falar, é muito importante.


Gael M., 15 anos

Santa Rita do Sapucaí (MG)

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Gael M., 14 anos, que falou ao Folhateen sobre autoestima - Arquivo Pessoal

O que me incomoda bastante em mim é o meu queixo. Eu não gosto muito dele. Acho que ele é grande, e quando eu sorrio ele fica muito fino. Não sou muito de tirar foto, não gosto muito do meu rosto, que é muito cheinho, e da bochecha eu não gosto também.

Eu não sei quando isso começou a me incomodar. Acho que foi quando eu comecei a virar adolescente, né? A adolescência chegou e tal. A adolescência não é uma época muito fácil em relação à autoestima, eu não gosto.

Eu diria que a minha autoestima é meio a meio. Tem dia que eu me sinto bem, tem dia que eu me sinto com a autoestima baixa. Na real, isso é bem comum entre os adolescentes. A minha amiga Ana Lu tem autoestima muito baixa, ela se acha feia e não gosta do nariz dela. Ela fala que o nariz dela é muito grande, que o cabelo dela é feio, e, cara, o cabelo dela é lindo, todo cacheadinho. Ela não gosta do sorriso dela também, diz que tem um dos dentinhos da frente mais pra frente. Aí, quando ela vai tirar foto, ela não se sente bem. Eu e a nossa outra amiga, a gente tenta falar o máximo pra ela se sentir melhor, mas só que infelizmente ela não consegue.

É uma merda isso. Eu particularmente acho horrível. Eu tenho muita inveja quando vejo alguém com autoestima altíssima, se achando linda, maravilhosa. Mas eu não sei ser esse tipo de pessoa, nunca foi, desde criança.

Às vezes eu não mostro muito as pernas. Eu sou um pouco mais cheio e aí eu fico noiado com isso. Mas eu sempre falo com a minha avó, ou com a minha mãe.

[O que incomoda na sua personalidade] É ficar pensando muito no que os outros pensam de mim. Nossa senhora, é muito ruim isso. Eu faço isso bastante, apesar de esconder. Se eu pudesse, eu apagaria isso da minha personalidade, não me importaria tanto com o que as pessoas pensam.

Olha, sinceramente ser adolescente é uma porcaria. Minha mãe fala que é bom aproveitar, mas em relação ao sentimento, à autoestima, é uma porcaria. Não recomendo. As minhas amigas todas têm autoestima baixa, elas tentam esconder, mas só que realmente, como sou mais próximo, já sei do que acontece.

Minha mãe e minha avó me protegem até hoje [das críticas à sua aparência]. Elas são os meus anjos da guarda, praticamente. Elas são pessoas incríveis. Elas me defenderam muito na vida. Uma vez eu levei um soco na barriga de uma menina, aí eu contei pra elas, mas só que foi dois anos depois do acontecimento. Eu não queria contar pra não preocupar mesmo. Só que eu nunca tomei uma atitude. Se eu tomava, era cem tempos depois. E, se eu pudesse voltar no tempo, eu arrumaria tudo isso.

Acho que esses sentimentos vão sumir, mas vai demorar bastante. Demora até o amadurecimento completo.


Carolina S. S., 15 anos

Paulínia (SP)

Eu consideraria minha autoestima mediana ou relativa, dependendo do dia e da forma que eu me arrumo.

Tenho uma certa insegurança com minha sobrancelha, pelo fato de que uma vez uma menina falou mal dela. Me identifico como uma pessoa muito sentimental, e isso acaba me expondo em algumas situações, eu me entristeço. Se me fizerem uma crítica positiva, fico normal. Caso contrário, fico com raiva. Daí eu falo mal da pessoa de volta.

[Se algum adulto diz que se sentir assim é normal] Eu me sinto aliviada por saber que vai passar essa fase conturbada, mas, ao mesmo tempo, é cansativo passar por isso. Diria que essa fase varia de pessoa pra pessoa.

