Funkeiros mirins ganham fama sob a tutela de produtor
Em uma casa na zona sul de SP são planejadas as carreiras de jovens artistas de sucesso, como MC Brinquedo, 13, e MC Pikachu, 15
Vinícius, 13, voltava do colégio particular quando entrou cantando em sua casa no Jardim Arco-Íris (zona sul). Sua mãe, a costureira Lidiane dos Santos, 33, passava o bife e falava sobre o filho, que hoje não consegue mais andar no shopping sem ser tietado --inclusive nos chiques.
São dele, MC Brinquedo, os bordões "eu sou malandrão" e "meça suas palavras, parça", que circulam na internet e nas bocas de jovens do CEU Uirapuru ao Colégio Bandeirantes e cativaram até o Supla ["ele tem atitude e a cabeça superaberta, tá ligado?", disse o roqueiro].
Sua música mais conhecida, "Roça Roça", ainda toca em fluxos (bailes funk de rua) da cidade --aos quais a mãe não o deixa ir pela idade.
Brinquedo é um dos discípulos da KL Produtora. No sobrado na zona sul, Emerson Martins, 42, mora e comanda a carreira de 15 funkeiros com idades entre 13 e 22 anos.
Autodenominada "fábrica dos sonhos", ali são pensados os vídeos, cabelos, nomes e interação dos artistas, que convivem pelos corredores, almoçam, trocam rimas e gravam no estúdio. Vira e mexe um dos jovens dorme por lá.
Emerson se irrita quando o assunto é seus pupilos menores de idade cantarem músicas sobre sexo ou drogas (ou os dois). Para ele, isso é "pura hipocrisia". "Eles cantam a realidade do que está nas ruas, na televisão aberta e na internet, que é a diversão deles. A própria 'Roça' o Brinquedo tirou da TV", diz.
Completam o "quarteto diferenciado" da KL Produtora MC Bin Laden, MC Pikachu, 15, cuja timidez contrasta com a energia de suas apresentações, e MC 2K, 21, filho do empresário, que fez sucesso com o hit "Ziriguidum" em 2013.
"O Pikachu é virgem. O Brinquedo também. O Bin Laden vai pra igreja. Ele tava num fluxo quando ouviu alguém falar 'ó o lança, quem não bafora não transa' e resolveu colocar na música", conta Emerson.
Bin Laden, 21, nascido numa favela na Vila Progresso (zona leste), se inspirou no barulho de uma moto na rua para fazer "Bololo Haha", tocada pelo DJ americano Skrillex. Recentemente, ele e Brinquedo foram convidados para gravar com o produtor americano Diplo.
"Não conhecia ele, mas vi que é um monstro. Pra mim, isso é a maior satisfação", celebra Bin Laden. Hoje em dia seu cachê chega a R$ 8.000 por show na capital paulista. O dos outros três gira em torno de R$ 3.000. A KL ainda tem em seu plantel as MCs Princesa, 19, e Plebeia, 16.
O valor arrecadado, diz Emerson, é dividido meio a meio entre a produtora e o músico (ou responsável). Alguns gastos também, como roupas, passeios e as mensalidades das escolas privadas (ao custo de cerca de R$ 1.200).
"Ninguém vem aqui falar da oficina de DJ que a gente tem, nem ver 20 pessoas comendo por aqui todo dia", reclama o empresário.
"O mal de todo mundo é achar que funkeiro é ignorante. Aqui a gente faz projeção de carreira. Quero que quando eles pegarem uma Marília Gabriela de frente saibam cantar e conversar coisas diferentes", explica Emerson.
E continua: "Outro dia passei pra eles um filme sobre a Whitney Houston. Sou fã, mas ela tem uma passagem muito ruim, da decadência com as drogas. Depois mostrei 'O Guarda-Costas' [filme], pra eles entenderem como é lidar com a fama, que também traz solidão."