Da favela à FGV
Moradores da periferia da zona sul, Daniela, 23, filha de babá, e Fábio, 22, filho de camelô, entraram em uma das melhores e mais elitistas escolas do país
Desde o início do ano, o casal de namorados Daniela Nogueira Mendes, 23, e Fábio Bruno Queiroga, 22, deixa para trás, todas as manhãs, a favela Monte Azul, na zona sul de São Paulo, rumo ao centro --numa região com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) semelhante ao europeu.
Eles acabaram de entrar na FGV (Fundação Getúlio Vargas), uma das melhores e mais elitistas escolas de administração do país. Fazem parte de um esforço recente da instituição para ter turmas de alunos heterogêneas, de diferentes origens e classes sociais.
Os dois passaram no vestibular e conseguiram bolsa de estudos integral, auxílio transporte, auxílio alimentação e uma ajuda de custo de R$ 7.000 para cada por semestre --espécie de salário, já que tiveram que parar de trabalhar para estudar em período integral. Com esse dinheiro, ajudam no sustento da família. Os benefícios são da própria FGV e do Instituto Grupo Pão de Açúcar.
Rodam 15 km em uma van e dois ônibus, num trajeto de uma hora e meia --acompanhado pela Folha-- até a FGV.
Moradores de bairros vizinhos da mesma favela, Daniela e Fábio concluíram o ensino médio em uma escola pública estadual, há cinco anos, quando começaram a namorar. Nem sabiam o que era a FGV ou como era um processo seletivo para entrar na universidade. "Os professores nem falavam sobre vestibular com a gente", diz Daniela.
"Uma vez, para tentar controlar a bagunça da sala, um dos professores disse que nunca seríamos ninguém. Somos uma exceção, a maioria desiste dos estudos no caminho", conta Fábio. Fato: no Brasil, um em cada dois alunos nem termina o ensino médio.
A sorte mudou por persistência dos dois. Filha de uma babá e de um dono de bar na periferia de Guarulhos, Daniela entrou em jornalismo na Fapcom. Filho de uma dona de casa e de um camelô regularizado da 25 de Março, Fábio passou no vestibular de economia na PUC-SP.
Nos dois casos, com bolsa. Não gostaram. Queriam um curso "com mais possibilidade de impacto social". Sonharam com o de administração pública da FGV --o melhor curso privado de administração no Ranking Universitário Folha 2014. "Pensei em usar o conhecimento de ter crescido em uma região pobre com a teoria para trabalhar no setor público", conta Fábio.
Juntos, largaram os cursos que faziam, deixaram os respectivos empregos e decidiram estudar durante um ano para entrar na FGV. Como não conseguiram pagar um curso pré-vestibular, estudaram por conta própria em um CEU (Centro Educacional Unificado), por causa da biblioteca.
"Eles não se contentaram com o simples fato de entrar no ensino superior e quiseram ir além", afirma Marco Antonio Carvalho Teixeira, vice-coordenador do curso de administração pública da FGV.
A mensalidade da faculdade, de R$ 3.350 mensais, é maior do que a renda familiar de cada um deles. E como é conviver com alunos de níveis sociais tão diferentes? "Quem entra em administração pública já tem uma cabeça mais aberta", conta Daniela. "Somos bem recebidos."
A FGV oferece dez bolsas no curso: cinco por mérito e mais cinco para alunos com necessidades econômicas, como Daniela e Fábio. Neste ano, em mais uma tentativa de diversificação da turma, haverá provas do vestibular até na região Norte.
O casal também estuda francês e inglês (nível básico, uma exceção aberta para eles) na FGV. Querem fazer intercâmbio nos próximos anos.
Daniela também entrou em geografia à noite na USP e pensa em conciliar os dois cursos. "Quero ter bagagem suficiente para mudar o Brasil."