Só quero amar
Pensar só em dinheiro, sem avaliar identificação com a profissão, pode prejudicar carreira e ganhos no futuro
O salário inicial de um contador na Grande São Paulo é de R$ 3.532 em média, quase cinco vezes a mensalidade de um curso nessa área. Quem se forma em tecnologia em gastronomia, entretanto, começa ganhando R$ 1.098, valor 25% menor do que uma parcela da faculdade.
Os dados são de levantamentos feitos a pedido da Folha pela consultoria Hoper Educação e pelo Grupo Employer de recursos humanos.
"Faça o que você ama" é um conselho básico para a escolha da profissão. Mas nem sempre o salário é só um detalhe a ser superado.
Desde criança, Daniela Zetchaku, 23, gostava de acompanhar a mãe e a avó enquanto cozinhavam para reuniões de família. Aos 16, leu uma matéria sobre faculdades de gastronomia e decidiu que se mudaria para São Paulo para fazer o curso.
Mudou-se de Indaiatuba, a 98 km da capital, e passou a custear os R$ 1.200 da mensalidade com financiamento do governo. Desde que se formou não trabalhou na área. "O investimento é alto porque, além da mensalidade, temos que pagar pelas roupas e utensílios". Mas são poucos os empregadores que levam isso em consideração. "Ofereciam o salário mínimo e nenhum benefício", diz.
Danylo Hayakawa, gerente da recrutadora Robert Half, afirma que é fundamental se identificar com a área ao decidir sobre a carreira a seguir. Mas pondera que pensar sobre salário é mais importante nas carreiras não ortodoxas, que sofrem com o fator "faço o que amo, mas não pagam o que faço."
"Em áreas como gastronomia e artes cênicas, deixe o ímpeto de lado e leve também em consideração o investimento e o ônus financeiro, a carga de trabalho, o tempo de lazer e a insalubridade."
Zetchaku voltou a morar em Indaiatuba, onde trabalha como assistente administrativa numa multinacional. "Gosto da minha área, mas se tivesse encontrado alguém formado quando comecei a estudar, teria pensado duas vezes em fazer gastronomia como primeiro curso."
Eline Kullock, especialista em recursos humanos, pondera, no entanto, que pensar na carreira olhando apenas o salário pode travar a evolução do profissional. "É raro alguém que faz uma coisa sem prazer se destacar. Isso torna o retorno menor".
Com falta de profissionais, o mercado de tecnologia é uma área atraente do ponto de vista da empregabilidade.
De acordo com dados da Hoper Educação, a mensalidade média do curso de ciência da computação na Grande São Paulo é de R$ 728,75. A remuneração inicial para formados é 2,5 vezes o valor.
Daniel Gatti, diretor da Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologia da PUC-SP, afirma que há alunos que buscam a área por causa do mercado aquecido, apesar de ter pouco interesse pelo assunto. "Esse estudante sofre mais para acompanhar o curso. Os outros se interessavam antes pelo assunto e muitos sabem programar", diz.
Formado em ciência da computação, Newton Calegari, 23, programa softwares desde os 10 anos. Hoje, faz mestrado na área e trabalha para o Comitê Gestor da Internet no Brasil. "Se não tem interesse em aprender mais, você não cresce na carreira. Quem tem aptidão se dá melhor", afirma.
Segundo Gatti, nesse setor, se você não fizer o que gosta e não tiver interesse em aprender, rapidamente será 'desmascarado'. "Não tem como esconder que um programa não funciona."
OFERTA E DEMANDA
Hayakawa, da Robert Half, ressalta que investir em profissões bem remuneradas por causa de demanda pontual pode ser um mau negócio. "Salários são cíclicos. Se uma profissão remunera mais, forma mais e os salários baixam. Não só gostar de algo, mas se enxergar atuando na área, é um fator de decisão mais seguro", afirma.
Para isso, recomenda conversar com profissionais já formados para entender o dia a dia da profissão.
Estudante de engenharia elétrica, Lucas Torrelli, 29, diz que se interessou pela área desde cedo. "Tive a sorte de morar ao lado de um casal de engenheiros eletricistas que me contaram sobre a rotina no aeroporto de Campinas e numa concessionária de energia", lembra.
No sentido financeiro, também teve sorte com sua vocação. Das dez profissões com a melhor relação entre custo da mensalidade da faculdade e salário inicial, quatro são engenharias.
"Falo para meus alunos: vocês têm um mercado receptivo e com menos concorrentes. Em geral, não vai faltar emprego", diz Paulo Garcia, coordenador do curso de engenharia elétrica do Mackenzie, em São Paulo.