Crítica cinema/suspense
'O Silêncio dos Inocentes' não é clássico por acaso
Exibido em mostra que resgata filmes renomados, thriller nos faz oscilar entre Chapeuzinho Vermelho e Lobo Mau
O que torna um filme um clássico? No projeto bem-sucedido Clássicos Cinemark, a programação combina títulos com unânime valor histórico aos que exalam perfume nostálgico. Mas não basta apenas vir do passado para se tornar um clássico. É preciso não ter ficado datado, como demonstra "O Silêncio dos Inocentes".
Rever ou ver este longa pela primeira vez, no escuro e numa tela de cinema, mostra o verdadeiro tamanho do filme dirigido por Jonathan Demme.
O thriller que mistura trama policial, suspense e fortes momentos de horror entrou para o restrito grupo de obras que conquistaram as principais categorias do Oscar.
Antes (e depois) de 1991, vencer como melhor filme, diretor, ator, atriz e roteiro foi um mérito alcançado apenas por "Aconteceu Naquela Noite" (1934) e "Um Estranho no Ninho" (1975).
Entretanto, muito mais importante que o valor simbólico dessa vitória incomum é o fato de o filme ter entrado para nosso imaginário, ter dado uma face aos nossos medos.
A história de Clarice Starling (nenhum parentesco comigo), agente do FBI que investiga uma sucessão de crimes atribuídos a um serial killer, poderia se confundir com centenas de tramas vistas antes e depois em filmes e séries.
O encontro dela com o psiquiatra-canibal Hannibal Lecter, monstruosamente interpretado por Anthony Hopkins, introduz uma diferença que ultrapassa o mero detalhe.
Ao mesmo tempo que faz avançar a trama, os diálogos entre Starling --vivida por Jodie Foster-- e Lecter são também sessões de terapia, exposição de duas faces do humano mais do que simples contraposição entre o bem e o mal, entre a justiça e o crime.
FRAGILIDADE
Outro aspecto que a revisão do filme torna evidente é o retrato de mulher que Starling representa. Desde as primeiras imagens, ela aparece sozinha e em situações de força que quebram o estereótipo que confunde o feminino e a fragilidade.
Mais importante que este signo de época está no fato de Starling sempre aparecer exposta a um mundo de homens que a espiam como feras, prontos a atacar, muito pouco diferentes do psicopata que chega às vias de fato.
Nesse estreito intervalo entre o "normal" e o "patológico", "O Silêncio dos Inocentes" liberta nossos monstros, nos faz oscilar entre a Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau. Não por acaso se tornou um clássico.