Jairo Marques
Aflições de um quase pai
Na hora do parto, não vai rolar de levar minha mulher no colo e tocar meu cavalo de rodas ao mesmo tempo
--Amor, essas dores estão muito estranhas. Não estou mais aguentando, não. Cata os cacarecos e vamos para o hospital que a menina está nascendo.
"Deuzulivre" a minha filha nascer dentro do elevador, no meio da rua, na padaria ou nos braços de um bombeirão chamado sargento Amadeu.
--Nada, você está muito ansioso. Essas dores são normais. Logo passam, disse-me a mulher desdenhando a minha imaturidade paternal.
--Ligue para o médico, então, porque senão quem vai parir sou eu, e a qualquer momento.
Gases... Eram gases, segundo o obstetra que não teve a elegância de me receitar uma maracujina ou de me fazer um chamego dizendo "tudo dará certo no final, acalme-se".
Ora, a minha ansiedade fazia sentido. A barriga, do dia para a noite, transformou-se numa montanha que me jogou a um cantinho da cama e de onde um ser, lá de dentro, samba durante toda a madruga.
Somado a isso, já contamos 34 semanas de gestação. Ou seriam 33 semanas? Ou seria o oitavo mês, prenúncio da hora derradeira? Ter de contar o tempo de maneira diferente do que venho contando há 40 anos só faz aumentar a minha aflição e a minha confusão.
--Ainda falta muito...
Muito quanto? Não é possível que o homem já saiba calcular exatamente quantos espermatozoides saem da casinha no momento da explosão de paixão e não saiba me dizer certinho a que horas sai da festa o convidado mais malandrão que me deu um bebê de brinde.
Com a bexiga espremida por nossa menina, a mulher, ultimamente, vai ao banheiro umas três vezes durante a madrugada. Nesta semana, quando acordei e não a vi na cama, achei que ela tivesse ido parir à minha revelia, como se quisesse me poupar de um vexame no hospital devido a meu nervosismo.
Mas a minha agonia não é para menos. Fico imaginando a tal da bolsa estourando, alagando o quarto, minha amada berrando vida por todo o apartamento e eu ainda tentando vestir a calça jeans (cadeirantes demoram séculos para aprumá-la no corpo).
Penso naquelas cenas de filme à la Almodóvar em que Penélope Cruz, em via de dar à luz, começa a suar e a pedir por misericórdia que a peguem nos braços e saiam em disparada pelas ruas afora até chegar ao alívio de uma maternidade cheia de móbiles bonitinhos.
Não vai rolar de eu levar minha mulher no colo e tocar meu cavalo de rodas ao mesmo tempo. Seremos dois deitados no asfalto. Correr pelas ruas de São Paulo até o local do nascedouro de minha filha só seria possível no dia 1º de janeiro, sem chuva e de bicicleta, pelas ciclovias do Haddad, o que também não será para mim nesta encarnação.
"Huff, hufff, huff", ok, estou respirando compassadamente e puxando bastante o ar, obrigado. Também estou levando em consideração aquilo que as colegas me juraram: "Bebê não nasce dessa maneira, menino".
Mas essa sensação de não ter o mínimo controle da situação acaba com as minhas cutículas. Normalmente, tenho de saber se aonde vou tem rampa, tem elevador, tem a presença de "malacabadofóbicos".
Agora, a viagem não tem um rumo que eu consiga encontrar no Google Maps ou um caminho mais fácil que o Waze me indique. Só me resta acreditar que pé de galinha não mata pinto e que minha Elis será ungida com a tolerância máxima às diferenças e fará de tudo para poupar o papai, fazendo as melhores combinações possíveis com a mamãe.