Eu gostaria de não ligar tanto para o que as pessoas falam. [Quando bate uma "noia"] Eu paro e reflito sobre quem eu sou, para me aceitar.

Creio que quando eu for adulta vou ligar menos para paranoias e para o que as pessoas falam.

O Folhateen conversou sobre autoestima e adolescência com Fernanda Flores, psicóloga e doutoranda em psicologia clínica na USP.

Veja as dicas que ela dá para lidar com a insegurança nessa fase da vida.

Muitos jovens falam que têm 'noias' com a aparência. Elas são mais fortes na adolescência?

Essa pergunta é muito boa pois ajuda a pensar o seguinte: o que não é mais forte na adolescência? Tudo é mesmo mais forte e mais intenso nesse tempo no qual já deixamos de ser criança, mas também não somos adultos.

Convido vocês a pensarem duas coisas: uma é o tempo de transformação do corpo característico do crescer humano. Essa mudança de corpo traz junto, sem pedir licença, uma necessidade de se pensar a relação que se tem com esse corpo. Ele se modifica, mas a nossa sensação e visão de nosso próprio corpo com mudanças não é imediata.

Isso traz sentimentos bem intensos de inadequação, de estranhamento e, porque nos estranhamos, achamos que todos os outros ao redor também nos estranham. E isso traz angústia.

Aí vem a segunda coisa muito importante e desafiadora, que é o nosso tempo de circulação instantânea de uma quantidade de imagens absurdas, que vemos e que nos seduzem, nos dão vontade de sermos muitos outros, de parecermos com o cabelo de um, ter a barriga de outra, os braços daquele, a altura daquela, enfim. Isso é uma projeção, uma imagem difícil de se alcançar.

Dá para ter esperança de que quando se vira adulto isso melhora?

Não tem uma chave mágica. Essa possibilidade de vir a sentir-se melhor com sua aparência vem de um trabalho pessoal importante de investigação de novas possibilidades. E não precisa esperar a vida adulta chegar, porque uma das coisas mais bacanas que se tem na adolescência é a possibilidade de experimentar ser entre outros adolescentes, viver em grupo e tentar coisas que façam sentido para você, mesmo que logo ali na frente você mude de ideia de novo, e de novo, e de novo…

Não caia na ideia de que quando for adulto isso vai passar e, com isso, é preciso ficar parado, na expectativa. Viva sua adolescência, isso sim vai te transformar.

Por que a autoestima varia tanto de pessoa para pessoa?

Não sei se já pensaram nisso, mas autoestima se relaciona com a estima que você tem com você mesmo, como você se vê e como está se sentindo com você. Por isso, ela não é estática, e ela se transforma ao longo da vida.

Ela varia muito, de pessoa para pessoa, pois depende de muitos fatores que foram vividos de formas diferentes. Eventos que envolveram tentativas e erros, medos, coragem, afetos, cuidado com outros, enfim, uma enorme lista de vivências que vão moldando como nos vemos, o que achamos de nós.

Mas o importante a saber é que ela não é estática, novas experiências, sobretudo o autoconhecimento, interferem e podem modificar a experiência que temos com a nossa autoestima.

Você tem alguma dica para lidar com fases em que a autoestima está muito baixa?

Passar por fases em que a nossa autoestima está baixa faz parte da vida, e está tudo bem. Vamos confrontar a ideia de que o tempo todo deveríamos estar num estado permanente de conforto e felicidade. Essa é uma ideia distorcida, que não ajuda em nada a nos compreendermos melhor.

Uma dica que pode ajudar é buscar aquilo que nos faz sentido, nos dá gosto, como ouvir uma música, sair para andar, estar com amigos, conversar, ficar junto, enfim, buscarmos nos escutar. O mais importante é entender que não se está só, que a experiência da solidão pode ser compartilhada na busca de dar sentido e encontrar linguagem que possa traduzir a experiência de viver.

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