Vila da dengue
Vírus contamina vizinhos de rua, gera fila em posto de saúde e esgota estoque de repelente na zona norte; região concentra cerca de 60% dos casos em SP
O aposentado Valdomiro Pereira, 82, está com dengue, assim como a diarista Rosana Franco, 48, a dona de casa Zélia Gomes, 67, o filho, Adelson Ferreira, 43, e também um casal da vizinhança.
Todos foram diagnosticados de uma semana para cá e vivem a menos de 300 metros um do outro, na confluência de duas ruas na Vila Brasilândia, na zona norte.
A capital paulista registrou 563 casos de dengue nas seis primeiras semanas de 2015, ante 214 no mesmo período do ano passado. A região norte concentra a maior parte.
"Aqui todo mundo sabe de alguém que tem dengue", diz Rosana, que suspeitou quando começou a sentir dores pelo corpo e no olho. Agora, está em repouso, em casa.
Na rua, a suspeita da origem do vírus é um terreno na região com mato e água.
A doença (ou o medo dela) mudou a rotina da região norte nos últimos dias. Na Freguesia do Ó, o pronto-socorro municipal tinha fila que chegava à calçada no início da tarde. "Dengue", "dengue", "dengue", respondiam as pessoas que esperavam pela triagem, sobre qual doença suspeitavam ter.
ÁGUA
O diagnóstico de dengue ali não sai no dia. Em geral, os pacientes com suspeita recebem orientação para tomar soro fisiológico, paracetamol e beber muita água. No dia seguinte, voltam para saber se o exame deu positivo.
"Já tive dengue uma vez, há 17 anos. Tenho medo de que agora seja hemorrágica", disse a dona de casa Sonia Gomes, 44. A filha dela também pegou. "Eu não deixo água empoçar, fechei a caixa-d'água, faço tudo certinho. Mas, se um vizinho não faz, como vou evitar?"
O repelente, um dos itens de prevenção à picada do mosquito, está em falta nas farmácias da região, tamanha a procura. Em uma delas, a gerente, Miriane Teles, 25, conta que 50 unidades se esgotaram em três dias --o que fez a farmácia pedir reposição ao fornecedor.
Valdete Bispo Lima, 48, perfumista, passa repelente no corpo dos filhos antes de levá-los à escola, para tentar evitar a doença. Ela tem um sobrinho com dengue.
Outro produto campeão de vendas são telas de náilon para proteger caixas-d'água, segundo lojas de material de construção. O atendente Caio Santana diz que, antes, um rolo de 50 metros acabava em um mês; agora, em 15 dias.
No caso do aposentado Valdomiro Pereira, um agente de zoonoses observou que a caixa-d'água dele estava descoberta, o que ainda não foi resolvido.
No conjunto Cingapura do Limão, também zona norte, a presidente da associação local, Tânia Mara Nascimento, 57, diz que fez um mutirão para colocar areia nos vasos e tirar os pneus velhos da rua.
"Só não conseguimos dar jeito nos carros velhos que ficam na rua, mas sempre tiramos água acumulada deles."
AÇÕES
Cerca de 60% dos casos de dengue até 24 de fevereiro estão na região norte; Jaraguá, Brasilândia e Limão estão entre os recordistas da doença.
A Secretaria Municipal de Saúde diz que o calor é uma das hipóteses para o avanço da doença, pois acelera o desenvolvimento do mosquito.
"O acúmulo de água limpa sem proteção, devido à crise de abastecimento dos últimos meses, também deve ser considerado", segundo nota.
O órgão diz que colocou 2.500 agentes de zoonoses em toda a cidade, em visita às casas, e que bloqueia criadouros se houver confirmações de casos da doença.