Crítica Cinema/Drama
Trauma da 2ª Guerra é visto de forma precisa
Desde Rainer Werner Fassbinder, cinema alemão não oferecia um painel tão preciso e emocionante de seu desatino
A Segunda Guerra, as brutalidades, os heroísmos e o projeto de extermínio dos judeus e também daquilo que se chamava civilização já foram tratados tantas vezes e de tantos modos pelo cinema que nos tornamos anestesiados a esses temas, passivos diante de um espetáculo banalizado.
Em "Phoenix", o diretor Christian Petzold revisita o imediato pós-Guerra da perspectiva alemã sem nos fazer ouvir nenhum tiro ou mostrar nenhum cadáver. O filme examina os sentimentos dos que sobreviveram e a possibilidade ou não de reconstituir a vida depois de tanta morte.
O título, que no filme dá nome a um cabaré de Berlim onde acontece um reencontro, anuncia a ideia que paira sobre a história e evoca o mito do renascimento das próprias cinzas, o ressurgimento de uma criatura considerada morta.
Duas mulheres judias retornam ao país em busca de um passado perdido.
Lene, militante sionista, tenta recuperar a identidade dos milhões de judeus eliminados. Nelly teve a face desfigurada num campo de concentração e passa por uma cirurgia de reparação. Em seguida, sai em busca de Johnny, o homem que ela ainda ama, apesar de ele tê-la traído.
Num diálogo, elas expressam repulsa à palavra "reconstrução" usada pelo cirurgião plástico e preferem falar em "recriação". Após o reencontro com Johnny, é a ideia de reconciliação que se revelará ainda mais impossível.
A identidade é outro tema persistente, com o qual Petzold prolonga questionamentos que vêm estruturando sua sólida filmografia, depois de examinar as relações com o imigrante em "Jerichow" (2008) e a cisão da Alemanha em duas em "Barbara"(2012).
Em "Phoenix" a identidade é um fantasma e um monstro, representados nas ataduras que mascaram o rosto deformado de Nelly e, depois da cirurgia, na mutação total da aparência que fazem dela uma morta-viva.
Se o volume dos símbolos associado a muitas referências cinéfilas poderiam dar ao filme o peso de um catálogo para públicos cultos, Petzold consegue aliviar esse efeito por meio de uma adesão incondicional ao melodrama.
Os artifícios do gênero são invocados para nos fazer aderir ao martírio de Nelly, sem perder de vista o distanciamento que permite representar questões como a culpa e a submissão à barbárie nazista de modo nuançado e, sobretudo, humanizado.
Desde Maria Braun, Lili Marlene, Lola e Veronika Voss, personagens com que o diretor Rainer Werner Fassbinder conseguiu dar corpo ao trauma alemão, o cinema do país não oferecia um painel tão preciso e emocionante de seu desatino.
PHOENIX
DIREÇÃO Christian Petzold
ELENCO Nina Hoss, Ronald Zehrfeld, Nina Kunzendorf
PRODUÇÃO Alemanha, 2014, 10 anos
QUANDO em cartaz
AVALIAÇÃO ótimo