Para pesquisador, Anvisa favoreceu vacina estrangeira
Ex-diretor do Instituto Butantan, que desenvolve imunização contra a dengue, critica demora em autorização
Entre 1991 a 1997, na gestão do médico e bioquímico Isaias Raw, 88, o Instituto Butantan, em São Paulo, virou referência internacional na produção de vacinas.
Um dos resultados é a imunização contra dengue que está sendo feita em parceria com os NIH (Institutos Nacionais de Saúde dos EUA) e que entrou na última fase de estudo antes de ser lançada.
Apesar do avanço, Raw diz que o desenvolvimento do produto foi atrasado em pelo menos 18 meses por má vontade da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A vacina da multinacional francesa Sanofi Pasteur já passou por estudos e está começando a ser produzida.
Leia a entrevista a seguir.
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Folha - Por que o sr. diz que houve demora para a aprovação dos estudos da vacina contra a dengue do Butantan?
Isaias Raw - Levei seis estudiosos para mostrar ao diretor da Anvisa, Dirceu Barbano, que a vacina tinha condições da avançar para a próxima fase. Ele falou "essa semana eu libero o ensaio" [aprovação para a fase seguinte de estudos]". Oito meses depois, ele não tinha liberado o nosso, mas tinha liberado o da Sanofi [Pasteur, multinacional francesa].
Existe algum problema com a vacina da Sanofi?
A vacina deles não funciona e precisa de três doses. A nossa atinge um bom nível de proteção com uma dose. A quantidade de vacina é cem vezes menor que a da Sanofi.
Eles pegaram a vacina de febre amarela, tiraram uns pedaços e fizeram a de dengue. Ela leva pelo menos um ano para imunizar e só funciona em quem já teve uma doença. Isso não engana: essa vacina é uma porcaria.
Então essa vacina não deveria ter sido aprovada?
Acho que não deveria ter sido assinada [a aprovação]. A regra seria exigir fosse testada primeiro no lugar onde foi desenvolvida. Não somos cobaias de ninguém. Se foi feita na frança, testem nos franceses. Não, necessariamente, ela vale pro Brasil.
Perdemos 18 meses porque a Anvisa não autorizou o ensaio. Não assinou os papéis. Nesse meio tempo, assinou autorização para a Sanofi testar no Brasil, com brasileiros, a vacina deles.
A epidemia da dengue, com grande número de casos e mortes, poderia ter sido evitada se houvesse a vacina?
Teria evitado, porque [a vacina] funciona com uma dose. Nós temos capacidade de produzir talvez 50 mil doses no laboratório que foi montado pra desenvolver a vacina. Para produzir a demanda nacional e provavelmente da América Latina temos que construir um prédio para abrigar a fábrica.
Falta dinheiro?
Quando nós entregamos uma vacina para o ministério [da Saúde], ele paga quanto quer e quando quer. Já imaginou uma empresa fornecer e ter de esperar o pagamento do ministério?