Crítica - Restaurante
Corrientes 348 derrapa no ponto da carne
Casa, que ganhou como sócio ex-dono do Fogo de Chão, mantém ecos argentinos no cardápio, como os miúdos
Numa churrascaria já tradicional como a Corrientes 348, na Vila Olímpia, eu não esperaria presenciar de novo aquele equívoco tão recorrente em tantas casas, resumido no seguinte diálogo:
-- Como o senhor deseja o ojo de bife?
-- Malpassado.
-- Olha, o ponto da casa já é beeem vermelho...
Tudo errado. Não existe "ponto da casa", existe ponto de cozimento da carne, que é uma convenção sacramentada --inclusive em fotos ilustrativas-- em qualquer escola de culinária do Ocidente.
Segundo essa convenção --que vale para picanha na brasa, chateaubriand na frigideira, rosbife no forno, o que for--, uma carne ao ponto não é "beeem vermelha", é rosada. A malpassada é vermelha. A bem passada, acinzentada. (Fora os pontos intermediários.)
Enfrento esse diálogo nonsense dezenas de vezes, e termino pedindo "então me traga ao ponto da casa, beeem vermelha" --para constatar que a carne sempre virá além do ponto, como aqui. Tanto barulho para nada.
Mas a 348 não costumava dar essas derrapadas, e espero que volte à razão. Pois ela vem passando por uma transformação que prometia torná-la ainda melhor. A velha casa da Vila Olímpia, aberta em 1977, passou por uma reforma e perdeu um pouco do charme improvisado do passado, ao menos manteve a luminosidade vinda da rua e está mais confortável.
O processo é concomitante à abertura de filiais pela cidade e à mudança na sociedade, com a entrada de Jair Coser, 57, um dos fundadores da rede Fogo de Chão, recentemente vendida.
Na sociedade mantiveram-se as antigas proprietárias, as paulistas Ana Maria Leis, 71, e Mara Larios Santalla, 59, viúva do argentino Eduardo Santalla, idealizador da casa, que morreu no ano passado.
Em seu cardápio (agora nas mãos do chef Luiz Gustavo Chagas, 28, que passou por grandes restaurantes europeus) mantêm-se os ecos argentinos em entradas como a linguiça picante e o sortido de miúdos que inclui timo, rins, tripas e chouriço de sangue.
São também bem argentinos cortes como ojo de bife, bife ancho e de chorizo e, fora da grelha, um portenho bife à milanesa. Nos acompanhamentos há a presença brasileira da boa farofa com ovo e do pupunha assado, ao lado das tradicionais batatas à provençal.
Há também duas opções de peixe. Ao pedir o bacalhau grelhado, vem a pergunta que, aplicada ao peixe, surpreende: "Em qual ponto?". Na dúvida, melhor pedir ao ponto. No caso, veio meio cru no centro.