Crítica restaurante
Cozinha derrapa no Armazém, mas sua 'versão bar' compensa
Não é só no fogão que a comida se faz, dizia o cronista gastronômico Apicius, que escreveu dos anos 1970 aos 1990 no "Jornal do Brasil". A comida também se faz no coração, na cabeça, na biblioteca.
As histórias do Armazém Alvares Tibiriçá, em um sobrado na Vila Buarque desde dezembro, podem ser mais valiosas do que sua comida. Pois a cozinha derrapa e passa a sensação de que ainda não acertou a mão -falta equilíbrio e constância, e o serviço anda bem atrapalhado.
As batatas fritas são carregadas no óleo e seguem na companhia de um hambúrguer alto que, apesar de suculento, não dá para abocanhar de uma só vez. Bacon, queijo, tomate e picles ficam deslocados e não se sente o gosto do todo (R$ 35). As lulas empanadas (R$ 34) têm seu apelo: são envolvidas em farinha panko (seca e crocante), mas esta massacra o sabor delicado do fruto do mar.
Otis Redding canta ao fundo uma de suas baladas e aquece o ambiente, agradável e despojado, adornado com peças de antiquários, garimpadas pelo sócio, José Tibiriçá Martins, 50 (da Caos e ex-clube Vegas e Z Carniceria).
Esse empresário da noite, o Tibira, é o mesmo sujeito que cresceu em uma casa no Bexiga, com um quintal no qual, vez ou outra, o pai português soltava galinhas, patos e cabritos vivos para que seu tio os abatesse para o almoço familiar de domingo.
Foi nessa herança que buscou inspiração para montar o cardápio. A alheira da Dora (R$ 34) leva o nome de sua mãe -a autora da receita. Quem combina miolo de pão, carne suína e alho é um senhor português que lhe fornece o embutido. O resultado é um recheio denso e untuoso.
Dá calor ao coração -e chega fumegante à mesa- o cozidinho de lula, com peixe branco (o que estiver mais fresco no dia), chorizo (que empresta sabor ao prato) e feijão-branco (R$ 49).
Sua versão bar está bem preparada: há drinques clássicos e inventivos, boa carta de cervejas, chope Madalena (de colarinho persistente e cremoso) e destilados.